sábado, setembro 26, 2015

GERSHWIN, HEIDEGGER, ELIOT, VERÍSSIMO, LUCINDA, GÉRICAULT & SANDRA REGINA!

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? DE PERTO NINGUÉM É NORMAL – Estava eu devida e confortavelmente aboletado e mais que maravilhado no maior estado de graça com a competência e dedicação da professora Janne Eyre, quando me passou pela memória um trecho duma canção de Caetano Veloso: - De perto ninguém é normal! Nada mais teibei na constatação que isso! E eu lá num misto entre curioso e espantado com um clássico caso de lobotomia acidental, ocorrido em 1848, e denominado de Caso Gage, envolvendo o operário estadunidense Phineas Gage (1822-1861). Seguinte: o cara era um daqueles sujeitos bem quisto por todos. Pai de família correto, empenhado profissionalmente, atencioso e cordial com conhecidos e desconhecidos, moral irrepreensível e amado por todos, mesmo levando em consideração a nossa peculiar superestimação nas qualidades de qualquer vítima do mais pavoroso infortúnio. No amiudado: o melhor cara do mundo, um santo em pessoa que desfilava dando até pra imaginar a existência duma a auréola beatífica na cabeça dele. É isso. E isso até o dia em que ele saiu de casa cantarolando Cotidiano de Chico Buarque, não antes dar o costumeiro beijo de despedida na mulher – só que nem ela nem ele sabiam que poderia ser o último ou quase o último da vida deles -, e sair entre assobios e bom dia na saudação com todos do trajeto de seu lar pro trabalho. Era um dia de branco como outro qualquer. Organizou-se para o desempenho de suas funções profissionais, apropriou-se dos apetrechos laborais e foi de corpo e alma para mais um dia de labuta. Eis que a certa altura dos afazeres, dominando por completo o seu metier, altivo senhor da situação, manipulava ele explosivos solfejando uma cantiga de memória, quando, inadvertidamente, negligencia lá um procedimento corriqueiro pra ele e quase sem nenhuma valia na hora e por isso, sem mais nem menos, provoca um pipoco do estopô calango, de todo mundo correr e esperar baixar a poeira para ver o que havia sucedido. Ocorre que num revestrés do muito arretado, uma barra de metal atinge sua face esquerda e perfura o seu cérebro, especificamente o lobo frontal. Um acidente grave, mas ele sobrevive, graças! Corre corre da pega, levaram-no pro hospital ainda com o barrete enfiado na cara, conseguindo, enfim, com meticuloso trabalho médico retirar-lhe o entrave sem causar-lhe danos mais profundos e deixá-lo vivinho da silva pra contar história. E contou mesmo. Ficou caolho, mas não quis ser pirata. Feioso, assumiu a feiúra e, quase um Charlie Chaplin, ele não só contou como se tornou autor e protagonista ao mesmo tempo da própria história. Bem. É que passado alguns dias ele começou a apresentar sinais de violência progressiva nunca antes verificado no seu comportamento do dia a dia. Passou a se irritar com facilidade, sua moral abalada foi decaindo vertiginosamente, tornou-se irresponsável com uma irreverencia nunca vista e perdeu completamente o interesse pelas coisas espirituais. Quer dizer, esse não era mais o Phineas Gage que todo mundo estava acostumado a conviver. Era outro depois do acidente. E muito diferente. Era tão outro que, não sendo besta que nem eu, tirou proveito da sua sina e começou a dar espetáculos, apresentando-se como o cara que bateu as botas e foi pro Hades, encarou a morte e disse pra ela esperar por ele noutra que agora ele queria mostrar como se safar dum baque raçudo e tataritaritatá. Virou a maior atração do momento, o roliúde mesmo. Mas o que me chamou muito mais minha atenção, não foi o caso em si. Foi tomar conhecimento das mudanças comportamentais e de personalidade previstas quando da ocorrência de danos ou lesões do lobo frontal do cérebro humano. Entre as consequências desses danos ou lesões, pode acontecer a procura pela satisfação imediata. Êpa! Quem não está? Conheço um punhado de gente com isso. Outra: tendência a culpar os outros por seus problemas. Cuma? Tá piorando. Ora, ora, isso é mais comum que fazer qualquer conta daquela bem grandona e, no final, dá tudo errado. Mais outras: perda do sentido moral, irresponsabilidade, indisciplina, perda do sentido moral, perda das ligações sociais... Vixe! Tá parecendo mais com os Fabos que viraram políticos no Brasil. Mais: incapacidade de analise e de avaliação correta... danou-se! O que tem de analfabeto funcional por aí não tá no gibi. E mais: perda de sensibilidade e noção dos limites, como apresentação de agressividade, antipatia, hostilidade... Ave! Tô perdido. Mas tem mais: capacidade diminuída para cálculos matemáticos e de memória, em especial eventos recentes, afora a apatia e indiferença perante a situação pessoal. Lascou. Minha nossa! Aí cheguei pra professora e perguntei: - Professora, a senhora tirou meu retrato, foi? E ela, coitada, com a sua inocente forma de ser, virou-se pra mim interrogativa: - Por que? Ué, isso aí sou eu cagado e cuspido, ora. E mais: conheço uma tuia de gente que é assim mesmo, talqualzinha. Será que tá todo mundo com o lobo frontal danificado? Nossa! Ela sorria com o meu exagero, levando na conta do amostramento, apenas. Mas não era só isso. Ué, reveja uma por uma das consequências e diga se não é a certidão da gente hoje! Pra quem, como eu, é do tempo em que neurose era pior que a frebe do rato - (sic), não é febre, é frebe mesmo, aquela que é pior que câncer, aids e todas as maledicências de Pandora juntas num balaio só –, imagine nesse tempo umbigocentrista de oniomania! Eu mesmo já assumi publicamente: não tenho a menor sanidade mental. E ponto final. Veja mais aqui.


Imagem: Three Lovers (1817-20), do pintor e litógrafo francês Théodore Géricault (1791-1824)


Curtindo Rapsody in Blue (1924), do compositor estadunidense George Gershwin (1898-1938), with Eastman Rochester Symphony Orchestra, Eugene List & Howard Hanson, Antal Doráti, Minneapolis Symphony Orchestra. Veja mais aqui.

O NADA E O TÉDIO - No livro Que é metafísica? (Livraria Duas Cidades, 1969), do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), encontro o trecho que o autor fala a respeito do nada e o tédio: [...] Primeiramente e o mais das vezes o homem somente então é capaz de buscar se antecipou a presença do que busca. Agora, porém, aquilo que se busca é o nada. [...] Seja como for, nós conhecemos o nada, mesmo que seja apenas aquilo sobre o cotidianamente falamos inadvertidamente. Podemos até, sem hesitar, ordenar numa definição este nada vulgar, em toda palidez do óbvio, que tão discretamente ronda nossa conversa: o nada é a plena negação da totalidade do ente. [...] A totalidade do ente deve ser previamente da para que possa ser submetida enquanto tal simplesmente à negação, na qual, então, o próprio nada se deverá manifestar. [...] Tão certo como é que nós nunca podemos compreender a totalidade do ente em si e absolutamente, tão evidente é, contudo, que nos encontramos postados em meio ao ente de algum modo desvelado em sua totalidade. E está fora de dúvida que subsiste uma diferença essencial entre compreender a totalidade do ente em si e o encontrar-se em meio ao ente em sua totalidade. Aquilo é fundamentalmente impossível. Isto, no entanto, acontece constantemente em nossa existência. Parece, sem dúvida, que, em nossa rotina cotidiana, estamos presos sempre apenas a este ou àquele ente, como se estivéssemos perdidos neste ou naquele domínio do ente. Mas, por mais disperso que possa parecer o cotidiano, ele retem, mesmoque vagamente, o ente numa unidade de totalidade. Mesmo então e justamente então, quando não estamos propriamente ocupados com as coisas e com nos mesmos, sobrevem-nos este em totalidade, por exemplo, no tedio propriamente dito. Este tédio ainda está muito longe de nossa experiência quando nos entedia exclusivamente este livro ou aquele espetáculo, aquela ocupação ou este ócio. Ele desabrocha se a gente está entediado. O profundo tédio, que como névoa silenciosa desliza para cá e para lá nos abismos da existência, nivela todas as coisas, os homens e a gente mesmo com elas, numa estranha indiferença. Este tedio manifesta o ente em sua totalidade. [...] Veja mais aqui, aqui e aqui.


ELA – No livro O nariz e outras crônicas (Ática, 2003), do escritor, cartunista, tradutor, roteirista e autor teatral Luis Fernando Veríssimo, encontro a deliciosa crônica Ela: Ainda me lembro do dia em que ela chegou lá em casa. Tão pequenininha! Foi uma festa. Botamos ela num quartinho dos fundos. Nosso Filho – Naquele tempo só tinha o mais velho – ficou maravilhado com ela. Era um custo tirá-lo da frente dela para ir dormir. Combinamos que ele só poderia ir para o quarto dos fundos depois de fazer todas as lições. - Certo, certo.- Eu não ligava muito para ela. Só para ver um futebol ou política. Naquele tempo, tinha política. Minha mulher também não via muito. Um programa humorístico, de vez em quando. Noites Cariocas… Lembra de Noites Cariocas? - Lembro vagamente. O senhor vai querer mais alguma coisa? E me serve mais um destes. Depois decidimos que ela podia ficar na copa. Aí ela já estava mais crescidinha. Jantávamos com ela ligada, porque tinha um programa que o garoto não queria perder. Capitão Qualquer Coisa. A empregada também gostava de dar uma espiada. José Roberto Kely. Não tinha um José Roberto Kely? - Não me lembro bem. O senhor não me leva a mal, mas não posso servir mais nada depois deste. Vamos fechar. - Minha mulher nem sonhava em botar ela na sala. Arruinaria toda a decoração. Nesa época já tinha nascido o nosso segundo filho e ele só ficava quieto, para comer, com ela ligada. Quer dizer, aos pouco ela foi afetando os hábitos da casa. E então surgiu surgiu um personagem novo nas nossas casas que iria mudar tudo. Sabe quem foi? - Quem? - O Sheik de Agadir. Eu, se quizesse, poderia processar o Sheik de Agadir. Ele arruinou o meu lar. - Certo. Vai querer a conta? - Minha mulher se apaixonou pelo Sheik de Agadir. Por causa dele, decidimos que ela poderia ir para a sala de visitas. Desde que ficasse num canto, escondida, e só aparecesse quando estivesse ligada. Nós tinhamos uma vida social intensa. Sempre iam visitas lá em casa. Também saíamos muito. Cinema, Teatro, jantar fora. Eu continuava só vendo futebol e notícia. Mas minha mulher estava sucumbindo depois do Sheik de Agadir, nao queria perder nenhuma novela. - Certo. Aqui está a sua conta. Infelizmente temos que fechar o bar. - Eu não quero a conta. Quero outra bebida. Só mais uma. - Está bem… Só mais uma. - Nosso filho menor, o que nesceu depois do Sheik de Agadir, não saía de frente dela. Foi praticamente criado por ela. É mais apegado à ela do que a própria mãe. Quando a mãe briga com ele, ele corre pra perto dela pra se proteger. Mas onde é que eu estava? Nas novelas. Minha mulher sucumbiu às novelas. Não queria mais sair de casa. Quando chegava visita, ela fazia cara feia. E as crianças, claro só faltavam bater em visita que chegasse em horário nobre. Ninguém mais conversava dentro de casa. Todo mundo de olho grudado nela. E então aconteceu outra coisa fatal. Se arrependimento matasse… - Termine a sua bebida, por favor. Temos que fechar. - Foi a copa do mundo. A de 74. Decidi que para as transmissões da copa do mundo ela deveria ser bem maior. E colorida. Foi a minha ruína. Perdemos a copa, mas ela continua lá, no meio da sala. Gigantesca. É o móvel mais importante da casa. Minha mulher mudou a decoração da casa para combinar com ela. Antigamente ela ficava na copa para acompanhar o jantar. Agora todos jantam na sala para acompanhá-la. - Aqui está a conta. - E, então, acontecu o pior. Foi ontem, hora do Dancin´Days e bateram na porta. Visitas. Ninguém se mexeu. Falei para a empregada abrir a porta, mas ela fez “Shhh!” sem tirar os olhos da novela. Mandei os filhos, um por um, abrirem a a porta, mas eles nem me responderam. Comecei a me levantar. E então todos pularam em cima de mim. Sentaram no meu peito. Quando comecei a protestar, abafaram o meu rosto com a almofada cor de tijolo que minha mulher comprou para combinar com a maquiagem da Júlia. Só na hora do comercial, consegui recuperar o ar e aí sentenciei, apontando para ela ali, impávida no meio da sala: “Ou ela, ou eu!”. O silêncio foi terrível. - Está bem… mas agora vá para casa que precisamos fechar. Já está quase clereando o dia… - Mais tarde, depois da Sessão Coruja, quando todos estava dormindo, entrei na sala, pé ante pé. Com a chave de parafuso na mão. Meu plano era atacá-la por trás, abri-lá e retirar uma válvula qualquer. Não iria adiantar muita coisa, eu sei. Eles chamariam um técnico às pressas. Mas era um gesto simbólico. Ela precisava saber quem é que mandava dentro de casa. Precisava sabe que alguém não se entregava completamente a ela, que alguém resistia. E então, quando me preparava para soltar o primeiro parafuso, ouvi a sua voz. “Se tocar em mim você morre”. Assim com toda a clareza. “Se tocar em mim você morre”. Uma voz feminina, mas autoritária, dura. Tremi. Ela podia estar blefando, mas podia não estar. Agi depressa. Dei um chute no fio, desligando-a da tomada e pulei para longe antes que ela revidasse. Durante alguns minutos, nada aconteceu. Então ela falou outra vez. ” Se não me ligar outra vez em um minuto, você vai se arrepender”. Eu não tinha alternativa. Conhecia o seu poder. Ela chegara lá em casa pequenininha e aos poucos foi crescendo e tomando conta. Passiva, humilde, obediente. E vencera. Agora chegara a hora da conquista definitiva. Eu era o único empecilho à sua dominação completa. Só esperava om pretexto para me eliminar com um raio catótico. Ainda tentei parlamentar. Pedi que ela poupasse a minha vida. Perguntei o que ela queria, afinal. Nada. Só o que ela disse foi “Você tem 30 segundos”. - Muito bem. Mas preciso fechar. Vá para casa. - Não posso. -Por quê? - Ela me proibiu de voltar lá. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

A CANÇÃO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK – No livro Poesia (Nova Fronteira, 1981), do poeta, dramaturgo, crítico literário inglês e Prêmio Nobel de 1948, Thomas Stearns Eliot (1888-1965), encontro o belíssimo poema A canção de amor de J. Alfred Prufrock, numa tradução de Ivan Junqueira: Sigamos então, tu e eu, / Enquanto o poente no céu se estende / Como um paciente anestesiado sobre a mesa; / Sigamos por certas ruas quase ermas, / Através dos sussurrantes refúgios / De noites indormidas em hotéis baratos, / Ao lado de botequins onde a serragem / Às conchas das ostras se entrelaça: / Ruas que se alongam como um tedioso argumento / Cujo insidioso intento / É atrair-te a uma angustiante questão... / Oh, não perguntes: "Qual?" / Sigamos a cumprir nossa visita. / No saguão as mulheres vêm e vão / A falar de Miguel Ângelo. / A fulva neblina que roça na vidraça suas espáduas, / A fumaça amarela que na vidraça seu focinho esfrega / E cuja língua resvala nas esquinas do crepúsculo, / Pousou sobre as poças aninhadas na sarjeta, / Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chaminés, / Deslizou furtiva no terraço, um repentino salto alçou, / E ao perceber que era uma tenra noite de outubro, / Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu. / E na verdade tempo haver á / Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça, / Roçando suas espáduas na vidraça;/ Tempo haverá, tempo haverá/ Para moldar um rosto com que enfrentar / Os rostos que encontrares; / Tempo para matar e criar, / E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos / Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão; / Tempo para ti e tempo para mim, / E tempo ainda para uma centena de indecisões, / E uma centena de visões e revisões, / Antes do chá com torradas. / No saguão as mulheres vêm e vão / A falar de Miguel Ângelo. / E na verdade tempo haverá / Para dar rédeas à imaginação. / "Ousarei" E . . "Ousarei?" / Tempo para voltar e descer os degraus, / Com uma calva entreaberta em meus cabelos / (Dirão eles: "Como andam ralos seus cabelos!") / - Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o queixo, / Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete apruma / (Dirão eles: "Mas como estão finos seus braços e pernas!") / - Ousarei / Perturbar o universo? / Em um minuto apenas há tempo / Para decisões e revisões que um minuto revoga. / Pois já conheci a todos, a todos conheci / - Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes, / Medi minha vida em colherinhas de café; / Percebo vozes que fenecem com uma agonia de outono / Sob a música de um quarto longínquo. / Como então me atreveria? / E já conheci os olhos, a todos conheci / - Os olhos que te fixam na fórmula de uma frase; / Mas se a fórmulas me confino, gingando sobre um alfinete, / Ou se alfinetado me sinto a colear rente à parede, / Como então começaria eu a cuspir / Todo o bagaço de meus dias e caminhos? / E como iria atrever-me? / E já conheci também os braços, a todos conheci / - Alvos e desnudos braços ou de braceletes anelados / (Mas à luz de uma lâmpada, lânguidos se quedam / Com sua leve penugem castanha!) / Será o perfume de um vestido / Que me faz divagar tanto? / Braços que sobre a mesa repousam, ou num xale se enredam. / E ainda assim me atreveria? / E como o iniciaria? / ....... Diria eu que muito caminhei sob a penumbra das vielas / E vi a fumaça a desprender-se dos cachimbos / De homens solitários em mangas de camisa, à janela debruçados? / Eu teria sido um par de espedaçadas garras / A esgueirar-me pelo fundo de silentes mares. / ...... E a tarde e o crepúsculo tão .docemente adormecem! / Por longos dedos acariciados, / Entorpecidos... exangues... ou a fingir-se de enfermos, / Lá no fundo estirados, aqui, ao nosso lado. / Após o chá, os biscoitos, os sorvetes, / Teria eu forças para enervar o instante e induzi-lo à sua crise? / Embora já tenha chorado e jejuado, chorado e rezado, / Embora já tenha visto minha cabeça (a calva mais cavada) / servida numa travessa, / Não sou profeta - mas isso pouco importa; / Percebi quando titubeou minha grandeza, / E vi o eterno Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu sobretudo. / Enfim, tive medo. / E valeria a pena, afinal, / Após as chávenas, a geléia, o chá, / Entre porcelanas e algumas palavras que disseste, / Teria valido a pena / Cortar o assunto com um sorriso, / Comprimir todo o universo numa bola / E arremessá-la ao vértice de uma suprema indagação, / Dizer: "Sou Lázaro, venho de entre os mortos, / Retorno para tudo vos contar, tudo vos contarei." / - Se alguém, ao colocar sob a cabeça um travesseiro, / Dissesse: "Não é absolutamente isso o que quis dizer / Não é nada disso, em absoluto". / E valeria a pena, afinal, / Teria valido a pena, / Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio, / Após as novelas, as chávenas de chá, após / O arrastar das saias no assoalho / - Tudo isso, e tanto mais ainda? - / Impossível exprimir exatamente o que penso! / Mas se uma lanterna mágica projetasse / Na tela os nervos em retalhos... / Teria valido a pena, / Se alguém, ao colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale às  pressas, / E ao voltar em direção à janela, dissesse: / "Não é absolutamente isso, / Não é isso o que quis dizer, em absoluto." / Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo. / Sou um lorde assistente, o que tudo fará / Por ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas, / Aconselhar o príncipe; enfim, um instrumento de fácil manuseio, / Respeitoso, contente de ser útil, / Político, prudente e meticuloso;/ Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso; / As vezes, de fato, quase ridículo / Quase o Idiota, às vezes. / Envelheci... envelheci... /Andarei com os fundilhos das calças amarrotados. / Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um pêssego? / Vestirei brancas calças de flanela, e pelas praias andarei. / Ouvi cantar as sereias, umas para as outras. / Não creio que um dia elas cantem para mim. / Vi-as cavalgando rumo ao largo, / A pentear as brancas crinas das ondas que refluem / Quando o vento um claro-escuro abre nas águas. / Tardamos nas câmaras do mar / Junto às ondinas com sua grinalda de algas rubras e castanhas / Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos. 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POESIA, TEATRO, CINEMA & TELEVISÃO - A poeta, jornalista, cantora e atriz Elisa Lucinda, começou sua carreira no teatro em 1986, no Rio de Janeiro, trabalhando em peças como Rosa, um musical brasileiro e Nukowski, bicho solto no mundo. A partir daí, passou a desenvolver sua carreira por meio dos inúmeros espetáculos e recitais em teatros, escolas e empresas. No cinema, ela estreia no filme Barrela (1990), depois participou do elenco de A causa secreta (1994), O testamento do senhor Nepomuceno (1997), A morte da mulata (2001), Seja o que Deus quiser (2002), As alegres comadres (2003), Gregório de Matos (2003) e foi premiada na película A ultima estação (2012). Ela fundou e mantem a Casa-Poema, em Itaúnas, no Espírito Santo, uma instituição socioeducativa de capacitação de profissionais através da poesia falada, expressão e formação cidadã. Também desenvolve em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o projeto Palavra de Polícia, Outras Armas, ensinando poesia falada aos profissionais de segurança com os princípios dos direitos humanos. Criou a Companhia da Outra, grupo teatral em parceria com Geovana Pires, desenvolvendo sua linguagem de teatral através da poesia. Por toda sua trajetória, aplausos de pé pra essa atriz de teatro, cinema e televisão. Veja mais aqui, aqui e aqui.

O NÃO SEI DAS MULHERES – O filme It (O não Sei que das Mulheres, 1927), é um longa metragem mudo comédia romântica, produzido e dirigido por Clarence G. Badger e Josef von Sternberg, baseado no romance escrito por Elinor Glyn, contando a história de uma jovem moça que se apaixona pelo filho do seu empregador, que se torna gerente e herdeiro da maior loja do mundo. Como eles pertencem a classes sociais diferentes, pra decepção dela, ele está apaixonado por uma socialite. Ela consegue ganhar a atenção dele, mas logo o esbofeteia quando ele tenta beijá-la e vai embora por isso. A história vai se desenrolando que os desencontros entre eles, até que numa viagem a trama chega ao ápice. O destaque do filme vai para a atriz estadunidense Clara Bow (1905-1965), que se tornou a estrela de maior magnitude, sendo conhecida como It Girl. Veja mais aqui.

VISITA INTIMA - Acontecerá no próximo dia 03 de outubro, a partir das 15hs, no Auditório da Biblioteca de São Paulo (BSP), o lançamento do livro Visita íntima, da poeta, compositora e blogueira Sandra Regina, pela Editora Reformatório e com apresentação de Luiz Alberto Mendes. Segundo release do evento, "Visita íntima" é um convite às sensações, aos desejos de plenitude cabíveis ou não no corpo físico. Poemas que versam sobre esperas, contatos e ausência. Amores incondicionalmente presos às convicções libertárias, com duração limitada e restrições. Os poemas são apresentados como um roteiro, um guia. E vão revelando a dor e solidão de quem vive à mercê das visitas que lhe são feitas, alguém que vive à espera do ser amado enclausurado numa cela, seja de uma cadeia, ou na imposta pelos limites do tempo/espaço. Ela edita os ótimos blogs Feita em versos e De tudo fica um conto. Imperdível. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
Medusa, do artista multimídia e fotógrafo Sérgio Valle Duarte.


Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa Noite Romântica, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Na programação: Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na madrugada Hot Night, uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui.

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CHRISTINA VASSILEVA, KATHERINE JOHNSON, MARTÍN-BARÓ, JOÃO CABRAL & MATA SUL INDÍGENA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Mistérios do Rio Lento (The Voice of Lyrics, 1998), Santiago de Murcia: a portrait (Frame,...