TRÍPTICO DQP – Talentos
das estrelas... - Ao som do Concerto
in A minor, Op 16, de Edvard Grieg, na interpretação da pianista Khatia Buniatishvili & Orchestre
National du Capitole de Toulouse, conductor Tugan Sokhiev. - A vida segue, deito
a cabeça ao travesseiro de
Chen-Tsi-Tsi e logo a cena: flagro o tratamento desumano com os nossos idosos
nas filas do banco, nas emergências, nos pontos de condução. Yeats sussurra ao meu ouvido: Espalhei meus sonhos aos seus pés. Caminhe
devagar, pois você estará pisando neles. Tomo um susto, procuro
evitar, mas nada identifico. Procuro por ele e me deparo com Proust: Acontece com a velhice o mesmo que com a morte. Alguns enfrentam-nas
com indiferença, não porque tenham mais coragem do que os outros, mas porque
têm menos imaginação. Mediante sua fala, reflito sobre envelhecer: o que sei é que nãoé o fim do mundo. E me perco na fumaça da ideia, lembrando logo o tempo da
faculdade em que estudei a Terceira Idade e a sexualidade. Dessa época,
guardei comigo a frase da escritora estadunidense Margaret Deland (1857-1945):
... assim que você se sentir muito velho
para fazer alguma coisa, faça essa coisa. Também aquela que me foi repetida
um tanto de vezes da economista & estilista belga Diane von Fürstenberg:
Meu rosto carrega todas as minhas
lembranças. Por que eu deveria apagá-las? E ainda teimava em recitar os
versos do poeta russo Konstantin Balmont
(1867-1942): Procure, com meu coração, o
que se foi e se desvaneceu, sem deixar vestígios. Eu sei: é o sol, com seu
perfume infinito, Cante músicas comigo e eu canto também. O que sei é que
quanto mais o tempo passa, se a pandemia ou o genocídio do Fecamepa ceifam nossa gente, sobretudo nossos idosos,
sei que os avós são os mestres do passado, envelhecem para brilhar, não para a
cruel violência e o preconceito: direitos da luta pela vida.
Duas lágrimas no Hotel Rwanda... - Não sei
se despertei de fato ou se foi dentro do pesadelo, uma coisa assim, sei que era
tudo diferente. Pareceu-me que era Kigali em pleno genocídio depois do atentado
a Habyarimana, quando se rasgou o acordo de paz. Era mesmo, agora tinha
certeza. Era a guerra civil, a maioria hutu atacava promovendo a matança: caçavam
as baratas tutsis, foi o que disseram, nem sei quem. Estava eu no hotel de
refugiados e, cá com meus botões: só me faltava essa! E Paul Rusesabagina, um homem comum, para lá e para cá. Dirigiu-se a
mim com um gesto, nenhuma palavra. Ousei mencionar: Sim, Paul. Quantas vezes
não ouvimos: A política é poder e dinheiro. E repetem entre si: Temos todas
as razões para crer que atos de genocídio têm ocorrido. E nada fizeram, não
fazem, nem farão nada, talqualmente aqui. O pior é que sabemos: Sinceramente, acho que as pessoas que virem
essa gravação dirão ‘Oh, meu Deus, que horror’, e continuarão jantando. É sempre
assim: como se nada acontecesse. E farram e dançam e pulam e vão e voltam. Quem
diria, Paul, uma casa confortável no subúrbio, a bela mulher, o filhos. De repente,
quantos mortos, estamos desamparados: os cemitérios esborram, corpos apodrecem.
Nenhuma ajuda chegará, a deterioração da humanidade, a milícia, o preconceito,
a corrupção, a estupidez, a ganância, o massacre, a indiferença. A história se
repete em cada parte do mundo. Resta-nos socorrer os desamparados, os
dessemelhantes, somos todos um. E: Sempre
há lugar! E que não seja apenas o Hotel des Mille Collines. Sim, Paul, As palavras são as melhores armas jamais vistas. A arma mais potente do
indivíduo é uma crença teimosa no triunfo da decência comum. Sim, Paul, é
como nos sentimos quando o genocídio é vigente: somos um lixo, não valemos
nada, a vida não vale nada para genocidas que pisam crânios e promovem mortes. Não
sei, cenas do Hotel Rwanda
(2004), em que Terry George foca Don Chedle na pele de Paul. Mas, uma
coisa é certa: é preciso tomar alguma atitude! Aqui também é Ruanda.
Três luas no olhar... – De
repente tudo muda novamente, não dá para acompanhar direito. Tudo por um triz. Agora
era como se fosse uma sala de cinema. E passava a animação capixaba Mestre Vitalino e nós no barro (Marlin
Azul, 2008): um boneco de barro ganha vida e sai para Vitória participar de um
baile. Logo em seguida, o Mestre Vitalino 100 anos Sertão, Barro e Memória. Tudo em homenagem ao Mestre Vitalino. Mal dei dois passos para o lado e de cara com a
obra de Mestre Noza. Quem? O escultor,
gravador e santeiro de Taquaritinga do Norte, Inocêncio Medeiros da Costa (1897-1983), também tratado por Inocêncio
da Costa Nick ou Niquel, coisassim. Nunca ouvi falar. Agora estava vendo tudo: xilogravuras,
pinturas, esculturas em madeira, artesanato, Luis Gonzaga, o padre Cicero Romão
Batista, cambiteiros, caçadores, santos e santas aos milhares, ou quase, dos
mais variados estilos e tamanhos. Era de se ver o grande artista do Vale do
Cariri com a mão na peixeira rasgando o pedaço de umburana-de-cheiro, a
palestra boa, a palavra amiga, as frases picantes, ou histórias inventadas na
hora. Isso para quem viu aquele que andou a pé mais seiscentos quilômetros para
chegar por ali. Está lá no Juazeiro do Norte, Ceará. Até mais ver.
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