APRENDENDO NO COMPASSO DA VIDA – (Imagem:
acervo LAM) - Quando minha mãe soube o que eu queria ser quando crescesse,
quase teve um troço. A professora, amiga íntima dela, logo depôs: - Viu o que
seu filho quer ser quando crescer? Um médico? Não, poeta. Oxe, minha mãe pôs
uma mão sobre o seio, outra sobre a cabeça e quase cai dura de raiva: - Isso é
lá profissão que se preze!?! A professora, coitada de inocência, não sabia que
minha mãe ia ter aquela reação. Arrependeu-se de ter contado, tentando corrigir
o meu desplante. – Não, mulher, isso é lá coisa que se diga! Ele só tem quatro
anos, é uma criança. Mas é de criança que a gente corrige pra não ficar torto
de vez. E como ela sonhava me ver médico, pôs-se, então, na empreitada,
esquecendo-se que eu não tinha a menor condição de sê-lo, vez que desmaiava até
na hora da vacina. Aí, com do meu pai chegou de noite em casa, ela logo colocou
por desaforo: - Viu o que seu filho quer ser quando crescer? Um advogado? Não,
uma porcaria de poeta, como se isso valesse alguma coisa na vida. Meu pai
riu-se da minha asneira, todavia, ficou um tanto contrafeito com a indignação dela,
vez que ele, vez por outra, cometia umas sonetadas caprichadas nas reuniões
sociais. Ele era mesmo achegado a um violão, copo de cerveja e rodas de amigo a
largar redondilhas, decassílabos e alexandrinos, soltando pilhérias com motes
glosados em quadrões, toadas e martelos. De modo que não seria de bom alvitre
ter minha mãe repudiando coisa tão séria levada por ele, sabedor que se o
sujeito não tivesse uma profissão de verdade, nunca passaria de um poetastro de
água doce. Com o tempo ele se esqueceu disso, mas minha mãe manteve em cima da
risca a vigilância, me desviando a atenção proutras coisas interessantes
recolhidas de enciclopédias: - Tá vendo? Isso que é decente e certo. Pensasse ela
em ao menos ouvir falar de qualquer poeta, ela logo providenciava uma mudança abrupta
de assunto para que eu não tivesse uma recaída. Duas vezes coitada, não sabia
ela que eu andava, às escondidas, cometendo todo dia umas quadrinhas inocentes
pra professora que, tanto sabedora do transtorno que causaria pra minha mãe,
como filha de um poeta e dramaturgo de relevo na cidade, resolveu guardar
segredo. Não demorou muito e minha mãe descobriu o meu horrendo pecado pelas
mãos do bispo, ao elogiar minhas publicações no suplemento infantil do
principal jornal do estado todo sábado. Ela ficou sem saber o que fazer, não se
conformando que eu era uma causa perdida. Os anos se passaram e o hábito de ler
enciclopédias provocados por ela, me levou a descobrir uns livros escondidos
nas estantes do meu pai, sobre versificações, métricas e rimas. Lá estava eu,
em casa, lendo e relendo livros de poesias e, na rua, ouvindo atento aos
improvisos de sábios emboladores e repentistas. É evidente que no início da
adolescência, amontado num bigodinho ralo, eu já me achava o poeta dos poetas.
Cometia versos e rimas pra cima e pra baixo, a ponto de já me esgueirar a
estudar também o teatro e a música. Aprendi logo a tocar violão do meu jeito e
a querer representar minhas loas e petas nos palcos da vida. Leia-se querer,
porque na horagá, dava um branco, eu ficava lívido e travado pela timidez. Juro
que me esforçava, todavia o que saía era um dedilhado trastejado, uma voz
afônica e desafinada, um horror de coisa que nem era eu mesmo. Bom, de mesmo,
só embaixo do chuveiro ou trancado na acústica do meu quarto que eu dava o meu
verdadeiro show. Ao dar de cara na rua, uma lástima. E o que escrevia e
compunha todo esse tempo só me fizeram uma coisa: ruborizado de vergonha. Pois
tive o desplante de publicar o meu primeiro livro com poemas adolescentes e
que, se não fosse um poetamigo a dar uma corrigida do título ao epílogo, eu
ainda hoje estaria querendo achar um buraco no chão para me socar. Indiferente
a tudo isso, saí metendo bronca nos versos e asneiras. Com as lapadas da vida
fui aprendendo com o que havia lido e continuava lendo, que se eu não quisesse
passar mais vergonha, tinha que mudar de ramo. Findado o colegial, era a hora
de eu mostrar ao que vim. Mais um equívoco: queria ser escritor e fui fazer
Letras. Menos mal. Por conta de uma estratégica condução do meu pai, abandonei
o Jornalismo e fui bater com as ventas no curso de Direito. Aí minha mãe que já
havia perdido as esperanças de me ver o seu doutor em Medicina, reiterou: -
Menos mal, realmente. Coitados dele e dela, incorrigível, eu queria mesmo era
ser poeta. Foi quando aprendi a rir de mim mesmo: ô bicho besta. Aprender, não
aprendera; podia até saber, apreciava por gostar. Dos trocentos e tantos
poeminhas pouco relevantes, um ou outro que, diga-se lá, se salvava. Se hoje o
fosse, seria bissexto: um ou outro uma vez lá na vida. Claro que tem um ou
outro verso que se salve mesmo, marca de uma tirada de valor. Mas apenas
versos. No cômputo geral, continuo aprendiz teimoso. Como dizia o poeta
Patativa que aqui é um verso em cada galho, um poema em cada flor, vou
parafraseando o poeta conterrâneo Abel Fraga: tanto poema dando sopa e eu sem
colher pra tomar. E como se trata de ofício de valor, hoje folgo mais em
destilar umas sapecadas prosaicas pra não perder o vício, mais por intuição e
prazer que por vocação. Uma coisa é certa: incorrigível mesmo, eu sou. E vamos
aprumar a conversa & tataritaritatá! © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui e aqui.
Imagem: River and Hills, do
artista e escritor francês associado ao movimento Dadaísta, Georges Ribemont-Dessaignes
(1884-1974).
Curtindo o álbum Fome de tudo (Deckdisc, 2007), da banda Nação Zumbi.
PESQUISA
Introdução
à Psicologia Social (Casa do Psicólogo, 2003), do médico
psiquiatra, psicólogo social, etnólogo, folclorista e antropólogo Arthur Ramos (1903-1949), apresentando
suas inclinações antropológicas de orientação psicanalítica.
LEITURA
Sharon e
minha sogra: diários de guerra de Ramallah,
Palestina (Francis, 2004), premiado livro da escritora
e arquiteta palestina Suad Amiry,
registrando suas impressões e sentimentos durante os combates e outro lado do
conflito.
PENSAMENTO DO DIA:
[...] Creio
que a humanidade aceitará como regra axiomática o princípio pelo qual
sacrifiquei a minha vida – o direito de investigar. É esse o credo dos homens
livres – a oportunidade de ensaiar, o privilégio de errar, a coragem de tornar
a experimentar. Nós, os cientistas do espírito humano, havemos de experimentar,
experimentar, experimentar sempre. Através de séculos de tentativas e erros,
através de angustiosa dificuldades... experimentos com leis e costumes, com
sistemas monetários e governos, até podermos traçar o caminho verdadeiro – até
encontrarmos a majestade da nossa órbita como, acima de nós, os planetas
encontraram a sua... e então, por fim, nos moveremos juntos na harmonia das
nossas esferas, sob o grande impulso de uma criação única – uma unidade, um
sistema, um desígnio.
Trecho do pensamento do filósofo inglês
empirista Roger Bacon (1214-1294), o
Doctor Mirabilis.
IMAGEM DO DIA
A arte do professor de teatro, diretor, produtor,
publicitário, mímico e escritor Jiddu Saldanha.
Veja mais sobre o Projeto de Extensão Infância, Imagem e Literatura, Terry Eagleton, Osamu
Dazai, Hermilo Borba Filho, Silvia Pontual, Léon Bonnat, Jacques Offenbach, Jean-Paul
Rappeneau, Kim Roberti & Isabelle Adjani aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte
do pintor, artista gráfico, filme-pesquisador e produtor alemão Hans Richter (1888-1976).
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Imagem: Transhumance, Design for Peace.
Recital
Musical Tataritaritatá.