VAMOS APRUMAR A CONVERSA? COÁGULOS,
COÁGULOS - Era uma vez. Era uma vez. Era uma
vez duas três vezes, mais provável que nenhuma na inexistência do flagra do
minuto preciso na minha vida inexata na hora em ponto! Era uma vez. Era uma vez.
Era uma vez duas três vezes, mais provável que a justiça num pote encarcerada,
mais provável que a remissão da lágrima na face lavada! Mais provável que
nenhuma porque foi pingando na veia, escorrendo pela biqueira do peito, pela
cumeeira dos sonhos evaporando desejos que findavam sangrando as ruínas do meu
tempo! Do meu tempo caótico, do meu tempo patético, do meu tempo dilacerado! Eu escondo em meu peito as ruínas do meu
tempo! Esse tempo apoliptico, megalomaníaco, irrespirável, fantástico de
horror. Cheio de pantins, frescuras, teréns, loucuras!´Feito uma semente num
invólucro das possibilidades improváveis no meio de flâmulas matemáticas de
signos secretos e farsantes e alusões absurdas! Sou apenas dois braços de
espera no suor redimido porque da morte já arrastei ferros e o mundo é apenas
as minhas mãos enterradas no blusão, o sonho estiado e a alegria transferida
para alhures. Em meu peito não cabe o pacto da pátria desfeita a terra
acumulada e o homem obliterado a sujar as mãos na carne da terra e na paixão
dos limites jamais alcançados pela ambição dos sentidos enquanto a lama da boca
sugere traduzir amor, a boca de aço sugere traduzir amor engolindo desejos,
sugere traduzir amor debulhando prazeres como o se o desejo esganasse miragens
e é verdade porque o coração quer dizer verdades ou meias e não sabe o que
dizer diante dessa tragédia toda. Em meu peito não cabem jamais as síndromes da
China, dos afegãos, dos bancos e das cabeças! Não cabem as claques de merda
pros oligopólios em alcatéias transnacionais com seu delirium-tremens do
consumo no meio de uma economia falida emergindo sobre o sangue dado como
aquele da escravaria açucarocrata que adoçava e adoça a boca dos festeiros
enquanto a minha dor desmedida, enquanto a minha dor comungada é repisada e
vira graúda criando coágulos por todo o meu corpo! E que me esfolem e me esganem
pelos metros profundos dos infernos dessa terra porque mesmo assim ainda
continuo a erguer cantos sobre este mundo porque das torneiras citadinas jorram
sangue inocente adubados nas terras perdidas por hectares infames que só
afugentam quem dela vive e morre de fome no meio de outro sonho perdido na
pulsação das turbinas e outra coisa com uma marcha escabrosa de botas que
guardam o patrimônio dos ricos com lesões homicidas quando outro é o meio do
meio-dia e a indigência e outras são as pastilhas de carbono e o frio
asfixiante da febre. Já nada é suportável neste tempo de lama e podridão e nada
vale a pena e vale a pena tragar o hálito dos alicates grosseiros e compartilha
da fome dos órfãos de El Salvador e da dor das mães da Praça de Mayo e dos
flagelados da seca e da exclusão social do Brasil mundializado para furor
inadimplente de assalariados e estornados das promessas não cumpridas de todas
as políticas de mentira! Avante pra onde? Já não mendigo a vida pelos
infortúnios, mazelas, porqueiras nem a devoção cega das crenças mutiladas nem
da vil matéria lânguida e escassa espremida no dia-a-dia sarcófago de totens de
sempre e tabus de nada! Eu vou com meu corpo cheio de holocaustos e cataclismos
e o punhal da vida me avassala e maldigo a terra ficam as sombras vãs que
atormentam minha sanidade e os meus desejos remendados na alegria mal-assada
com os recheios fugazes que findam na dor, mas se a dor não traz nada,
parafraseando Gregório, é porque enfim leva tudo e deixa a mão espalmada ao jugo
da palmatória da vida! Eu vou com a chuva que explode lá fora onde a cidade
sustenta seus fantasmas que pulam nas praças ruas avenidas e becos e bares e
vidas sem no entanto se furtarem a pelo menos aprumarem a vida dos seus fiéis
lambe-botas enquanto eu me embriago na chuva coletando os segredos dos rios com
sua correnteza mansa escondendo o alvoroço do fundo e tudo encharca o meu país
enxaguando essa terra embebida de sangue e suor, enxertada de sangue e suor e
se dana como uma pólvora guardada no peito com o mísero crepúsculo que traz a
noite e a vida já se foi pela janela e só resta cigarro e bebida e a loucura de
se embriagar engolindo a ocasião inteira! Era uma vez. Era uma vez duas três vezes. mais provável
que nenhuma na sóbria ou na lúcida vontade de se perder na metafísica do espaço
no meio da prismática reluzência da catarse e na carismática inocência da
poesia úmida lavando a estatística do cansaço que só consegue seguir aonde vai
dar dali pra diante no ignoto mudo da urdidura do vácuo. Era uma vez. Era uma
vez duas três vezes, mais provável que nenhuma e sobre este mundo erguer
cantos, sim! Em meu canto há minha maldição, eis o meu suor, a minha maldição:
as lajes, a comunhão, o inusitado, o paradoxal, o álcool, o beijo molhado, o
adeus, o agasalho, a mão meiga, a dor amedrontada, a culatra, a pulsação, o
medo e a agonia. Assim me foi concedido. (Coágulos,
coágulos, Luiz Alberto Machado. Primeira Reuniã. Recife: Bagaço, 1992).
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
Imagem: The source (A fonte – óleo sobre tela, 1820-1855), do pintor e
desenhista Romantismo francês Dominique
Ingres (1780-1867). Veja mais aqui.
Curtindo a Symphony Nº 6 (EMI GROC), do compositor austríaco Anton
Bruckner (1824-1896),c om a New
Philharmonia Orchestra & Otto Klemperer & lendo O menestrel de Deus – Vida e obra de Anton Bruckner (Algool, 2009),
do jornalista e crítico musical Lauro Machado Coelho.
MITO FUNDADOR – O livro Brasil, mito fundador e sociedade autoritária (Fundação Perseu
Abramo, 2000), da filósofa e educadora brasileira Marilena Chauí, trata de fé e orgulho, a nação como semióforo, o
verdeamarelismo, o centenário, o mito fundador, entre outros assuntos. Da obra
destaco o trecho: [...] Ao falarmos em
mito, nós o tomamos não apenas no sentido etimológico de narração pública de
feitos lendários da comunidade (isto é, no sentido grego da palavra mythos),
mas também no sentido antropológico, no qual essa narrativa é a solução
imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos
para serem resolvidos no nível da realidade. Se também dizemos mito fundador é
porque, à maneira de toda fundatio, esse mito impõe um vínculo interno com o
passado como origem, isto é, com um passado que não cessa nunca, que se
conserva perenemente presente e, por isso mesmo, não permite o trabalho da
diferença temporal e da compreensão do presente enquanto tal. Nesse sentido,
falamos em mito também na acepção psicanalítica, ou seja, como impulso à
repetição de algo imaginário, que cria um bloqueio à percepção da realidade e
impede lidar com ela. Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar
novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal
modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si
mesmo. Insistimos na expressão mito fundador porque diferenciamos fundação e
formação. Quando os historiadores falam em formação, referem-se não só às
determinações econômicas, sociais e políticas que produzem um acontecimento
histórico, mas também pensam em transformação e, portanto, na continuidade ou
na descontinuidade dos acontecimentos, percebidos como processos temporais.
Numa palavra, o registro da formação é a história propriamente dita, aí
incluídas suas representações, sejam aquelas que conhecem o processo histórico,
sejam as que o ocultam (isto é, as ideologias). Diferentemente da formação, a
fundação se refere a um momento passado imaginário, tido como instante
originário que se mantém vivo e presente no curso do tempo, isto é, a fundação
visa a algo tido como perene (quase eterno) que traveja e sustenta o curso
temporal e lhe dá sentido. A fundação pretende situar-se além do tempo, fora da
história, num presente que não cessa nunca sob a multiplicidade de formas ou
aspectos que pode tomar. Não só isso. A marca peculiar da fundação é a maneira
como ela põe a transcendência e a imanência do momento fundador: a fundação
aparece como emanando da sociedade (em nosso caso, da nação) e,
simultaneamente, como engendrando essa própria sociedade (ou a nação) da qual
ela emana. É por isso que estamos nos referindo à fundação como mito. O mito
fundador oferece um repertório inicial de representações da realidade e, em
cada momento da formação histórica, esses elementos são reorganizados tanto do
ponto de vista de sua hierarquia interna (isto é, qual o elemento principal que
comanda os outros) como da ampliação de seu sentido (isto é, novos elementos
vêm se acrescentar ao significado primitivo). Assim, as ideologias, que
necessariamente acompanham o movimento histórico da formação, alimenta-se das
representações produzidas pela fundação, atualizando-as para adequá-las à nova
quadra histórica. É exatamente por isso que, sob novas roupagens, o mito pode
repetir-se indefinidamente. [...]
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
O ESPELHO – O conto O espelho (Cultrix, 1958), do ator, cineasta e escritor russo
radicado na França Sacha Guitry
(1885-1957), segue transcrito: Esta
aconteceu na China. Um chinês preparava-se para ir ao mercado, que fica a
alguns dias de viagem. Está anoitecendo. O chinês despede-se da mulher. — Até à
volta, Mel de Crisântemo. Que quer que lhe traga do mercado? — Eu queria um
pente. — Um pente? Está bem. Mas eu tenho que comprar tanta coisa, como é que
me vou lembrar? — Não precisará mais do que olhar para a lua. Veja: a lua é
crescente. Pois bem, o pente que eu quero é exatamente da forma da lua
crescente. — Até à volta. E o chinês parte. Chega ao mercado. Faz suas compras.
Terminando-as, já bem tarde, lembra-se da promessa, mas não se lembra muito bem
do objeto desejado pela mulher. Encontra-se, nesse momento, junto de um
mercador e lhe diz: — Pois veja só: prometi levar um presente a minha mulher,
mas não me lembro mais o que foi. Ah! sim, espera. Estou-me lembrando agora que
ela me disse para olhar a lua. — Olhe, é lua cheia. (A lua, que estava no seu
primeiro quarto no dia da partida do chinês, agora era cheia). — Deve ser um
objeto redondo. E o chinês compra um espelho, paga-o, faz um pacote e põe-se a
caminho para a volta. Ao chegar em casa, diz-lhe a mulher: — Bom dia, meu
marido. Trouxe-me o que eu lhe pedi? — Naturalmente. Aqui está. E o chinês dá o
pacote à mulher, que apressadamente o abre. Essa mulher nunca tinha visto um
espelho. E vendo nele um vulto de mulher, fica indignada: — Meu marido, comprou
outra mulher! E Mel de Crisântemo chora todas as lágrimas de seu pequenino
coração. Os seus olhos chamam a atenção de sua mãe. — Ah! mamãe, mamãe — grita
ela. — Venha ver. Meu marido trouxe para casa outra mulher. A mãe toma o
espelho, olha-o e diz à filha: — Fica sossegada: é tão velha e tão feia!
Veja mais aqui.
ELEGIA & SONETO, QUANDO
CHEGAR A HORA – No livro
Só (1892), do poeta português António
Nobre, encontro inicialmente o poema Quando chegar a hora: Quando Chegar a Hora / Quando eu, feliz!
morrer, / ouça, Sr. Abbade, Ouça isto que lhe peço: / Mande-me abrir, alli, uma
cova / À vontade, / Olhe: eu mesmo lh'a meço... / O coveiro não poderá fazer sempre
tão baixas... O não poderá ir: / Diga ao moço, que tem a pratica das sachas, / Que
m'a venha elle abrir. / E o sineiro que, em vez de dobrar a finados, / Que
toque a Aleluia! / Não me diga orações, que eu não tenho peccados: / A minha
alma um dia! / Será meu confessor o vento, e a luz do raio / A minha Extrema-Unção!
/ E as carvalhas (chorae o poeta, encommendae-o!) / De padres farão. / Mas as
aguias, um dia, em bando como astros, / Virão devagarinho, E hão-de exhumar-me
o corpo e leval-o- de rastros, / Em tiras, para o ninho! / E ha-de ser um
deboche, um pagode, o demonio, / N'aquelle dia, ai! Aguias! sugae o sangue a
vosso filho Antonio, / Sugae! sugae! sugae! Raro tão de comer. / A pobreza
consome / As aguias, coitadinhas! / Ao menos, n'esse dia, eu matarei a fome / A
essas desgraçadinhas... / De que serve, Sr. Abbade! o nosso pacto: / Não me
lembrei, não vi / Que tinha feito com as aguias um contrato, / No dia em que
nasci. Também o seu Elegia: Ó virgens que passais, ao sol poente, / Pelas estradas
ermas, a cantar: / Eu quero ouvir uma canção ardente / Que me recorde as
afeições do lar. / Cantai-me, n´essa voz omnipotente, / O sol que tomba,
aureolando o mar, / A fartura da seara reluzente, / O vinho, a graça, a
formosura, o luar! / Cantai, cantai as límpidas cantigas! / Das ruínas do meu
lar desenterrai / Todas aquelas ilusões antigas / Que eu vi morrer n- um sonho
como um ai... / Ó suaves e frescas raparigas, / Adormecei-me n´essa voz...
Cantai! Por fim, o seu Soneto: Meus dias de rapaz, de adolescente, / Abrem
a boca a bocejar, sombrios: / Deslizam vagarosos, como os Rios, / Sucedem-se
uns aos outros, igualmente. / Nunca desperto de manhã, contente. / Pálido
sempre com os lábios frios, / Ora, desfiando os meus rosários pios... / Fora
melhor dormir, eternamente! / Mas não ter eu aspirações vivazes, / E não ter
como têm os mais rapazes, / Olhos boiados em sol, lábio vermelho! / Quero
viver, eu sinto-o, mas não posso: / E não sei, sendo assim enquanto moço, / O
que serei, então, depois de velho. Veja mais aqui.
OS TEMAS DO TEATRO DA
CRUELDADE – Na obra O teatro e o seu duplo (Martins Fontes,
1993), do poeta, ator, dramaturgo e diretor de teatro francês Antonin Artaud
(1896-1948), o autor trata dos temas inerentes ao teatro da crueldade no seu
primeiro manifesto: [...] Não se trata de
arrastar o público com preocupações cósmicas transcendentes. Que haja chaves
profundas do pensamento e da ação pelas quais se possa interpretar todo o
espetáculo, não é coisa que diga geralmente respeito ao espectador que nem por
tal se interessa. Todavia, tais preocupações têm de estar presentes; e, além
disso, dizem-nos respeito. O ESPETÁCULO: Não haverá nenhum espetáculo que não
contenha um elemento físico e objetivo, sensível a todos. Gritos, gemidos,
aparições, surpresas, golpes de teatro de toda a casta, a beleza mágica do
vestuário inspirada em certos modelos rituais. Resplendor da iluminação, beleza
de sortilégio das vozes, sedução da harmonia, notas raras da música, cores dos
objetos, ritmo físico dos movimentos cujo crescendo e decrescendo se conjugará
com a pulsação dos movimentos familiares a todos, aparições concretas de
objetos novos e surpreendentes, mascaras, manequins de vários metros de tamanho,
alterações bruscas da luz, ação física da luz que suscita o calor e o frio,
etc. A ENCENAÇÃO – É em torno da encenação, considerada não como um simples
grau de refração dum texto sobre o palco, mas como o ponto de partida de toda a
criação teatral, que se constituirá a linguagem típica do teatro. E é na
utilização e na manipulação desta linguagem que se dissolverá a velha dualidade
do autor e do encenador, substituídos por uma espécie de criador único a quem
caberá a responsabilidade dupla do espetáculo e da ação. [...] Veja mais
aqui, aqui, aqui e aqui.
JARDIM DAS FOLHAS SAGRADAS - O drama O jardim das folhas sagradas (2011), dirigido pelo cineasta,
comunicador e gestor público brasileiro Pola
Ribeiro, com roteiro do diretor e Henrique Andrade, conta a história de um
bancário negro e bissexual bem sucedido, casado com uma mulher branca e de
crença evangélica. Ele vive na Salvador contemporânea e recebe a incumbência de
montar um terreiro de candomblé no espaço urbano. Para isto, enfrentará a
especulação imobiliária numa cidade de crescimento vertiginoso, preconceito
racial e intolerância religiosa. Este homem, embora questione a tradição da
própria religião, tem a missão de montar um ambiente sagrado e de respeito à
natureza, superando as contradições e conflitos trazidos pela modernidade. Veja
mais aqui.
IMAGEM DO DIA
Charge & capa do livro Os broncos também amam (L&PM, 2007),
do chargista Angeli.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Some Moments, a partir das
21hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação sempre especial e
apaixonante de Meimei Corrêa &
Verney Filho. E para conferir online acesse aqui.
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