segunda-feira, julho 29, 2013

ASSIA DJEBAR, JARID ARRAES, BIERI, MENASSE & PADRE BIDIÃO. PADRE BIDIÃO


Não vi, não testemunhei. Só que dizem por força dos boatos que o Papa Francisco veio visitar o Padre Bidião. Um alvoroço. Cá comigo, será que procede? Sei não. Pra tirar as dúvidas, eis que ontem o Padre Bidião invadiu meu escritório pedindo para que eu não permitir a entrada da imprensa. Avexado, foi logo se escondendo no banheiro. É que ele estava sendo caçado pelos jornalistas para dar seu parecer a respeito do toque de arrodeio que o Papa Francisco deu em todos para, furtivamente, visitar o clérigo de nossa convivência. Atendi seu pedido e tranquei bem a porta para aproveitar o ensejo e indagar a respeito desse acontecido.

- A que devo a honra da visita do padre?

Ele estava diferente sem a calmaria e sobriedade que lhe são peculiares. Senti-lo afobado, impando e acossado, procurou se aboletar na poltrona sem me responder nadinha.

- Como foi a visita do Papa Francisco, padre?

- Borgoglio? -, indagou-me, enquanto reproduzia o vício feio do próprio pai: amolegando a peia e coçando o saco insistentemente.

- Quem?

Foi aí que ele desatou num blablablá infindo. Liguei o desconfiômetro e dediquei-lhe toda minha atenção.

Tudo começou com sua mãe marcando presença na missa dominical. Agarrado ao cós da saia dela, ele acompanhava tudo do ritual, dizendo para si: - Quando eu crescer, eu vou ser padre. E foi. Não fosse alguns desafetos atrapalhando sua vida, ele bem que poderia ser hoje o papa, segundo seu próprio parecer.

O primeiro dos chatos da sua vida foi o padre Quiba que, ao substituir o venerando e indefectível padre Abílio, manifestou-lhe antipatia ao apelidá-lo de marido das pinguins. Atribui-se a inimizade porque Bidião flagrou o padre louvando, lambendo e acarinhando as partes pudendas de Jesus na cruz. O menino contou pra madre superiora que logo foi ter com o vigário que passou a odiá-lo pela inconfidência. O pior foi quando passando da última infância para a adolescência, o sacerdote vingou-se negando a primeira comunhão pela razão de seus pais não serem casados. Ele então fugiu dali todo paramentado a recorrer do pai, quando ao se aproximar da porta, ouvia um papo dele com o casal de filhos mais velho.

- Pai, por que eu e ela somos morenos e o Bidião e os demais são brancos?

- Filhos, a morenice de vocês é de valia, a brancura deles é nojenta e bastarda, são filhos da babá.

Quando ouviu isso, disse para si: - Sou filho da puta! Tudo porque o seu pai Beliar era casado com uma granfina de nariz empinado que se cansou dele, zarpou pra Europa e deixou-lhe com um par de filhos na bagagem esquecida. A mãe de Bidião era a babá desses meninos e o Beliar aproveitou-se e crau na empregada. Sua revolta só aumentou a ponto dele juntar os mijados e todos os cacarecos, pé na bunda pro Vaticano. Chegando lá, foi barrado. Entretanto, surge um simpático, amável e sorridente senhor que ao perceber a desfaçatez, ameniza: - Uma criança não pode ser privada de ver o Santo Padre. E o levou até o Papa João XXIII, que na ocasião lhe revelou:

- Você é um menino-deus. Pra você, eu sou Angelo Roncali.

Ele exultou de alegria, abraçou o papa e ficou aos cuidados do seu padrinho, Albino Luciani, que ele não soube dizer se era bispo ou cardeal. A amizade cresceu e quando Bidião voltou para sua terra, falava freneticamente sobre a sua adoção ao Ecumenismo, alardeando o aggiornamento que serviu para o rompimento das tendências e políticas eclesiásticas da Igreja, só para matar o padre Quiba de raiva. Vivia recitando de cor as encíclicas Mater et magistra e a Pacem in terris, chamando a atenção para o concílio ecumênico Vaticano II, só para ingresiar com o da batina. Tudo isso desceu por água abaixo quando o Papa João XXIII faleceu e ele teve de botar o rabinho entre as pernas. Com a consagração de Gionanni Battista Montini ao papado, como Papa Paulo VI, o padre Quiba viu-se fortalecido pela forma como o Sumo Pontífice passou a adotar sem catingar, nem cheirar: ora progressista, ora conservador. Contudo, Bidião não se rendeu e combateu a encíclica Humane vitae e danou-se a fazer apologia ao concubinato e à pílula anticoncepcional. A briga estava comprada. Pra sua felicidade, anos mais tarde, Albino Luciani assume o Vaticano e manda um convite nominal e especial pra ele comparecer à posse. Arrumou as tranqueiras, vestiu-se da domingueira e lá estava ele testemunhando tudo: a recusa da coroação formal e de ser carregado numa liteira. O Papa João Paulo I foi até a sacada íntimo e abraçado com Padre Bidião, ocasião em que teve a oportunidade de conhecer e conviver com Jorge Mario Borgoglio.

Pouco mais de um mês depois, voltou pra estaca zero. Seu amigo faleceu e uma penca de rumores dava conta de uma conspiração, ao que ele fez coro ao David Yallop. Pra seu desprazer, Karol Jozef Wojtyla, o poeta, fabricante de santo e cardeal polonês assumia a chefia católica no Vaticano. Foram longos anos amargando a discriminação, mesmo com a menção pública do Papa João Paulo II em seu favor. Para ele, a Igreja não era a mesma. E piorou mais quando Joseph Ratzinger assumiu o governo da Barca de Pedro. Aí o padre Bidião engrossou o caldo da campanha Papa Papa Papa do Papa Berto I da ICAS, armou suas baterias para protestar contra as maracutaias da Crimen sollicitationis acobertando a pedofilia dos padres – um tiro certeiro no que ele chama de viadagem do padre Quiba com os garotos. Não satisfeito, foi a público manifestar seu irrestrito apoio aos homossexuais, às mulheres, às pesquisas com células estaminais embrionárias, ao aborto e ao uso de preservativos, aos gritos de: - Abaixo o panzerkardinal! Foi aí que ele me contou que uma sua ex-namorada, a Suzana Maiolo, se propôs a vingá-lo com papa Bento XVI. E foi. Maior corre-corre. Felizmente, disse-me ele, o cabra de peia repetiu o gesto de Ponciano em 235, do Celestino V em 1294 e do Gregório XII em 1415, abdicando e se escafedendo enclausurado num mosteiro dentro dos muros do Vaticano. – Já foi tarde! -, desabafou com ar de vitória.

- Agora é o Papa Chico! -, disse-me não muito satisfeito. Falava agitado enquanto a sua perereca se precipitava na minha direção. Aí, me livrei da assassina que foi se infincar destruindo um livro na estante. Eita!



- E aí?

- Apenas disse-lhe, por ser o meu amigo Borgoglio, não por ser papa que pra mim não é nada, asseverei mesmo assim: Papa Chico, meu fio, vamos aprumar a conversa: você é o maior marketeiro de todos. Mas olhe bem, faça o certo!

E mais disse que ele deveria não ser o conservador que foi como no bispado da sua terra, que não fosse contrário ao aborto, nem à eutanásia nem ao casamento gay; que deixasse clara a acusação do Horacio Verbtisky de uma vez por todas, esclarecendo seu envolvimento com a ditadura argentina e com o sumiço dos padres jesuítas Orlando Virgilio Yorio e Francisco Jalics; e que, enfim, fosse simpático à evolução do planeta e do ser humano, afora uns pequeninos conselhos para conduzir o pontificado e tataritaritatá.

É mole? Ou quer mais? Nada mais disse nem lhe foi perguntado, escafedeu-se do mesmo jeito que chegou: sem dizer nadica de nada. Esse o padre Bidião.

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DITOS & DESDITOS - Após a expulsão do paraíso, pelo menos a entrada dos fundos não foi encontrada em nenhum lugar do mundo. Tudo, portanto, vale a pena criticar. Mas enquanto for esse o caso, deve-se reconhecer que a União Europeia  é o mais legal de todos os infernos do mundo. Quando Bruxelas era um livro aberto, então era um livro de histórias em quadrinhos. Pensamento do escritor austríaco Robert Menasse. Veja mais aqui.

 

ALGUEM FALOU - A cultura que eu desejo seria uma cultura menos barulhenta, uma cultura do silêncio, onde as coisas seriam arranjadas para ajudar cada um a encontrar o caminho para sua própria voz. Pensamento do escritor e filósofo suiço Peter Bieri, que também é conhecido pelo seu pseudónimo Pascal Mercier.

 

CAVALGADA ARGELINA - [...] Como encontrarei forças para arrancar meu véu, a menos que tenha que usá-lo para enfaixar a ferida que corre perto de onde exalam palavras? [...] O amor, se eu conseguisse escrevê-lo, chegaria a um ponto crítico: aí está o risco de exumar os gritos enterrados, tanto os de ontem como os de cem anos atrás. Mas minha única ambição na escrita é constantemente viajar para pastagens frescas e reabastecer meus odres de água com um silêncio inesgotável. [...] Minha tradição oral foi gradualmente se sobrepondo e está em perigo de desaparecer: aos onze ou doze anos fui abruptamente expulsa desse teatro de confidências femininas - fui assim poupada de ter que silenciar meu orgulho humilhado? Ao escrever sobre minhas memórias de infância, sou levado de volta a esses corpos desprovidos de vozes. Tentar uma autobiografia usando apenas palavras francesas é emprestar-se ao bisturi do vivissector, revelando o que está por baixo da pele. A carne se desprende e com ela, aparentemente, os últimos fragmentos da linguagem não escrita da minha infância. As feridas reabrem-se, as veias choram, corre o próprio sangue e o dos outros, que nunca secou. À medida que as palavras se derramam, inesgotáveis, talvez distorcidas, nossa noite ancestral se alonga. Esconda o corpo e sua graça efêmera. Proibir gestos - eles são muito específicos. Apenas deixe os sons permanecerem. Falar de si numa língua que não a dos mais velhos é, de fato, desvendar-se, não só sair da infância, mas deixá-la, para nunca mais voltar. Tal revelação acidental equivale a despir-se, como enfatiza o dialeto demótico árabe. Mas esse despojamento, quando expresso na linguagem do antigo conquistador (que por mais de um século pôde pôr as mãos em tudo, menos nos corpos das mulheres), esse desnudamento nos remete estranhamente à pilhagem do século anterior. Quando o corpo não é embalsamado por lamentações rituais, é como um espantalho enfeitado com trapos e farrapos. Os gritos de guerra de nossos ancestrais, desmontados em combates há muito esquecidos, ressoam ao longo dos anos; acompanhado pelos lamentos das mulheres enlutadas que os assistiram morrer. [...]. Trechos extraídos da obra Fantasia: An Algerian Cavalcade (Heinemann, 1993), da escritora argelina Assia Djebar (Fatema Zohra Imalayen – 1936-2015), autora de frases como: Coisas pequenas vêm em pacotes grandes... Você tem que ouvir os outros em suas línguas e na forma espontânea de sua fúria... Veja mais aqui e aqui.

 

O CORDEL DA AMIZADE - Como duas mãos se tocam \ No encaixe do momento\ Chega a parecer destino\ Um tamanho sentimento\ De uma pessoa aqui \ Que encontra outra ali\ Sentindo pertencimento.\ Os olhos da amizade\ Descortinam muito além\ Que só na sinceridade\ Sabe lhe enxergar também\ O amigo que te ama\ Nunca que ele te engana\ Nem te entrega pra ninguém.\ Não se faz de esquecida\ A memória da amizade\ Sobre as linhas tracejadas\ Que separam as cidades\ Seja numa tela escrita\ Ou na lágrima escorrida\ Inda vive uma saudade.\ Se o céu cair inteiro\ Tudo sendo escuridão\ E o joelho fraquejar\ Temeroso do trovão\ Eu te digo o que persiste\ E em encorajar insiste:\ O amigo em prontidão.\ Amizade é coisa linda\ Pode vir de toda forma\ Não conhece preconceito\ Ao chamado não demora\ Não se cala na defesa\ Mesmo que não saia ilesa\ Regenera, se transforma.\ É feroz, é bem mansinha\Maternal e protetora\ Chama pra beber cerveja\ Colorida e instrutora\ A beleza da amizade\ Está na diversidade\ Disso é uma escritora\ No entanto, escute bem\ O que mais é relevante\ Que você jamais esqueça\ De quem é mais importante\ O maior, melhor amigo\ É o que já está contigo:\ Do teu peito é habitante. Poema da escritora e cordelista Jarid Arraes. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 


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