É DOMINGO NAS MÃOS – (Imagem:
acervo LAM) - Dê-me a sua mão, as minhas são suas e faço delas a cuia pra gente
beber água juntos. Vamos de mãos dadas, eu lhe trago flores, acordes de cordas
ou teclas, um solo ao piano, uma pincelada na tela desenhando cantigas que
emanam do coração. Vamos de mãos dadas semear os campos e colher da plantação o
fruto da propícia estação. Vamos saber se é quente ou frio, se áspero ou liso,
se viscoso, se grosso ou fino na qualidade dos tecidos, a dimensão dos sólidos,
a textura de tudo. E no almoço ou na ceia puxo a cadeira por cortesia, aperto a
da amiga e a do amigo, saúdo a todos ou faço discurseira, aliso a pele em
sinais de afago ou afeto, roço a carne em sinal de carícia e pego com força em
resposta à sedução, vasculhando inquieto por baixo das vestes em toda intimidade
a descobri-la maior que o planeta. E bato nas costas abraçado, aliso o cabelo, estalo
os dedos tagarelas e abro caminho, tenho as rédeas ou simplesmente agito diabolicamente
pra tirar proveito da ocasião provocativa. E se falo pelos cotovelos dou ênfase
na gesticulação, tudo tinindo ao polegar pra quem mais quiser – exceto no
Oriente Médio onde é gesto obsceno. Ou em riste, atenção! Preste bem atenção! Belisco
se negligenciar, seguro firme e mexemos a comida e a colher, o garfo à boca, o
cigarro ou cachimbo, copo ou garrafa. Acendemos a luz e aponto com o fura-bolo praquilo
que chamo atenção – dizem que é falta de educação. Se em situação aversiva, o
maior-de-todos pro que desgosto ou reprovo até mandar tomar na tarraqueta. Do contrário,
um sinal de Shaka, ou levo aos bolsos tímidos, espanto tudo, tanjo pra lá. Senão,
lá vai figa, até pra quem um tantinho tem só um mindinho. Se estão soltas,
brincamos de tudo e chamo o distante que já vem, ou aceno de adeus e já vou. Espalmo
em riste a mandar parar, guarda-chuva pra não se molhar, rebato a bola,
chapinho nas águas, atiro pedras, limpo as vistas e aparo nos olhos o Sol que
incendeia. Com sono, levo à boca até quando espanto, faço soar o sino, conto até
dez, identifico quantidades. Impaciente, assento os óculos no cotoco da venta,
corro a lista e as entrelinhas no livro. Às pressas, vou ao corrimão, meço
tamanhos e distâncias, dirijo o leme ou volante, paraí seu táxi, peraí condução.
Quando saímos, carrego encomendas, tudo pesado na festa das sacolas. Quando fica
difícil coço a orelha e o cocuruto– eita coceirinha desgramada –, pro alto
rendido no imprevisto ou aplaudindo com as chicólatras. Ah, leio em Braille, teclo
mensagens, digito texto das tripas coração, escrevo cartas e sou só paixão. Se vamos
ao trabalho, as unhas cavando o chão, tiro leite das pedras, ordenha de vacas
no curral, pego frutas no quintal. No outro expediente dou marteladas, manejo a
tesoura, fabrico artefatos, manuseio brebotes e espremo as horas e o serviço
com punho cerrado pro pugilato, ou espalmada pro karatê, ocupação em ofício de
manufatura, traçando ferramentas, mecanismos, processos. Chegamos em casa já
tarde da noite, viro a chave, puxo o trinco, abro a porta. É hora de descanso,
agito a percussão ou seguro o queixo, assôo o nariz, bato punheta pra aprumar
na inheta. Enfim, dou de paz e amor paratodos. E de mãos dadas somos das
falanges aos tendões o carpo e o metacarpo entre mamíferos primatas e bípedes,
a função dos quirodáctilos diante da dialética pé-mã0-cérebro de Morin, quando
sabemos nossa identidade nas impressões digitais e nos perdemos nos caminhos
das linhas até dar fé de Drummond: tenho apenas duas mãos e o sentimento do
mundo. E com as duas juntas, prostrados em reverência ou firmando vitória,
empunhamos o archote da vida na comunhão do amor. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
Imagem: a arte do pintor italiano Giuseppe Cacciapuoti.
O QUE
SERÁ (À FLOR DA PELE)
Imagem: Under
my skin, by Nora Dorian.
O que
será que me dá / Que me bole por dentro, será que me dá / Que brota à flor da
pele, será que me dá / E que me sobe às faces e me faz corar / E que me salta
aos olhos a me atraiçoar / E que me aperta o peito e me faz confessar / O que
não tem mais jeito de dissimular / E que nem é direito ninguém recusar / E que
me faz mendigo, me faz suplicar / O que não tem medida, nem nunca terá / O que
não tem remédio, nem nunca terá / O que não tem receita.
O que
será que será / Que dá dentro da gente e que não devia / Que desacata a gente,
que é revelia / Que é feito uma aguardente que não sacia / Que é feito estar
doente de uma folia / Que nem dez mandamentos vão conciliar / Nem todos os
unguentos vão aliviar / Nem todos os quebrantos, toda alquimia / Que nem todos
os santos, será que será / O que não tem descanso, nem nunca terá / O que não
tem cansaço, nem nunca terá / O que não tem limite.
O que
será que me dá / Que me queima por dentro, será que me dá / Que me perturba o
sono, será que me dá / Que todos os tremores me vêm agitar / Que todos os
ardores me vêm atiçar / Que todos os suores me vêm encharcar / Que todos os
meus nervos estão a rogar / Que todos os meus órgãos estão a clamar / E uma
aflição medonha me faz implorar / O que não tem vergonha, nem nunca terá / O
que não tem governo, nem nunca terá / O que não tem juízo.
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PESQUISA
Enciclopédia do cinema brasileiro (Senac, 2000), organizado
por Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda, trazendo verbetes sobre a produção
cinematográfica nacional. Veja mais aqui, aqui e aqui.
LEITURA
- Mas D. Nina,
aquilo que é o tal de cinema?
O homem saiu atrás da moça,
pega aqui, pega acolá,
pega aqui, pega acolá,
até que pegou-la.
Pegou-la e sustentou-la!
Danou-lhe beijo,
danou-lhe beijo!…
Depois entram pra dentro dum quarto!
Fêz-se aquela escuridão
e só se via o lençol bulindo…
…………………………………….
- Me diga uma coisa, D. Nina:
isso presta pra moça ver?
PENSAMENTO DO DIA:
[...] Para o homem
hodierno, a imagem do real fornecida pelo cinema é infinitamente mais
significativa, pois se ela atinge esse aspecto das coisas que escapa a qualquer
instrumento – o que se trata de exigência legítima de toda obra de arte – ela
só consegue exatemente porque utiliza instrumentos destinados a penetrar, do
modo mais insensivo, no coração da realidade. [...].
Trecho do livro A obra de arte na época de suas técnicas de
reprodução (Abril Cultural, 1980), o filósofo, sociólogo, ensaísta e crítico literário
alemão Walter Benjamim (1892-1940).
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Dia do Cinema Brasileiro.
Veja mais sobre Doro & o Big Shit Bôbras, Salman Rushdie, Ludwig Uhland, Paul
McCartney, Blaise Pascal, Andre Derain, Ridley Scott, Sean Young, Paulina Bonaparte & Venus
Victrix, Antonio Canova & Cesar
Obeid aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem: The erotic line, do
artista plástico Umberto Brunelleschi.
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá.