A arte de do pintor, desenhista, gravador e escultor austríaco Rudolf Hausner
(1914-1995)
LITERÓTICA: DE TODO JEITO É BOM - Art by Samarel
- É nela que tudo é bom e se o verso não me intriga, o
poema faz bem. E bem demais porque dela vem rastejando a língua marruá lambendo
meus versos, sexo e alma e tudo se sobrevém comigo e se conjuga verbos e versos
com Eros na baia e várias luas no seu corpo nu que ensaia a vida e me completa
e me acende vários sóis nos seus seios trêmulos. É nela que nada é demais,
oferta e procura, sanidade e loucura, no vão do meio, no veio de seu amanhã que
é meu amanhecer de todo peso e medida do trapézio que o cotidiano de nossa
intimidade faz nervura no desejo com desassossego porque sou passageiro, sou
biguzeiro e andarilho na vigília da sua vagina onde reinam todas as suas
inquietações e se faz alçapão que habito e se faz guia que me desorienta serena
de gozo nos confetes de nosso carnaval. É nela que todo jeito é bom no que
cheiro, no que toco, agarro, entorto e apalpo todas as ladeiras e precipícios
de seus recantos, mantos e travessuras no meio do pendulo de sua usura sem
agenda pro futuro na fronha dos sonhos de todos os pecados que suturo e afloram
e se incineram erodidos por novas fugas no viveiro dos gritos que formam os
andaimes de nossa ruidosa entrega sem freio e meio a meio eu recolho e sou
alpinista que freqüenta seu corpo de artista, suas manhas, marés, sanhas,
cafunés, espantos, ventres, cantos, vertentes, toda exatidão de seus aromas e
perfumes me inebriando pro amor. É nela que tudo é melhor porque todas as suas
imagens, limites, encantamentos, meandros e malabares me envolvem e me encantam
no meio dos seus ventos atlânticos mornos insulares de novembro com todas as
lufadas basilares que me varrem o senso e incendeiam meu sexo por seus
descampados, vales, ventanias e maleitas, pelo remanso de sua concha difusa que
eita presenteia flores para minha fome impetuosa inheta tomada por entre seus
braços, entre suas pernas esguias, me apertando contra o peito até me reduzir
ao penhor da euforia do seu guardado para sempre no sutiã, na calcinha e na
mania arredia de me fazer servo e senhor. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS – O que é fantástico? O
não-natural, o onírico, o visionário? O absurdo, o irracional, o tabu? Talvez
possamos dizer: qualquer coisa que saia daquilo que uma época específica toma
como certo. Pensamento do historiador, escritor e crítico literário
austríaco Wieland Schmied.
A CIDADE – [...] A cidade é feita de
sonhos e de desejos. Sonhos e desejos que, um dia, se tornarão recordações, se
incorporarão aos inúmeros labirintos da memória, revelarão as faces escuras do
passado ou deixarão que elas permaneçam desconhecidas para sempre. Mas sonhos e
desejos que se reinventam e se transformam. [...] Trecho extraído da obra (Des)encantos modernos: histórias da cidade
do Recife na década de vinte (Fundarpe, 1997), de Antonio Paulo Rezende.
ARTE CONTEMPORÂNEA - [...] não tem ambição e não é
importante. E sem importância porque não tem ambição artística. Sua ambição é
política, psicológica, pornográfica ou qualquer outra coisa [...]. Trecho extraído
da obra Cultura ou lixo: uma visão
provocativa da arte contemporânea (Civilização Brasileira, 1996), de James
Gardner.
JUVENTUDE & LINGUAGEM - [...] Meu pai lia diariamente o Neue Freie Presse, e era um grande momento
quando ele desdobrava lentamente seu jornal. Depois que começava a ler, não
tinha mais olhos para mim, eu sabia que ele não me responderia de modo algum,
minha própria mãe não lhe perguntava nada nesse momento, nem mesmo em alemão.
Eu procurava saber o que esse jornal podia ter de tão atraente; no início,
pensava que era seu odor; quando estava sozinho e ninguém me via, eu subia na
cadeira e cheirava avidamente o jornal. Apenas mais tarde, percebi que a cabeça
de meu pai não parava de se mexer ao longo de todo o jornal; fiz o mesmo, nas
suas costas, enquanto brincava no chão, sem nem mesmo ter sob os olhos,
portanto, o jornal que ele segurava com as duas mãos sobre a mesa. Um visitante
entrou uma vez de imprevisto e falou então comigo, antes mesmo de atender o
visitante, explicando-me que se tratava das letras, todas as letrinhas ali, e
bateu em cima delas com o indicador. Vou ensiná-las eu mesmo para você, logo,
acrescentou, despertando em mim uma curiosidade insaciável pelas letras. [...].
Trecho da obra História de um jovem, a
linguagem salva (Albin Michel, 1980), do escritor e ensaísta búlgaro e Prêmio Nobel
de Literatura de 1981, Elias Canetti (1905-1994). Veja mais aqui.
POEMA – Ó noite,
negro piano, / — os sonhos soam longe, / num teclado caído / pelo fundo
horizonte. / À música se inclina / o pensamento insone: / em que clave se
escreve / o itinerário do homem? Poema da
escritora, pintora, professora e jornalista Cecília Meireles (1901-1964).
Veja mais aqui.
A arte de do pintor, desenhista, gravador e escultor austríaco Rudolf Hausner
(1914-1995)
CIDADANIA
& DIGNIDADE HUMANA - A experiência democrática adquirida a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988, remete ao contexto da cidadania e
da dignidade da pessoa humana, traçando os rumos para o alcance de uma
sociedade mais justa no território brasileiro. A percepção dessa ótica
democrática está assentada na busca pela igualdade social, pela paridade plena,
permeada por princípios formais e informais de educação capaz de estabelecer um
aprendizado sistemático que vise a capacitação de todos para sua participação
na vida e na sociedade, e nela podendo interferir constantemente pelo debate
que busque o equilíbrio funcional entre a liberdade e a igualdade na dignidade
pessoal e respeito ao próximo, reduzindo e, quiçá, erradicando toda
discriminação. Quer dizer, estando, portanto, compatível ao que Bobbio (1990:7)
admite: "(...) entende-se por
democracia quando o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de
todos, ou melhor, da maior parte". Às questões de liberdade e
igualdade, Jorgensen (1951:112) assevera que "(...) é o processo geral do desenvolvimento tendendo sempre ao maior
igualamento das liberdades para sempre mais dilatadas esferas da população.
(...) a democracia pode ser conceituada como processo no sentido de igualamento
e da libertação" . E encontra o eco na afirmação de Benevides
(1991:193), em que: "A democracia
republicana, entendida como o regime da soberania popular, funda-se no
exercício da liberdade, no respeito à res pública - isto é, ao que é comum a
todos e insuscetível de apropriação provada - e na afirmação da igualdade".
A cidadania consagrada na Constituição brasileira de 1988, iniciada com o
processo de internacionalização dos direitos humanos ocorrida no pós-Segunda
Guerra, que culminou na Declaração Universal de 1948, revigorada pela segunda Conferência
Mundial sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena, no ano de 1993, rompe com a
ordem jurídica anterior, marcada pelo autoritarismo advindo do regime militar,
que perdurou no Brasil de 1964 a 1985. Nascida como resposta às atrocidades
cometidas durante a II Guerra Mundial, a Declaração Universal traduz um
referencial ético a orientar a comunidade internacional. Este documento está
pautado no ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria, aspirando
à reconstrução dos direitos humanos, sob a perspectiva de sua universalidade e
indivisibilidade. Universalidade porque clama pela extensão universal da
cidadania, tendo na condição. Indivisibilidade porque os direitos civis e
políticos hão de ser conjugados aos direitos sociais, econômicos e culturais,
já que não existe verdadeira liberdade sem igualdade tampouco há verdadeira
igualdade sem liberdade. Com isso, a Carta Magna brasileira de 1988 surgiu com
o propósito de instaurar a democracia no país e de institucionalizar os
direitos humanos, fazendo como que uma revolução na ordem jurídica nacional, se
tornando o marco fundamental da abertura do Estado brasileiro ao regime
democrático e à normatividade internacional de proteção dos direitos humanos.
Como esse marco fundamental do processo de institucionalização dos direitos
humanos no Brasil, a Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a
cidadania (art. 1.º, II) e a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental
(art. 1.º, III), instituindo, com estes princípios, um novo valor que confere
suporte axiológico a todo o sistema jurídico e que deve ser sempre levado em
conta quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do
ordenamento nacional. Além disso, seguindo a tendência do constitucionalismo
contemporâneo, deu um grande passo rumo a abertura do sistema jurídico
brasileiro ao sistema internacional de proteção de direitos, quando, no
parágrafo 2.º do seu art. 5.º, deixou estatuído que: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Assim, ao incorporar em seu texto esses direitos internacionais, está a
Constituição atribuindo-lhes uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a
natureza de "norma constitucional",
os quais passam a integrar, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente
protegidos. Foi nesse sentido que, pioneiramente, estatuiu a Carta de 1988, em
seu art. 1.º, que a República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, dentre outros, a
cidadania (inc. II) e a dignidade humana (inc. III). Na mesma esteira, o
disposto no art. 5.º, incisos LXXI, que prescreve "(...) conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania" e LXXVII "(...)
são gratuitas as ações de habeas-corpus e habeas-data, e, na forma da lei, os
atos necessários ao exercício da cidadania". Ao relacionar a concepção
contemporânea de cidadania com a Constituição Brasileira de 1988, constata-se
que a Carta constitucional está em absoluta consonância com o ideário da
universidade e indivisibilidade dos direitos humanos. E, na qualidade de marco
jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos
no país, a Carta de 1988 empresta aos direitos e garantias ênfase
extraordinária, situando-se como o documento mais avançado, abrangente e
pormenorizado sobre a matéria na história constitucional do país. No campo da
cidadania, esses princípios objetivaram complementar os comandos
constitucionais, seja mediante normas de alcance geral, isto é voltadas para
toda e qualquer pessoa, seja mediante normas de alcance especial, voltadas para
a proteção de grupos socialmente vulneráveis, como as mulheres, a população
negra, as crianças e os adolescentes, os idosos, as pessoas portadoras de
deficiência, entre outros. Observa-se que a ampla maioria das leis voltadas
para a proteção da cidadania – concebida com o exercício de direitos civis,
políticos, sociais, econômicos e culturais – foi elaborada após a Constituição
de 1988, em sua decorrência e sob sua inspiração. É o caso da Lei 7.716, de 5
de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça e
cor, prevendo o racismo como crime inafiançável e imprescritível. No ano
seguinte, a Lei 8.069/90 dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente,
considerada uma das legislações mais avançadas a respeito da matéria. O
estatuto estabelece a proteção integrada à criança e o adolescente, destacando
seus direitos fundamentais, bem como a política de atendimento desses direitos.
Ainda em 1990, a Lei 8.078/90, diz respeito à proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo. Mais recentemente, o Decreto 1904, de 13 de
maio de 1996, institui o Programa Nacional de Direitos Humanos, atribuindo aos
direitos humanos o status de política
pública governamental, contendo proposta de ações governamentais para a
proteção e a promoção dos direitos civis e políticos no Brasil. A partir disso,
observa-se que a cidadania não é dada, é construída, uma invenção humana em
constante dinâmica de construção e reconstrução. Tais considerações articuladas
com os princípios fundamentais elencados na cidadania e na dignidade da pessoa
humana, possibilita a necessidade de se voltar as atenções para o cidadão
frente a era de competitividade contemporânea que provoca um confronto entre os
indivíduos, via aprimoramento, competência e qualificação, e trazendo à lume
uma série de questionamentos necessários ao resgate do cidadão mediante as
mudanças implementadas pela política da nova ordem expressas através da
globalização econômica. Face a tais mudanças sistêmicas produzindo novos
paradigmas, faz-se necessário um reposicionamento mediante as novidades
implantadas na contemporaneidade para que possa a população ativa acompanhar o
desenrolar da metamorfose, e dela
participar de forma efetiva com a qualificação e competências requeridas.
Considerando, assim, que o mercado precisa de indivíduos preparados que sejam
capazes de desempenhar todo o tipo de atividades e tarefas que definam as novas
formas de trabalho, querendo, entretanto, dizer que indivíduos com um nível
mais alto de formação, são os que melhores se adaptam às exigências de um
mercado de trabalho mutante. A partir daí convém estabelecer uma discussão
sobre a cidadania e no que o seu exercício poderá realizar na aquisição da
consciência dos direitos e deveres constitucionalmente professados,
encontrando-se ela, ainda, diretamente relacionada à realização democrática nas
perspectivas e possibilidades de uma sociedade justa e igualitária. A concepção
de cidadania com relação aos princípios democráticos que a norteiam, centra-se
na condição de uma efetiva participação do cidadão na sociedade, cônscio de
seus direitos e deveres. Entendendo que
cidadania e democracia estão intrinsecamente ligadas aos pressupostos básicos
advindos dos direitos civis, políticos e sociais do cidadão. Evidentemente que,
com isso, se leva a crer que sem democracia não há cidadania, e sem o exercício
desta não se pode falar daquela. Marshal (1967:197), em sua linha de tradição
liberal, exprime a idéia de que "a
cidadania é o conteúdo da pertença igualitária a uma dada comunidade política e
afere-se pelos direitos e deveres que o constituem e pelas instituições que dá
azo para ser social e politicamente eficaz". Para ele, então, a
cidadania é um "status"
concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade, a todos que
possuem "status" e que são
iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao "status": "a cidadania é a ordem da igualdade na sociedade de
desiguais". (Marshal,1967:86). E mais adiante: "A
cidadania se apoia na igualdade fundamental das pessoas, decorrente da
integração, da participação plena do indivíduo em todas as instâncias da
sociedade; desenvolvendo-se como instituição, a cidadania coloca em xeque as
desigualdades do sistema de classes" (Marshal, 1967:112). Isso quer
dizer os elementos que constituem a cidadania são os direitos civis surgidos no
século XVIII, os políticos surgidos no século XIX e os sociais, no século XX,
demonstrando como a cidadania e outras forças externas a ela têm alterado o
padrão de desigualdade social. Por outro lado, a admissão da consciência cidadã
dentro de um espaço democrático, em nosso tempo, qualifica o indivíduo à sua
efetiva participação social e política sobre o seu meio. Tese esta que
reforçada pelo fato de que o indivíduo só é considerado como sujeito histórico
quando capaz de modificar a realidade e que essa capacidade de agir sobre o
curso dos processos sociais só é possível se o indivíduo for consciente, livre
e responsável (Arroyo 1999). Consequentemente o restabelecimento da consciência
cidadã e o exercício democrático agirá sobre uma outra necessidade: a de
interagir com a sociedade contra a exclusão social. Esta além de ser
deprimente, carece de um processo educativo capaz de fornecer a todos a
consciência de direitos e deveres intervindo sobre a realidade com poderes
críticos para modificá-la e torná-la includente. Disso, pode-se apreender que a
construção da cidadania caracteriza-se como uma série de lutas em prol da
afirmação dos direitos imanentes à liberdade, à participação das decisões
públicas e à igualdade em termos de condições dignas de vida, movimentando-se
progressivamente na incorporação de indivíduos e grupos a novos padrões de vida
em comunidade. Essa incorporação aparece concretizada sob a forma de direitos e
garantias. Os princípios de igualdade e liberdade, apesar das controvertidas
opiniões a respeito, devem ser enlarguecidos ao máximo para que contemplem a
população em todos os níveis. O posicionamento de Gadotti (2000:20) define que
a "(...) Cidadania é essencialmente
consciência de direitos e deveres no exercício da democracia (...) Cidadania é,
essencialmente, consciência/vivência de direitos e deveres". O que, em
suma, o cidadão, torna-se, então, aquele indivíduo a quem a Constituição
confere direitos e garantias – individuais, políticos, sociais, econômicos e
culturais –, e lhe dá o poder de seu efetivo exercício, além de meios
processuais eficientes contra a violação de seu gozo ou fruição por parte do
Poder Público. Ser cidadão, então, é ter consciência dos direitos e deveres
constitucionalmente estabelecidos e participar ativamente de todas as questões
que envolvem o âmbito de sua comunidade, de seu bairro, de sua cidade, de seu
Estado e de seu país, não deixando passar nada, não se calando diante do mais
forte nem subjugando o mais fraco. Assim, a cidadania é uma qualidade conferida
aos cidadãos, que consiste no respeito aos Direitos da Pessoa Humana e na
participação social e popular, seja através de instrumentos (voto, pagamento de
impostos), seja através de meios espontâneos em projetos de desenvolvimento
social e nas decisões que interessem a coletividade. Com a cidadania
pressupõe-se o valor da dignidade humana que se impõe como princípio
fundamental da Carta de 1988, fundamento do Estado Democrático de Direito,
sendo núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro.
Consolida-se, assim, a universalidade dos direitos humanos, na medida em que a
dignidade é inerente a toda e qualquer pessoa, proibida qualquer discriminação.
O postulado e a consagração da dignidade humana, implica em considerar-se o
homem, com exclusão dos demais seres, como o centro do universo jurídico. Esse
reconhecimento, que não se dirige a determinados indivíduos, abrange todos os
seres humanos e cada um destes individualmente considerados, de sorte que a
projeção dos efeitos irradiados pela ordem jurídica não há de se manifestar, a
princípio, de modo diverso ante a duas pessoas.
Resulta, assim, na obrigação do
Estado em garantir à pessoa humana um patamar mínimo de recursos, capaz de
prover-lhe a subsistência. O direito à existência digna não é assegurado apenas
pela não abstenção do Estado em afetar a esfera patrimonial das pessoas sob a
sua autoridade, passando, também, pelo cumprimento de prestações positivas. Não
foi à toa que a Lei Fundamental impôs, ao Estado e à sociedade, a realização de
ações integradas para a implementação da seguridade social (art. 194),
destinada a assegurar a prestação dos direitos inerentes à saúde, à previdência
e à assistência social. Disso decorre que ao Estado cabe organizar e manter
sistema previdenciário, com vistas a suprir os rendimentos do trabalhador por
ocasião das contingências da vida gregária (art. 201), englobando a cobertura
dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; a proteção à
maternidade, especialmente à gestante; a proteção ao trabalhador em situação de
desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes
do trabalhador de baixa renda; e pensão por morte. Da mesma forma, àqueles não
filiados à previdência social, incumbe-se ao aparato estatal a prestação de
assistência social quando necessitarem (art. 203), consistindo nas prestações
de proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
no amparo às crianças e adolescentes carentes; na promoção da integração ao
mercado de trabalho; na habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de
deficiências, com a sua integração à vida em comunidade; e na garantia de um
salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, tendo sua regulamentação advindo com a Lei 8.742/93. no
campo da saúde, realizadas mediante políticas sociais e econômicas que colimem
a redução dos riscos de doença e de outros agravos, garantindo-se o acesso
universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação (art. 196). Tais fatos endossam que a dignidade da pessoa humana,
retratando o reconhecimento de que o indivíduo há de constituir o objetivo
primacial da ordem jurídica, dito fundamental, traduz a repulsa constitucional
às práticas, imputáveis aos poderes públicos ou aos particulares, que visem a
expor o ser humano, enquanto tal, em posição de desigualdade perante os demais,
a desconsiderá-lo como pessoa, reduzindo-o à condição de coisa, ou ainda a
privá-lo dos meios necessários à sua manutenção. O princípio da dignidade da
pessoa humana está insculpido na mais emblemática norma da Constituição, o
artigo 1°, norma que traz em si toda a carga de esperança devendo servir de
fonte primária para qualquer interpretação constitucionalmente adequada, já que
veicula princípios indeclináveis como o princípio republicano, o princípio
federativo, o princípio do estado constitucional, princípio da liberdade,
princípio da soberania popular, dentre outros, o que politicamente significa a
vitória da liberdade contra a opressão, da paz contra a belicosidade, do
humanismo contra o tecnicismo desumanizante.
Isto quer dizer, portanto, que é o homem quem deve ser fortalecido e que
os direitos e garantias fundamentais são meros instrumentos de realização da
pessoa humana. Os programas criados pela Constituição, em decorrência dos
direitos sociais (artigo 6º), como educação (artigos 205 e 206), saúde (artigos
196 e 198), desporto (artigo 217, caput e §3°), assistência social (artigos 203
e 204), proteção à criança e ao adolescente (artigo 227), ao idoso (artigo
230), aos silvícolas (artigos 231 e 232), objetivando criar políticas públicas
através das quais a plena realização do homem é o fim a ser atingido, mediante
a observância do princípio do pluralismo político (artigo 1º, inciso V).
Entende-se que a dignidade humana é a base fundamental, conversível em norma de
ética em termos de conteúdo, o que significa dizer que, neste sentido, os
direitos humanos, entendidos, eticamente, como a garantia da dignidade humana,
se configuram em conteúdo fundamental de uma ética universalmente válida.
Sustenta-se esta compreensão no entendimento de que a noção de direitos humanos
possui uma unidade normativa interna que se funda na dignidade igual de cada
ser humano como sujeito moral, como sujeito jurídico, como sujeito político e
como sujeito social, na garantia de satisfação dos direitos humanos implica seu
tratamento integral, o que também está em jogo quando se fala de seu
reconhecimento como universais. Ou seja, todos os direitos humanos tem a
pretensão de ser universais. Evidentemente que o modo de realização histórica
de uns e outros direitos ganha contornos diversos. No entanto, privilegiar uns
ou outros significaria abrir mão do princípio básico da dignidade humana. Os
direitos humanos exigem, além da base fundacional centrada na dignidade humana,
uma base histórica para sua realização, em processo, em espaços sociais e
políticos. Isto quer dizer que os direitos humanos e a democracia alcançam
fundamento ético na dignidade humana, como construção histórica das condições
de sua efetivação no seio de uma comunidade real, condicionada. Isto significa
que o próprio conteúdo específico dos direitos humanos é construção histórica,
fundada na dignidade humana, que também tem uma dimensão histórica, o
intransponível de qualquer conteúdo possível que se possa agregar ao que se
quer entender como direitos humanos, e que o seio histórico no qual estão as
condições para sua construção é o de sociedades democráticas em sentido pleno,
muito além, portanto, da mera formalidade da escolha de representações para os
postos de poder. A atual Constituição brasileira em seu artigo 2º consagrou os
ideais do Estado Democrático de Direito, quando em seus Princípios e Direitos
Fundamentais preceituou valores como o direito a vida, a liberdade, a igualdade
e a segurança que são direitos indispensáveis a qualquer sociedade democrática.
Todos os valores constantes desses Princípios e Direitos Fundamentais, em
última análise representam uma só coisa que é a dignidade da pessoa humana, que
engloba tudo quanto disposto na Constituição, quer sejam direitos individuais,
quer sejam os de fundo econômico e social, cultural e político. Por conclusão,
passa-se a entender que quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, a Carta
de 1988 é a primeira Constituição que integra, ao elenco dos direitos
fundamentais, os direitos sociais, que nas Cartas anteriores restavam
pulverizados no capítulo pertinente à ordem econômica e social. Observando-se
que, no direito brasileiro, desde 1934, as Constituições passaram a incorporar
os direitos econômicos, sociais e culturais. Contudo, a Constituição de 1988 é
a primeira a consagrar que os direitos sociais são direitos fundamentais, sendo
pois inconcebível separar os valores liberdade (direitos civis e políticos) e
igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais). Assim, ocupar-se da
promoção e da proteção dos direitos humanos é trabalhar em vista de traduzir
para o cotidiano da humanidade, em sua pluralidade e diversidade históricas, as
condições para fazer com que a cidadania e a dignidade humana sejam entendidas
como ponto de partida inarredável e princípio orientador das ações. Realizar
progressivamente, sem admitir retrocessos, a partir desta base, as conformações
e os arranjos sociais e políticos que oportunizem a realização e implementação
efetiva dos direitos humanos é o desafio básico daqueles que efetivamente
querem um mundo onde haja espaço e tempo oportunos para a afirmação da
humanidade. O estabelecimento de uma norma universalmente válida, tentativa
empreendida pela ética, não sem grandes problemas, é também, de alguma forma, a
tentativa que se configura como necessária para o estabelecimento dos direitos
humanos como universais. Neste sentido, direitos humanos se configuram como
conteúdo normativo de uma ética universalmente válida. O Estado brasileiro se
erige sob o Direito da cidadania e da dignidade humana, isto valendo dizer que,
é um dos fins do Estado propiciar as condições para que as pessoas se tornem
conscientes para exigir os seus Direitos. E esta é uma tarefa não só pessoal,
como coletiva. O sentido da vida humana é algo forjado pela sociedade e cabe ao
Estado facilitar esta tarefa na medida em que amplie as possibilidades
existenciais do exercício da liberdade.
REFERÊNCIAS
ARROYO,
Miguel et alli. Educação e cidadania: quem educa o cidadão? São Paulo: Cortez,
1999.
BASTOS,
Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil.
São Paulo: Saraiva, 1988.
BENEVIDES,
Maria Victoria de M. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa
Popular. São Paulo: Ática, 1991.
BIELEFELDT,
Heiner. Filosofia dos Direitos Humanos. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2000.
BOBBIO,
Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1990.
_____.
O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1989.
BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2002
CANOTILHO,
J.J Gomes, Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.
CARBONARI,
Paulo César. Dignidade humana: conceito base da ética. Jus Navigandi, 2002.
DALLARI,
Dalmo. Ser cidadão. Lua Nova, São Paulo, 1(2):61-64, jul/set, 1984,p.61.
DEMO,
Pedro. Cidadania popular. São Paulo: Papirus, 1993.
FERREIRA,
Nilda T. Cidadania. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
GADOTTI,
Moacir et alli. Perspectivas atuais da educação. São Paulo: Artmed, 2000
______.
Construindo a escola cidadã. Brasília: MEC, 1998
JORGENSEN,
G. Democracia no mundo das tensões. Brasília: Unesco, 1951
LAMOUNIER,
Bolívar. Direito, cidadania e participação. São Paulo: TAQ, 1981
MARSHAL,
T.H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MAZZUOLI,
Valerio de Oliveira. Direitos humanos & relações internacionais. Campinas:
Agá Juris, 2000.
MELLO,
G. N. Cidadania e competitividade. São Paulo: Cortez, 1998
MORAES,
Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997.
OLIVEIRA,
Marcus Vinicius. Considerações em torno do princípio da dignidade da pessoa
humana Porto Velho: FUFR, 2001
PIOVESAN,
Flávia. Cidadania no Brasil: o que diz a lei. São Paulo: Abril, 2001
_____.
Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 3.ª ed. São Paulo:
Max Limonad, 1997
SANTOS,
Fernando Ferreira. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Fortaleza: UFC, 2001
SILVA,
José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros
Editores, 1997.
TRINDADE,
Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos
jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. Veja mais aqui e aqui.
Veja mais
sobre:
A vida,
um sorriso, Fernando
Pessoa, Charles Chaplin, João Ubaldo Ribeiro, William Shakespeare, Connie Chadwell, Marilyn
Monroe, Michael Ritchie, Barbara Feldon, Jeremy Holton & Visão
holística da educação aqui.
E mais:
E se
nada acontecesse, nada valeria, Cecília Meireles, Albert Camus, Pierre-Auguste Renoir, Richard Wagner,
Sophia de Mello
Breyner, Gwyneth Jones, Hal Hartley, Aubrey Christina Plaza, Paul Laurenzi
& Princípios de Neurociências
de Kandel aqui.
Cordel A
chegada de Getulio Vargas no céu e o seu julgamento, de Rodolfo Coelho Cavalcante aqui.
Horário
Eleitoral do Big Shit Bôbras, Zé Bilola, Enzonzoamento de Mamão, Ocride,
Classificados de Mandús e Cabaços & Previsão meteorológica aqui.
A arte
de Karyme Hass aqui.
Dicionário
Tataritaritatá – Big Shit Bôbras & Fecamepa aqui.
Richard
Bach, Velho Chico, Ísis Nefelibata & Chamando na grande aqui.
Cordel A
história de Jesus e o mestre dos mestres, de Manoel D´Almeida Filho aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.