A PRISÃO DE ROGER - O tempo é, foi e passou com as minhas
heresias. Sou apenas uma paisagem comum ignorada, quando não execrada pela
saudação e mobilidade. Sigo só, deserdado da natureza, nenhum sonho possível na
minha heterodoxia. Sou paradoxo, a minha prévia velhice desiludida me faz viver
entre dois espelhos e a ponte que sou entre o longe e o perto– a vela e
qualquer parte, o Todo: as respostas para tudo na enorme cabeça de latão, o meu
oráculo de metal. Encaro a arrogância dos sábios e os cabeças de fósforos que
se ocupam do vulgo e coevos, o estorvo e estultice do comatoso estado de
ignorância: conservantismo demasiado arrogante e tantos leigos inescrupulosos com
suas visões tacanhas para o ludíbrio, seus equívocos fanáticos e sectários. Não
há como me adaptar a tudo isso, não faço parte disso. Há tempos abandonei as
controvérsias e as batalhas das palavras, que briguem, não me interessa a
soberba, nunca me interessou. Com a minha ausência nessa parafernália inútil,
julgam-me feiticeiro do mal só porque eu persigo os segredos de Deus dispostos
para todos; e tudo que fiz, para eles, nada mais que blasfêmias ao opróbrio de
um herege que se mantém contra as tradições consagradas, a minha condenação ao
ostracismo. Que vivam seus deleites e arroubos; que celebrem seus credos e
cultos, que festejem suas graças e chorem suas desgraças; que fabriquem suas
guerras e se vendam aos conluios, que se esfolem e se danem, não me cabe nada
nisso. Da minha parte, cumpro a sentença e sou recluso de muitos anos, aprendendo
muito apenas com a dieta de água e pão. Mantenho meu espirito inquebrantável no
direito de investigar, ou como quiserem: um pelotiqueiro a desvendar alquimicamente
as expressões do Criador, a linguagem cifrada nas descobertas de remédios para
males físicos e outros malefícios – aprendo com a temperatura da energia vital,
o sêmen. E o que fiz, qualquer um pode fazer e testar, experimentar e tirar
suas próprias conclusões. Admito, posso ter errado no combate aos dogmas
supersticiosos que aprisionam tantos pelo preconceito, não conseguem mesmo
enxergar a clausura insuplantável que estiveram e estão metidos até o tutano. Sou-me
inútil Speculum astronomiae, jamais entenderiam:
um simples experimentador curioso da espiral das interrelações. De
resto, as sete partes do Opus Majus,
o caduceu de Hermes e o martírio do silêncio. Quando eu morrer nem saberão, não
precisam, estarei em paz, sozinho e a sorrir. © Luiz Alberto Machado.
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DITOS & DESDITOS: [...] Da primeira vez que o vi, pensei: Não vai ficar muito tempo. Eu estava no escritório no fim da tarde e ele apareceu na porta de
repente, carregando uma mala na mão e vestindo roupa comum - jeans e camisa
marrom - com o paletó branco por cima. Parecia jovem, confuso e um tanto
surpreso, mas não foi daí que me veio aquela impressão. Veio de outra coisa, de
algo que vi em seu rosto. [...] Mas
então a pessoa chega e vê. O primeiro indício pode ter sido um detalhe
perturbador, a rachadura de fora a fora em alguma parede antiga ou um conjunto
de janelas quebradas num escritório observado de relance. Ou o fato de a fonte
estar seca e de que desde muito a areia se acumula no fundo. Ela diminui o
ritmo e olha ao redor com uma vaga ansiedade, e de repente tudo se esclarece. O
mato na junção dos tijolos e das pedras da calçada, a grama que cresce aqui e
ali na rua, as lâmpadas queimadas, as lojas vazias atrás de portas de vidro sem
nada escrito, o mofo e a umidade, a pintura empolada, as marcas de chuva em
todas as superfícies e o lento desmoronar de estruturas sólidas, às vezes
pedrinha por pedrinha, às vezes pedaços inteiros. E ela já não tem certeza de onde
está. E não há gente. É o último
detalhe em que repara, embora reconheça depois que foi essa a primeira coisa
que lhe deu aquela desconfortável sensação de vácuo: o lugar estava deserto.
Sim, um carro atravessava devagar uma rua lá atrás, um ou dois militares
fardados caminhavam lentamente na calçada e talvez um vulto desengonçado
andasse por uma trilha num terreno invadido pelo mato, mas o lugar estava
praticamente vazio. Desabitado. Nenhum caos humano, nenhum movimento. Uma
cidade-fantasma. [...] Fazia muitos e
muitos anos que eu não passava a noite no mesmo quarto com outra pessoa. E me
lembrei depois - embora isso fosse um tanto incongruente, pois Laurence não
significava nada para mim - que tinha havido um tempo, muitos anos antes, em
que a ideia de ter alguém dormindo ao meu lado no escuro era um consolo e um
alívio. Não conseguia imaginar nada melhor. Agora aquele outro corpo que
respirava ali ao lado deixava-me tenso e vigilante; em certa medida até me
aborrecia, e por isso levei horas até me sentir cansado o suficiente para
fechar os olhos. [...]. Trechos extraídos da obra O bom médico (Companhia das Letras, 2005), do escritor sul-africano
Damon Galgut, contando a história de
uma dupla médica que passam a conviver no pós-apartheid em um hospital, combinando
investigação psicológica, suspense e crítica social para explorar os
desdobramentos da nova realidade política da África do Sul.
BARBA
AZUL DEA LOHER
[...] JULIA (pega a mão dele) - Eu, Julia, caso
com você, Heinrich, meu marido, para Deus e o mundo; Eu juro amar você e
honrar, ser fiel a você e ajudá-lo nos bons e nos maus dias, na saúde e doença,
até a morte nos separar. - Agora fale comigo: Heinrich! HEINRICH Que seja -
JULIA: Você tem que falar comigo. HEINRICH Nós nos conhecemos há uma hora e
cinco minutos. [...]
BARBA AZUL – A peça teatral Barba
Azul – a esperança das mulheres (Blaubart -Hoffnung der Frauen, 1997), da premiada dramaturga
e filósofa alemã Dea Loher, uma releitura do conto homônimo do escritor
francês Charles Perrault (1628-1703), trata sobre desejos, projeções e a
busca por completuda, jogando com o irônico, o absurdo, o contraditório e a
realidade, discutindo a imposição do amor, violência de gênero e
relacionamentos abusivos que fazem parte do cotidiano, ao percorrer temas como
feminicídio, masculinidade tóxica e violência de gênero. Foi montada no Brasil
pelo grupo Trupe à Grega, composto por Alice Guêga, Douglas Soares, Filipe Augusto,
Laís Junqueira, Luiza Magalhães, Paula Ambar, Rosana Santesso, Viníciuis Aguiar
e Yonara Dantas, sob direção de Luciana Schwinden, com a proposta da montagem: “Nosso desejo é abordar questões que
interessem a nós, mulheres, como sujeitos na pesquisa e não apenas como objetos
de investigação”. Veja mais aqui.
A ARTE DE ROBERTR MAPPLETHORPE
A OBRA DE ROGER BACON
A matemática é que nos dá acesso às ciências. A experiência é a peça
principal da ciência. Muitos mistérios da natureza e da arte são conhecidos
somente pela magia. A verdade é filha do tempo. Saber é poder. A verdade só se
mostra a quem a procura.
ROGER BACON – O filósofo empirista inglês, Roger Bacon
(1214-1294), também conhecido como Doctor Mirabilis, contribuiu com seus
estudos para áreas como a mecânica, a filosofia, a geografia e a óptica, inventando
os óculos e os futuros telescópios e microscópios, ao descrever o método
científico por meio de um ciclo com base na observação, hipótese e
experimentação, na necessidade constante de verificação independente. As suas ideias
foram perseguidas e condenadas pelas autoridades da época, que o aprisionou por
14 anos, a pão e água, apenas. Morreu como um desconhecido e suas ideias só
foram descobertas 300 anos depois. Veja mais aqui.