TRIPTICO DQP – Um ladrão no espelho... - Ao som performático da violista e professora
estadunidense Kim Kashkashian. - De novo, nada refletido. Acho mesmo que não mais existo,
falta alguém me avisar, parece. Já saindo: Ei! Quem é você? Sou um ladrão.
Pronto, essa é boa! Aí encarei: Por acaso você é Ahmed da Corporação dos
Ladrões de Marrakesh saído dos insólitos de Raymond Bernard ou do racxasa
do Panchatantra? Não. Então o que
está fazendo no meu espelho, hem? E começou uma história bonita, cheia de
subterfúgios contando a respeito dum caso lá d’O cocheiro, a mulher e o amante. Muita conversa para
boi dormir, imagine. Fiz de ouvinte e lembro haver mencionado que vivia numa
região de Klondike, perto do Estreito de Bering, era muito rico, possuía de
tudo e que, se eu quisesse ir para lá, era só afanar, requestar, trapacear ou
coisa que valha, submeter-se ao monsenhor Dassy de Tharn, e poderia desfrutar
do que é controle total e o melhor da vida. Ora, ora. Conheço essa história,
mas logo pra cima de mim? Sempre tive naquela do velho Machado de Assis: A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito; e ouvia no pé do ouvido desde menino, meu pai citar Catão: Os ladrões de bens particulares passam a vida na prisão e acorrentados;
aqueles de bens públicos, nas riquezas e nas honrarias. E, vigente até hoje
principalmente no Brasil, o que dizia Lao-Tsé:
Quanto maior o número de leis, tanto
maior o número de ladrões; e o impagável Marquês de Maricá sacramentando na boa: O roubo de milhões enobrece os ladrões. Afora a experiência de
adolescente presenciar a prisão de um amigo de infância, Roberto Ladrão, hoje
trabalhador numa casa lotérica e, ao que dizem, completamente regenerado,
queria mais o quê? Pelo visto, nenhuma chance. Calma lá! Nenhum diálogo, pode
cair fora do meu espelho. Eu vou roubar sua alma! Vôte! Tenho tudo, mas não
tenho vida, preciso da sua alma para poder desfrutar de tudo que acumulei!
Agora, deu! E veio pra cima de mim com o papo d’A arte de furtar e saiu
sapecando O sermão do bom ladrão e tetei, borogodó, cacacá, pra lá e pra
cá. Peraí, meu, vá arrumar uma boa lavagem de roupa que eu tenho mais o que
fazer, viu? Não adianta, só vou quando conseguir. Então, fique aí ou vá ver se
eu estou lá na esquina, que é melhor, tá? Tichausis. É cada uma que me aparece!
Dois baques e nenhuma saída, Terezinha... - Ao som do Concert in Istanbul (2012),
da compositora grega Eleni Karaindrou, imagens da artista franco-dinamarquesa Tina Maria Elena – Da
primeira vez, éramos estudantes do primário, ela na outra sala, qualquer fresta
eu pregava o olhar nela e ao se dar conta da minha fixação ou virava de lado ou
olhava pro céu. Assim foram os quatro anos naquela escola infantil, de lá saí
pro ginásio de nunca mais vê-la. Da segunda vez, na esquina da faculdade, ela viúva
de um amigo meu e eu sequer sabia, que coisa! Rolou um papo longo e, depois, um
clima que se prolongou da sexta por todo final de semana. Parecia que ela
queria se redimir da rejeição infantil, não sei. E foi só, desaparecera de
sequer saber seu paradeiro depois de um tanto de buscas. Conversamos de tudo de
nossas vivências, mas como sou desligado, não peguei seu telefone, nem sei onde
trabalhava ou estudava, perdi. Estava naquela do André Comte-Sponville: Esperar um pouco menos, amar um pouco mais. É, quem sabe. Da terceira vez... Não houve, apenas
uma carta como a d’Aquela moça do Vasco Pratolini, quase. Lembrei dela
e levei flores, no coração o que foi de nós e nosso.
Três boatos e uma verdade: o Recife isolado do mundo. - Ao som de Três Peças Nordestinas, do compositor, arranjador,
pianista e regente Clóvis Pereira,
com a Orquestra da ULBRA, regência Tiago
Flores. – A carta dela veio acompanhada de dois livros, três boatos e só
uma verdade. O primeiro boato dava conta de que o mar ia engolir o Recife,
maior torada de aço. Pense num papo chato, esse. O segundo era também de longas
datas e de deixar os cabelos em pé: que a barragem de Tapacurá estava para se
romper. Não tinha quem não dissesse: Vai ser um estrago da porra! Abri o livro
e lá estava: Tapacurá: viagem ao planeta
dos boatos (CEPE, 2015), do escritor e jornalista Homero Fonseca. Aí, o terceiro, foi verdade. E tanto que consta das
páginas do Memorial da redação (FCCR/SJPEP, 1989), do jornalista Fernando Menezes, O dia em que o Recife ficou isolado do mundo: No começo dos anos 1960 [...] Um
DC-7 da Panair, que regressava de Lisboa, o chamado “Voo da Amizade” cairia um
pouco antes da pista. As primeiras notícias davam conta de mais de 60 mortos
(na verdade foram 67), havia sobreviventes feridos em vários hospitais, sobretudo
no Hospital da Aeronáutica [...] Assim
foi naquele 1º de novembro de 1961, uma lição viva e aprendida, um episódio que
o tempo apagou. Nele se confirmou uma regra clássica e a competência de dois
grandes profissionais [...]. Folheei ambos os volumes e, cá comigo, passava
na minha cabeça qual seria o meu delírio comunista e, confesso, meio embatucado
com a papa que virou o exército brasileiro, se bem que desde menino nunca fui
muito achegado às fardas policiais – passei a infância e a adolescência toda na
repressão do golpe de 1964 -, sempre olhei de soslaio e com um bocado de
antipatia. Isso só foi um tanto debelado das minhas chaturas, ao conhecer de
perto alguns oficiais graduados nas faculdades, que me deram até lição de
humanidade. Mas depois do golpe lavajatista e da jogada pro Coisonário, nossa, meu país virou uma
bandeira rasgada no meio de um genocídio da pior melecagem, infelizmente. Até
mais ver.
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