Costumo chamar meu piano de minha casa, minha
primeira morada. Porque depois de comer, dormir e fazer as coisas do dia-a-dia,
o que faço há mais tempo na minha vida é tocar piano... Mas ser brasileira e
viver no Brasil é estar imersa nesta complexa cultura de muitas misturas e
singularidades culturais muito ricas. As músicas, os sons, a corporeidade
brasileiros nos habitam...
Ao som de Homenagem a Kilkerry (2005), Tríplice
andar (2013), Vivaldiana (2017) e Hinos de Pendências (2022),
da compositora e professora Denise Garcia, autora da obra inédita C.A.C.O.S.
(Celebração da Arte e Cultura Ocidental Sinfônica). Veja mais aqui.
TRAJETÓRIA DO LUGAR, ARREIA!... - Duma
margem à outra do Una: tudo podia acontecer. E se do lado de cá os Ambulantes de Deus atravessavam a cidade nos burburinhos de lestoeste ou vice-versa,
do lado de lá não só havia Paul: ventos austrais das quenturas equatoriais
traziam o pipoco da guerra e peido de véia pelos dias de Sol ou chuva - não era
nada daquilo que queriam, mas só o que lhes restavam. Mais que entre parênteses: numa banda o alvoroço de
curumins, cunhatãs, curibocas, quilombolas, Ganga Zumba de Amaro, Zumbis de
Macaco, andorinhas, calungas, ticoqueiras, todos como se fossem os condenados
de Fanon espiando a almadia caeté dum lado pro outro. Na outra se via o povo
descendo só pra ver a previsão das enchentes, no meio de açucarocratas e
cheleléus, cangalhas e zambetas, tão enfáticos quanto ruidosos e nenhum decoro
pra destruição do passado e sucessão de golpes dos bedeguebas de mal-assombro, gente
famélica metida a grã-fina que vinha da procissão de homúnculos com seu andor
medievo, estupidificados como os que precisam do olhar alheio para se orientar,
vida tão mais sem poesia, gente que saía aos montes dos esgotos. Entre os que
vinham e iam, topei: Joab, mô fio, pronde cê vai? Tomar uma, a hora está
avexada. Logo atrás quase nem vi: Como é que foi, Iolita? A meninada cresceu...
E a gente de velho mais menino: será a Besta Fubana? Não, não era. Era o duo de
Iara & Ísis Campos no apogeu do espetáculo: Arreia! E a gente renascia
caboclinhos do Rabeca, no sopro de Veludo do pife, quantos carnavais da
infância e isso era mais que vida. Arreia! E ataviaram jactando-se com itapabas
que vinham de Capoeiras, e se enfeitaram de festa com as igapebas das Alagoas,
e proveram remelexos com os piperis de Bonito, e folgaram com os candandus de
Catende e catamarãs de Pirangi, e arregaçaram arrearre! E adernaram pelas águas
pretas até a foz da coroa grande: Arareia! Arreia! Ah-rá! E quando a hestória
começou, big bang! O carão das horas, já era tarde, parecia. Havia bem não sei
quantos anos, sem o que dizer no porém, para saber de Morgan Llywelyn: Se
quiser ter paz, paz genuína, você deve aceitar todos os aspectos da sua
personalidade e aprender a se sentir confortável com eles... Entretido com
a frivolidade do festeiro, nem dei conta do que dissipava diante do Lobo do Mar de London, com meus naufrágios teratológicos na ilha de outras terras: haveria
de passar a noite e o dia depois, e nenhuma lisonja naqueles olhos
perturbadores de nunca mais, mas nunca mais mesmo. Arreia! E Simbad não era; a
maldição dum pseudo-Anteu, talvez. A vida não terminava com o fechado das portas,
cada qual a sua própria escuridão. Quase nem ouvi Charlaine Harris: Não
procure problemas; já está procurando por você... Às vezes você só precisa se
arrepender das coisas e seguir em frente... Era tarde demais pra isso e o desjejum
era meu epítome na catalepsia das escolhas e quase nenhuma alternativa: só
desmascarei meus equívocos com os dos outros e, se deu certo, só me arrebentei
em todos os evidentes sinais de alerta, os encontros esparsos, a fuga iminente
– era uma ameaça que havia deixado pra trás. O que me dizia Ida Lupino: Há
beleza na imperfeição. Quero capturar os momentos crus e autênticos que nos
tornam humanos. Há sempre mais para descobrir e explorar. Não tenho medo de
correr riscos. As maiores recompensas vêm de sair da sua zona de conforto e
desafiar a si mesmo... Era uma única vez & alguns dias & sobrevivente náufrago com o castigo da intimidade revelada: era só o Nito da Zezé. Os
dias nos olhos, coração adentro jangada de vara eu voo, ressurreto das encruzilhadas... Até mais ver.
DOIS POEMAS
Imagem: Acervo ArtLAM.
TERRA - aqui onde a vassoura já não floresce e o
altar do fogo sagrado foi extinto pelos ventos do leste, um homem em pura raiva
arrancou a perna de outro homem, uma mulher deu à luz silenciosamente o filho
de seu pai e uma criança nasceu dormiu. abraçados pelo desgosto, ninguém se
conhece, ninguém se reconhece, isso é o terrível, a poeira enterrou quase tudo.
ATANÁSIA - Eu sou a tempestade filha de Hera e Zeus
\ que, como seu pai, chronos \ às vezes eles me engoliram vivo \ cansado disso
\ certa noite \ Eu roubei uma pedra de Deucalião \ e solicitei a permissão das
Moiras \ então eu cortei o fio \ Eu joguei a pedra \ e eu me criei \ Depois do
sétimo jejum tomei banho de sol \ nu ao lado de Asclépio \ fora \ às portas do
hospital \ até uma quarta-feira \ Subi às colinas agostinianas \ e hoje estou
sentado à esquerda de Apolo \ e a partir daí eu zombo dos saudáveis e dos
doentes.
Poemas da jornalista e poeta peruana Elma
Murrugarra, autora dos livros Jogos (2002), A Função dos Destinos
(2004), Al Sur en Caral (2006) e Cuentos de Domingo (2009).
UMA FAMÍLIA - [...] Eu sei que isto me cansa mas tudo me
cansa de qualquer forma sou uma pessoa cansada exceto quando por vezes me
esqueço de mim mesma. [...]. Trecho extraído da obra Una familia en
Bruselas (Tránsito, 2021), da premiada
escritora e cineasta belga Chantal Akerman (1950-2015), que ainda se
expressa: Nunca me considerei estranha
ou diferente de alguma forma... Eu apenas tinha um jeito, um jeito que era meu
e somente meu. Um jeito que talvez fosse um pouco peculiar, mas gostei
disso. Gostei do fato de as outras pessoas não serem estranhas
da mesma forma... Senti que ser estranho me convinha... Minha estranheza tinha
algo, pensei. Um estilo. Um estilo que me
pertenceu. Aí virou um hábito e não pensei mais no meu estilo
estranho, era assim que eu era e pronto... Veja mais aqui.
DOENÇA DA MEIA NOITE – [...] O cientista que há em mim teme que minha felicidade nada
mais seja do que um sintoma de doença bipolar, hipergrafia de um distúrbio
pós-parto. O resto de mim pensa que separar artificialmente o
cientista que há em mim e o escritor que há em mim é na verdade uma espécie de
transtorno bipolar cultural, que muitos de nós temos. O
cientista pergunta como posso chamar minha vocação de escritor e não de vício. Não
vejo mais por que deveria fazer essa distinção. Sou
viciado em respirar da mesma maneira. Escrevo porque quando
não escrevo é sufocante. Escrevo porque algo muito maior do que eu entra em mim e
enche a página, o mundo, de significado. Embora eu tema
constantemente que o que escrevo esteja à beira de ser falso, essa força que me
move só pode ser real, ou nada jamais será real para mim novamente. [...] Como a poesia e a literatura poderiam ter
surgido de algo tão plebeu quanto o equivalente cuneiforme dos códigos de
barras dos supermercados? Prefiro a versão em que Prometeu trouxe a escrita dos
deuses ao homem. Mas então lembro a mim mesmo que… não devemos ser muito
meticulosos sobre a origem das grandes ideias. Em
última análise, todos eles vêm de um órgão enrugado que, quando mais saudável,
tem a cor e a consistência de uma pasta de dente e, no final, apenas murcha e
morre. [...] O que os
prisioneiros fazem? Escreva, é claro; mesmo que tenham que
usar sangue como tinta, como fez o Marquês de Sade. As
razões pelas quais escrevem, as restrições extremamente frustrantes da sua
autonomia e o facto de ninguém ouvir os seus gritos, são todas as razões pelas
quais as pessoas com doenças mentais, e mesmo muitas pessoas normais, escrevem. Escrevemos
para escapar de nossas prisões. [...] Na medida em que a autoexpressão transmite e reforça o caráter
de uma pessoa, ela esclarece a ligação entre arte, excentricidade e doença
mental. Quanto mais parecidos com nós mesmos nos tornamos, mais
estranhos nos tornamos. [...]
O impulso de escrever produz um primeiro rascunho; é o
desejo de escrever bem que produz o segundo, o terceiro, o vigésimo. [...] Nunca consigo esquecer a possibilidade de bloqueio. Paradoxalmente,
é isso que impulsiona a minha escrita – obrigando-me a deixar todo o resto de
lado devido à possibilidade de que hoje seja o último dia em que poderei
escrever. É outra maneira pela qual o bloqueio de escritor às vezes
não é o oposto da hipergrafia, mas a causa. Talvez os escritores
pudessem recuperar o conceito de bloco, já que São Jerônimo, em seu estudo,
usou um memento mori (uma caveira, ou uma ampulheta com as areias do tempo
escapando) para conduzir seu trabalho, naquelas lindas pinturas renascentistas. [...] Os escritores têm mais depressão unipolar do
que o resto da população; os mesmos estudos que encontraram uma incidência dez a
quarenta vezes maior de doença maníaco-depressiva em escritores encontraram uma
incidência oito a dez vezes maior de depressão unipolar. [...]. Trechos extraídos da obra The Midnight Disease: The Drive to Write, Writer's Block, and the Creative
Brain (Harper Paperbacks, 2005), da
neurologista, educadora e pesquisadora estadunidense Alice Flaherty.
Veja mais
aqui.
PÓ EXISTENCIAL…
Imensidão de vagos \ evacuando na inanidade \ da
vacuidade \ em viagem infinda \ de vácuo absoluto. \ Sentido, sem direção. \
Sentido, sem solução. \ Sentido, sem sentido.
Poema Vacuidade de sentido, extraído da obra Pó
existencial (Criaart, 2024), do poeta e artista plástico José Durán y Durán.
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
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MEMÓRIA MATA SUL
Autogestão da Memória, Museus Comunitários e
Museologia Política
- De 11 a 13 de abril de 2024 Cidade dos Palmares, Mata Sul/PE. A
oficina-vivência Autogestão da Memória, Museus Comunitários e Museologia
Política em Palmares acontecerá na sede da Biblioteca Pública Fenelon Barreto,
reunindo 25 articuladores de Movimentos Sociais de Buíque, Escada, Jaboatão dos
Guararapes, Jaqueira, Olinda, Palmares, Paudalho, Paulista, Recife, Rio
Formoso, Vitória de Santo Antão e São José do Egito. A articulação da ELMP na
Mata Sul ocorreu em parceria com o Movimento de Retomada Mata Sul Indígena,
Amigos da Biblioteca (ABI) & Semed-Palmares – Biblioteca Fenelon Barreto.
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ARREIA!...
Espetáculo de dança da arte-educadora, bailarina,
atriz e performer, Íris Campos, e da
artista da dança e do teatro, arte-educadora e produtora cultural, Iara
Campos, com enredo
que constrói relação entre o universo dos sonhos e a criação da agremiação Caboclinho
7 Flexas do Recife, construindo uma narrativa que honra a ancestralidade
indígena, inserindo novos conceitos de preservação da manifestação. O
espetáculo conta com a direção de Paulinho 7 Flexas. Arreia. Dias 12 e 13 de
abril, 20h, Teatro Cinema Apolo – Palmares - PE. Veja mais aqui.
UM OFERECIMENTO: SANTOS MELO LICITAÇÕES
Veja detalhes aqui.
&
Tem mais:
Livros Infantis Brincarte do Nitolino aqui.
Curso: Arte supera timidez aqui.
Poemagens & outras versagens aqui.
Diário TTTTT aqui.
Cantarau Tataritaritatá aqui.
Teatro Infantil: O lobisomem Zonzo aqui.
Faça seu TCC sem traumas – consultas e curso aqui.
VALUNA – Vale do Rio Una aqui.
&
Crônica de amor por ela aqui.