segunda-feira, setembro 01, 2025

ANNE CARSON, MEL ROBBINS, COLLEEN HOUCK & LEITURA NA ESCOLA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som do álbum Territórios (Rocinante, 2024), da premiada violonista Gabriele Leite, que possui mestrado em Performance Musical da Manhattan School of Music, em Nova York (EUA), com bolsa integral da Sociedade Cultura Artística. É doutoranda em Performance Musical pela Stony Brook University, instituição de Nova York (EUA). Ela é considerada um dos maiores prodígios contemporâneos no instrumento pela crítica especializada, figurando na lista Under 30 da revista Forbes, como destaque na música brasileira em 2020.

 

Dermeval: É melhor deixar pra amanhã, ou pra lá de vez... - Desde menino se remexia todo – quando não se contorcia, se balançava no gingado: brincava carnavalizante, aos giros ritmados foliava, pulava doidejantemente. Adolesceu meneando-se e, logo cedo, arrumou seus muafos e ganhou o mundo como um novilho de ponta limpa. Via de tudo e passou só pro que gostava: bailava ao seu modo, com declamações de versos e hestórias. Haja causo no sapateado do trupé. E era andejo mesmo. E tanto que logo ajeitou-se com Macrina, no meio duma noite deserta. Fugiram saltitantes pro Mar Negro e se arrearam ascetas. Ela então o conduziu ao culto de Terpsícore, a musa da dança, envolvendo-o com sua lira na ambrosia da alcova, festejados pelas sereias do rio Aqueloo. Ao despertar a solidão era seu domicílio, por dias e noites. Foi socorrido pela amabilidade de Paula, a outra irmã dela, que o levou à Baía de Bengala e lá recebeu de Shiva Nataraja o cajado de Okó e se amaram na dança cósmica. E rodaram entre sonhos e madrugadas, até a surpresa dum amanhecer ao lado de Olympia de Manet, a terceira irmã, que o levou à deusa Hathor no Templo de Dendera, com seu disco solar e chifres bovinos roçando a caixa dos peitos. E viu-se enrolado nos seus 7 Hatores, tomado pelo Olho das 4 Faces. A bem-amada celebrou como uma vaca e deu-se à cópula feito a Leoa Sacmis, no Conto de Fadas da Noite de Hoffman. Ali tornou-se o Homem de Areia e ela não mais: Cadê-la, hem? A surpresa foi renovada com Marietta, a Maria Baderna, como se fosse a deusa Laka, pronta para a dança de Hula. De mãos dadas foram conferir os vestígios da coreografia na gruta de Tuc d'Audoubert. De lá seguiram pelas rochas do Les Trois-Frères, aos movimentos dançantes pelas margens do Arièges. Com ela o devaneio duradouro de ser dançarino de nascença nas reencarnações de Parvati e, com ela, a xamã no ritual Kagura. E a fantasia o fez Don Lockwood como um cavaleiro domado pela paixão da Kathy Selden, na cena do bolo! Pra ela ele já era Gene Kelly, e aos píncaros da gloria o fez Fred Astaire. Era o ápice! Daí foram juntos pro Prelúdio do Fauno de Debussy no poema de Mallarmé e viram primeiro a arte de Nijinski, seguido da coreografia de Nureyev pro mesmo tema, afora o bônus das tantas piruetas do Quixote de Baryshnikov. Ali olhou pra ela e sorriu: Dá pra mim não, o que vão dizer lá em casa, ora! Tirante o balé, com ela dançou de tudo. E começou pelos lundus, só na umbigada de roda: Uê, uê... uê, uá... Uê, uê... uê, uá... A lua vai saí e eu vô girá. Vou caçá meu tatu, meu tamanduá... Depois se perfilaram enfileirados na da peiga, na do Peixe a pira-purasseia; na do Tipiti e na do pau-da-fita: Dança, dança, dançador \ dança com muito valor \ dancemos todos juntos \ cada qual com seu amor... Assim se embalaram na do Lelelé (aquela mesma do péla-porco, do Lelé), na do Tambor-de-Mina (e de-Crioula), na do Espontão, na do Chapéu e na de São Gonçalo: Chega, chega, companheira \ que já estamos empareada \ pedindo licença pro santo \ para a primeira jornada... Quem não canta nem dança \ o que veio buscar? \ só veio comer arroz \ e beber o aluá... E se encararam na do Divino, tudo pelas ruas, lama e sarjetas, aos gritos pela abolição, grevistas e a febre amarela no coro dos baderneiros de todas as plateias: Mané gostoso, perna de pau, salta da cama e cai no girau... Daí em diante ele perderam-se e ele tomou nas cuias dos quiabos: macambúzio solitário ao lado de uma trapezista ao desafio: Vai ou não? Fez sapateado até na corda bamba, equilibrista só no golpe de vista. E ficou na pestana da barata, catando os trapos. Peito apertado, aguçou sua espiritualidade: Deus dançava na sua paz interior e sorria. Valia-se de Nietzsche. Aprendia sozinho a mexer os pés como Hermes no mito de Odissi. E celebrou a imagem de Peratus (o Eratus) e tornou-se o andarilho de Copenhague - como se fora Kierkegaard, a decorar o Diário de um Sedutor. Recitava poemas de Byron ao se recolher no Walden de Thoreau. E lá todas as Cartas do Eremita em Paris, de Calvino. E se viu entre os Andarilhos de Coetzee, e se reencontrou com Leloup e os padres do deserto, no Monte Athos. Aprendia de si com Isócratis e Diógenes que era gago. Fez-se entusiasta de Cícero – aquele mesmo, Marco Túlio Cícero, de saber de cor as suas cartas descobertas por Petrarca. Proferia em seus monólogos públicos trechos do Alcorão, do Mahabarata, do Rigveda, dos Upanishads, das Mil e Uma Noites, do Decamerão de Boccaccio, do Satyricon de Petrônio, muitos sonetos de Shakespeare e os tantos de Manuel Bandeira. Foi num solilóquio crepuscular, quando menos esperava, passou-lhe às vistas uma beldade que ensaiava trôpega a Dança dos 7 véus, da ópera Salomé do Strauss. Eita! Enrabichou-se todo dela quase escapulir; nada, ela ia passando de nem vê-lo, indiferente, aí providente deu-lhe uma mucica dela chega arrear-se toda se encostando no passo da Jardineira - a que era a mesma de Cupido ou Arco de Flora -, e ela faceira: Eu sou uma jardineira \ que ando com meu regador \entre perpétuas e boninas \ rosa é a rainha das flores... Era Esmeraldina e com ela foi ao clímax: a dança dos tangarás. Dali foram parar no Santuário de Ise orando pela Paz Mundial e seguiram pela estrada da peregrinação do Furuichi, só para amanhecerem na folia da deusa Ame no Uzume atraindo Amaterasu. De lá foram para Madurai e, no Templo Meenakshi Amman, viram-se envolvidos pelos 4 braços da deusa Parvati, revelando-lhe a reencarnação da deusa Sati no Himalaia. Seguiram pelo rio Ganges porque ela agora era a sua divina Shákti. E remexeram juntos Odissi nos templos de Odisha e ambos os corpos contavam hestórias sobre as águas do Maniari, no Chhattisgarh. Aos versos se casaram e ela, a sua bela quetzalizti dos olhos de maracujá, tornou-se o orvalho de maio na preciosa ourivesaria barroca do Tesouro de Munique. Ela amarrou seu símbolo no braço esquerdo dele e pôs em sua língua a sua pedra úmida, aquosa e lunar - regenerava a vida dele com sua alma verde translúcida. Ela lavou-o com sua chuva e a luz percorreu todo o sangue dele pelo Oeste do mundo. Ela plena e primaveril deu-lhe as virtudes afrodisíacas de Rabelais e a pedra do Hermes na Tábua de Apolônio. O seu orvalho mercurial traspassou as densas trevas para presenteá-lo com o segredo da criação e de todas as coisas. Com seu talismã poderoso o protegeu das criaturas infernais, afastando víboras e najas e o feitiço das paixões prisioneiras. Deu-lhe enfim a sua divina homeopatia, o Graal e a imagem presente do Criador. E com ela avexou-se, arrumou sua loca - uma mei’água pra guardá-la e cuidar dos filhos. Tornou-se carteiro, pés prum lado, passadas proutro, caminhante das boas e más notícias. Era o que queria. De noite, no lar, emocionava-se com a Ardiente Paciencia de Skarmeta. E com a sua dama a rodopiar no salão: Maxixe é dança levada, toda cheia de caídos, em que a mulata é danada e o homem é todo mexido! Depois um tango, Por uma cabeza, de Gardel. Os filhos dormiam e mandavam ver com salsas, frevos, boleros, forrós, sambas de gafieira, bachata, foxtrote, quickstep, zouk, lambada, mambo, Chá chá chá, merengue e o escambau. Até inventaram algumas novas e próprias: a vida era deles. De dia, as correspondências eram entregues em troca de poemas, expondo a sua imensa coleção de terno e gravata: era vê-lo aos sapateados pelo meio fio das calçadas esperando a chuva chegar para dar seu espetáculo no acerto da bengala – Diziam: Aquilo é a arma do Mandrake, meu! Hehehehe. De noite, aos braços da amada, o embalo do amor. A quem perguntasse, respondia com um gole de café forte e amargo: Sou apenas um preto-velho, chamo-me Dermeval, o senhor indígena das ervas, um dançarino poeta. E todo casamento não podia faltar nem ele nem a Wedding March in C major de Mendelssohn; não havia baile de debutante sem ele e as Valsas de Strauss; não havia evento no coreto do centro da cidade sem seus elóquios ao som do maestro Zé da Justa & Orquestra 15 de novembro; muito menos festa no Club Litterário sem seu sarau e seus louvores poéticos. Preferia dançar e trabalhar a ter de encarar a miséria, a repressão e o irrespirável ambiente ao seu redor: a fuligem da usina explodia pulmões. Mantinha-se com seu atencioso senso paternal, apegado à família. Orgulhava-se de nunca ter tido de voltar atrás com nada, sempre ocupadíssimo, independente, equilibrado, perspicaz, controlador ao seu modo, espiritualizado – a dança levou-lhe a venerável maçon, imponente, reservadíssimo. Era um cavaleiro andante que viajava a pé, sempre no passo do jocotó e recitando umas quadrinhas. Como se dizia comumente por aqui: Era um digno homem de gravata lavada! Era o poeta no país das mil danças e sorria: Tudo o mais, ficará pra depois. Encontrei-o quase centenário – dizem que ele já passou e muito disso uns 2 séculos atrás. A mesma bengala lustrada, o mesmo riso terno, a mesma pose de fidalguia calma bem trajada e a sabedoria vivíssima na maior lucidez. Como vai, Dermeval? Esperando a morte, meu filho. Que é isso, homem? Melhor deixar pra morrer amanhã, né? Nada: a gente tem muito pra fazer, meu velho e bom amigo. Então, vamos e deixa o resto pra lá. E lá ia de vê-lo às costas de menino treloso, o peso da vida de todo planeta. Até mais ver.

 

Marilena Chaui: Desejo é relação entre seres humanos carentes. Por isso amamos até à loucura e odiamos até a morte: nosso ser está em jogo em cada e em todos os afetos. Desejo é paixão, diziam os clássicos... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Jennifer Egan: Vivemos em um momento e uma cultura em que a leitura está realmente em perigo. Não há como escrever bem, se você não está lendo bem... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Han Kang: O amplo espectro da humanidade, que vai do sublime ao brutal, tem sido para mim como uma difícil tarefa de casa desde a minha infância... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

I - Sentir qualquer coisa te perturba. \ Ser visto sentindo qualquer coisa te desnuda. \ Sob o domínio disso, prazer ou dor não importam. \ Você pensa o que eles farão, que novo poder eles adquirirão se me virem nua assim. \ Se eles virem você sentindo. \ Você não tem ideia do que. \ Não se trata deles. Ser visto é a penalidade.

II - Como seria viver em uma biblioteca de livros derretidos. \ Com frases escorrendo pelo chão e toda a pontuação arrumada no fundo como um resíduo. \ Seria confuso. \ Imperdoável. \ Uma grande aventura.

Poemas da premiada escritora canadense Anne Carson, autora das obras Red Doc (2013), Autobiography of Red (1998), Plainwater: Essays and Poetry (1995), Glass, Irony and God (1995) e Eros the Bittersweet (1986). Veja mais aqui & aqui.

 

O ÂMBAR DA LATERNA - […] É sempre preciso mais energia para unir e construir do que para destruir [...] Não é com aqueles que parecem diferentes de você que você deve ter cuidado. São aqueles que parecem humanos [...]. Trechos extraídos da obra The Lantern´s Amber (Random House, 2019), da escritora estadunidense Colleen Houck, autora de obras como Tiger's Curse (2011) e Tiger's Quest (2011).

 

DEIXE PRA LÁ - [...] Meu ponto é simples: os adultos terão opiniões negativas sobre você e tudo o que você faz. Deixe-os julgar. Deixe-os reagir. Deixe-os duvidar de você. Deixe-os questionar as decisões que você está tomando. Deixe-os estar errados sobre você. Deixe-os revirar os olhos quando você começar a postar vídeos online ou quiser reescrever o manuscrito pela 12ª vez. Em vez de perder tempo se preocupando com eles, comece a viver sua vida de uma maneira que te orgulhe de si mesmo. Deixe-me fazer o que eu quero fazer com a minha única e preciosa vida. [...] Se seus amigos não estão te convidando para um brunch neste fim de semana, deixe-os. Se a pessoa por quem você realmente se sente atraído não está interessada em um compromisso, deixe-os. Se seus filhos não querem se levantar e ir àquele evento com você esta semana, deixe-os. Tanto tempo e energia são desperdiçados forçando outras pessoas a corresponderem às nossas expectativas. E a verdade é que, se outra pessoa — uma pessoa com quem você está saindo, um parceiro de negócios, um membro da família — não estiver aparecendo como você precisa, não tente forçá-la a mudar. Deixe-a ser ela mesma, porque ela está revelando quem ela é para você. Apenas deixe-a e então você pode escolher o que fazer em seguida. [...] Concentrar-se no que você não pode controlar causa estresse. Concentrar-se no que você pode controlar torna você poderoso. [...]. Trechos extraídos da obra The Let Them Theory (Hay House LLC, 2024), da advogada, autora e apresentadora estadunidense Mel Robbins (Melanie Lee Robbins, nascida Schneeberger), atuando abordagem inovadora sobre mudança de comportamento, ela se tornou uma das palestrantes mais populares do mundo, treinando cerca de 60 milhões de pessoas todos os meses, tornando-se uma das principais vozes da atualidade no campo do desenvolvimento pessoal. Ela é autora de obras como The 5 Second Rule: Transform Your Life, Work, and Confidence with Everyday Courage (2017) e Stop Saying You're Fine: Discover a More Powerful You (2011).

 

CLUBE DE LEITURA DA ESCOLA DERMEVAL MIRANDA

Os estudantes da escola municipal em tempo integral, Dermeval Alves de Miranda, reúnem-se em um Clubinho de Leitura, com o objetivo de difundir o hábito da leitura, o compartilhamento de conhecimentos e o protagonismo estudantil, na cidade dos Palmares, em Pernambuco. Veja detalhes clicando aqui, aqui, aqui & aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.

 


ANNE CARSON, MEL ROBBINS, COLLEEN HOUCK & LEITURA NA ESCOLA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som do álbum Territórios (Rocinante, 2024), da premiada violonista Gabriele Leite , que possui mestrado em...