TRÍPTICO DQC: PAISAGENS DO SILÊNCIO - Ao som de Tout un monde lointain...(1967/70), do compositor
francês Henri Dutilleux (1916-2013), inspirada na poesia de Charles Baudelaire, na interpretação
performática da violoncelista alemã Konstanze von
Gutzeit & Orchestra of the University
of Music, conductor Nicolás Pasquet (Weimar, 2016). – A minha solidão e todo um mundo distante... Todas as belezas e a paixão... Todo universo... e a vida sempre por um triz... A esta
hora as cores do poente ardem nos meus olhos e
o mundo que a morte e o azul e a ausência em si resume no vivo clarão das horas
estivais. Os sonhos partiram em caravana e estou daqui a ver os que se matam no
tédio cruel de singulares jogos. Sou hóspede da noite que já se avizinha num
país sem igual, o Sol morre no céu nebuloso e o egoísmo humano é descoberto no
paroxismo dos seus concretabstratos invadindo todos os meus sentidos entre
ruinas e desgraças, como quem órfão paterno não perdoa a mãe pelas segundas
núpcias e odeia os credores infames da minha saúde debilitada. Fui deserdado e
passo por todas as farsas ímpias, abrindo caminho ao coração e perplexo com a
degradação ultrajante das cidades com suas fachadas de banheiro para
descaracterizá-las em nome do moderno dos submersos em seus labores desumanos e
os excluídos que nadam nos horrores. É tudo muito deprimente, enquanto os
remorsos roem como vermes a vida dos donos insaciáveis que saem dos seus
suntuosos escritórios como uma manada de demônios com força e virulência para a
todos com a espuma do ódio envenenado e assim beberem todo sangue do mundo que
é para eles a infame carcaça da carniça. Para minha surpresa aparece Gramsci que parecia mais ler meus
pensamentos: Somos criadores
de nós mesmos, da nossa vida, do nosso destino e nós queremos saber isto hoje,
nas condições de hoje, da vida de hoje e não de uma vida qualquer e de um homem
qualquer. Do outro lado, Strindberg:
A verdade é sempre desaforada. Com o amor
não se brinca sem castigo. Logo desaparecem para que minha alma seja um sepulcro em que habita um reles cenobita e
anseio flor nova no chão estragado por chuvas e trovões dos infernos no castigo
do orgulho a quem despenca da vergonha e da glória. E quando eu me perder na
universal memória saberei que o tempo é curto, a arte é longa, nas fundas solidões
do meu coração tambor.
DOIS: O TESOURO DA
PEDRA, O SIMULACRO DO RISCO - Imagens: Wall
(2010), da artista japonesa Chiharu
Shiota, ao som do álbum Finding Gabriel (Nonesuch, 2019), do pianista
estadunidense Brad Mehldau – Noite alta e na parede das profundezas
erguerei os meus clamores e ninguém me livrará do maldito cativeiro. Sou mártir
sem culpa, dócil condenado, o meu suplício choca os mortos e a farsa que sou se
ocupa com tolices e culpas, erros e sovinices que sequer tenho. O escritor
japonês Kobo Abe (1924-1993) me
chama a atenção: A
liberdade não consiste só em seguir a sua própria vontade, mas às vezes também
em fugir dela. O mais assustador do mundo é descobrir o anormal
naquilo que está mais próximo de nós. Sim, eu sei do homem
livre amigo do mar espelho da alma, a desvendar o fundo sorvedouro humano, são
meus irmãos com seus fogos de diamante e no íntimo tesouro guardado nos
segredos de cada um. Sim, eu sei com a minha índole libertina, talvez ouse além do destino humano e me embebedo a arder de essências
confundidas de óleo de coco, almíscar e alcatrão, florão das minhas noites. Quando
não estou aqui encerrado, lá estou acenando para ciganos em viagem num céu sem
destino, quisera poder segui-los, outras são as condições. Só não quero encontrar
rosas frias, só a flor vermelha do
ideal. Ao poeta das anemias as graças de hospital e o inferno de amigos povoado,
não poderão jamais satisfazer um sonho como o meu do fundo do abismo em que
agora sucumbo no nosso penoso holocausto. Mesmo que eles se indignem comigo
pelos repudiados hemistíquios dos meus versalexandrinos, porque doído sou cru e
maldito, caí na esbórnia afogueado pelo que comi e bebi, o absinto, o haxixe e
o ópio, santa boemia na melancolia de Paris, porque o poeta é o albatroz
exilado na terra e impedido de voar na ambição de decifrar o segredo da dor da
vida anterior, me ensina a arte de evocar as horas mais ditosas. Mas o final do
episódio apenas eterniza que quem ama corre o risco de não ser feliz.
TRÊS: ELA DENTRO D’ÁGUA, A POESIA DE TUDO – Imagens: Becoming Light (2005),
do videoartista estadunidense Bill
Viola, ao som Alcaline, le concert (2016), do trompetista, pianista, compositor, arranjador e professor
franco-libanês Ibrahim Maalouf, no Trianon, em Paris. - Quando ela vem do céu ou do inferno dentro do vestido
ondeante e nacarado, chega como quem dança lânguida amante tonada luz
incandescente nos meus olhos sequiosos dela. Ela chega pro meu voo ascensional
pelos límpidos espaços para entender a linguagem da flor e da matéria bruta. Leva-me
ao templo das cores, sons e perfumes no regaço do linho e do cetim, a natureza
toda é ela bela como um sonho de pedra e inspira o poeta e nem sei o que é rir
ou chorar. Ela sorri sem medo, solitária e calma ao meu amor profundo e a sua beleza é sua e sempre quase vinho, beleza de Fortuna encantada, joia
fulgente dos meus poemas, verdadeiro
desacato e a persigo como um cão, recitando Jorge Ibargüengoitia (1928-1983): Ó doce luxúria da carne!
Refúgio dos pecadores, conforto dos aflitos, alívio dos doentes mentais,
diversão dos pobres, diversões dos intelectuais, luxo dos idosos. A arte de
amar se reduz a dizer exatamente o que exige o grau de embriaguez do momento. E ela sorri mergulhando fundo todas as águas
oceânicas para me guardar ao seio generoso de
Cibele, a loba terna que afaga o meu coração abismado por florescente dama com seus
olhos de fogo, o seu ser dotado de realeza, blasfêmia da arte, divina mulher. Sou cativo da sua face sincera que
vive o que será amanhã como agora, amanhã e depois e sempre; na sua nudez que me
diz não ser vedado amar, súcubo encanto e foi lá que vivi volúpias e mergulhei na
imagem que o olhar beija e o coração abraça, sua voz é música, seu hálito é
perfume e o amor para meus olhos, ação para meus braços, e percorrer devagar
seus flancos espreguiçada no meu peito aos pés de uma colina, confidente de
sonho infinito. Para o meu amor ela está sempre nua e faíscam joias do seu
corpo recostado para que eu a possua repetindo Sed non satiata e a sua carne de tigresa domada e olhar fixo e contemplo
seu esplendor de graças, o sorriso esguio: a volúpia me chama, a paixão me
coroa na minha solitude a levar meu nome aos mais longínquos anos. Enfim, sobre
seu ventre danço amorosamente para nela infundir o meu veneno com as frases
roubadas das Flores do Mal. Até mais
ver.
A ARTE DE JULIANA NOTARI
“Na
cidade, imersos nesta conjuntura de sociedade neoliberal e neste mundo precário
onde todos lutam pela sobrevivência e o tempo se torna dinheiro, me emocionam
gestos e pequenas atitudes de pessoas que eu não imaginaria que teriam tal
sensibilidade, a gente vive tão pressionado por este sistema capitalista que a
sensibilidade vira essa poesia que há no ser humano. Na natureza, ela vem dos
animais e das árvores, principalmente quando estou só”
A arte
de Juliana Notari, doutoranda e
mestre em Artes Visuais pelo PPGARTES/UERJ, graduada em Artes Visuais pela UFPE
(2003) e que trabalha com as mais diversas linguagens (instalações,
performances, vídeos, fotografias, desenhos e objetos) com abordagem
multidisciplinar. A sua pesquisa visual tem criado um corpo de trabalhos que
encaram suas singularidades, transitando por entre a biografia, o confessional,
a catarse ou práticas relacionais, com ênfases e modos de operação diversos,
traumas, desejos, fantasias e medos que são recolocados em suas obras
instaurando relações entre subjetividades que, por sua vez, configuram o eixo
central da obra da artista. Veja mais aqui e aqui.