terça-feira, fevereiro 27, 2024

OLGA RAVN, MARIANNE VAN HIRTUM, JAMES CLEAR & BABAU DA MÃO MOLENGA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som de Der Freischütz J277: Overture (1997), da maestrina e compositora australiana Simone Young, regendo a NHK Symphony Orchestra.

 

SE DEU NÓ CEGO, VAMBORA DESATAR!... - Raiou o dia e quem saiu de casa guardou a direção do aceno. Outras são as instâncias do coração se não souber aonde vai dar o trajeto, qual lonjura de cafundó ou rincão. De uma hora pra outra perder-se é quase possível, nunca se sabe, nem sei quando, plagas outras à escolha. E a opção, mesmo muita, só uma. Voltar, refazer, outras alternativas pro tino. O que poderia ser não fazia a menor ideia: a vida nem sempre corre conforme pensa, às vezes passa sem noção. E o encontro, mais imprevisível. Assim a bela Senhora de Catuama, do alto de sua majestosa incandescência: O que é pragora não foi ontem nem amanhã, hoje se faz. A sede é grande e só resta o pó. Nó cego se desata. Trupé que seja, corre-se sempre o risco de cair na real, mesmo esvaindo-se entre golpes no perímetro da maldição ou bem-aventurança. Ainda ela Ann Leckie: A unidade implica a possibilidade de desunião. Começos implicam e exigem finais... Que cada ato seja justo, adequado e benéfico... Houvesse outro caminho, por certo, teria ido. Mas uma conversinha de pé-de-serra, clareando as ideias, não se abre facilmente a mão. Aí ela veio de Harold Pinter: Só se tem uma obrigação. Ser honesto. Não há mais nenhuma... Não existem distinções rígidas entre o que é real e o que não é, nem entre o que é verdade e o que é falso. Uma coisa não é necessariamente verdadeira ou falsa; pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo... Nunca entendi muito essas coisas, muitas vozes no pandemônio do percurso interminável, por enquanto. Sei de muita gente que peleja sem um terém sequer, com a teima de salvar o canavial que não mais prospera há tempo, como coisas que custam enterrar e soçobram à beira da cova. Muitos recorrem à possibilidade de ter um sobrenome por ostentar, malfadada toada de uma prosa de não sei quantos pungentes versos. As dissensões trôpegas levaram às piores caretas, até quem sumítico das meias palavras desse a cara à tabica da finitude. Os antes gestos medidos sacudiram todos, arregaçaram as mangas e o despudor na ponta da língua cuspiu o diabo no meio das deshoras e cada um segurou como podia as pisadas nos calos, a repugnância e o delírio - valiam-se do que sequer possuíam. Nada a fazer, porventura fosse apenas estado de ânimo. Ela assistia a tudo e de soslaio: Bem-aventurados os que guardam mapas na planta dos pés e a minúcia na raiz do sangue. Com um meio sorriso ela era Amber Dawn: Quando este parágrafo terminar, esta história será toda sua... Deu uma gargalhada e desenvultou. Antes uma fumaça de adeus, pelo menos, mas não: sumiu que nem o cheiro ficou. Ficou a pinoia. Mantive a rota e a sina: descer Valuna e todo lugar por aqui se parece Dogville, avalie! Até mais ver.

 

NOITE MATEMÁTICA

Imagem: Acervo ArtLAM.

I - Enquanto meu fogo ferve, enquanto a lua beija minha porta, \ o dia rasteja, não mais circunscrito \ pelo rastro fumegante das estrelas. \ Ali! — A caixa verde na clareira dos mundos. \ Seu rosto falava sem parar, em saltos de doçura desconhecida. \ “Chegou a hora”, diz ela, “seu vestido agora está pronto”. \ Ela aponta uma grande ponte de balança: aquela mesma \ onde as cegonhas passeavam de muletas. \ Pergunto a ela se há mais temporadas. \ “Não”, ela diz, “já que você está nu na vida dos homens”. \ Mas esses soldadinhos risonhos não me importam. \ A única coisa que conta é este corpo, cujo sangue derramei \ para descobrir um ninho de abelhas vermelhas, \ todas ocupadas bebendo no rio das mulheres bêbadas. \ Aqueles que tanto amamos! \ Aqueles que são as nacelas do ar, \ semelhantes às corujas decapitadas \ cujas cabeças giram. \ Esses são chamados de anjos \ porque são tão instruídos quanto os demônios. \ O coração deles é uma flor silvestre \ com mais pétalas do que lágrimas. \ Em lágrimas – às vezes – \ ela passeia, como num barco louro. \ Sua comida é feita de moscas mortas \ que negligenciamos, esquecidos como estamos \ do importante papel da Geometria Rainha. \ Esta flor é a palavra que minha boca está prestes a dizer. \ Ou então cale-se: \ pois a fechadura da minha boca não tem chave. \ Esta chave não tem sexo, meu coração bate \ ao vê-la chegando, \ tão azul, na grande noite colorida.

II - Os grandes animais saíram pelas portas das sombras. \ Um pouco mais tarde, eles retornaram pelo portal \ de lesa-majestade. \ Um grande leão, afogado, flutuava na água açucarada. \Que silêncio sombrio nos palácios de neve! \ Do céu caía um calor negro, \ enquanto as moscas longas e pálidas nos acompanhavam \ até a noite, às vezes pegando nossas mãos. \ A almofada azul estava perdendo sangue, \ que escorria em jatos rápidos, \ a margarida lunar casando-se com uma camada de gelo. \ Cidade atravessada por inúmeros castiçais. \ Na margem do preto-violeta, \ o querido Dinossauro se espreguiça, \ puxando o lençol até a boca.

III - Achando-os muito secos, \ levamos em macas, \ em paletes, em carrinhos de mão. \ Em tudo que achamos mais suspeito \ de matéria queimada. \ Dispersámo-nos nos dois sentidos, \ mas sem esquecer a rosa do deserto: \ ela ainda está viva nos cais das algas moribundas \ onde estremece uma última papoula, \ sendo apenas o armistício de si mesma. \ Dark era o filho-chacal das florestas, \ sentado em seus quadrados de vento e grama. \ E sombrios os macacos, sentados em melancolia: \ mostraram-nos apenas as suas luvas cinzentas infalíveis.

IV - O pelo de sementes prateadas não estrela \com misturas arriscadas as cavernas \ onde o Ser de touca de dormir \ abre sua porta de troncos negros soprada pelo vento. \ Uma risada demente, um fogo azul circundado de raios de vespas \ seria o seu olho ali, oh reciprocidade que sempre te suspende \ no limiar das cavernas rejeitadas? \ De dia, o grande Lustucru, ciclâmen de gelo, carrega seus passos \ nas costas, o hospital mascarado para a festa. \ Se em sua testa você desenvolver \ uma inteligência lúcida de perdiz, \ ainda assim seus olhos ocultos perderão os pelos de amianto. \ Uma fonte mais cega que um surdo feito de resina. \ Persiga esses trens de miséria \ nos trilhos flamejantes de um beijo. \ A caverna é feita de tecido iridescente \ para quem não consegue pegá-la com os dedos do Padre Egito. \ Um fardo de feno ridículo surge \ onde nossos leões jovens não dormem. \ Aqui ninguém está com a cabeça virada para trás. \ O relógio anda muito devagar. \ Vamos morrer cada vez mais! \ Já sinto seu sabor maravilhoso \ em meus dentes distantes.

Poemas da escritora & artista surrealista belga Marianne Van Hirtum (1935-1988).

 

QUE TRABALHO É ESSE... – [...] Você provavelmente diria que é um mundo pequeno, mas não se precisar limpá-lo. [...] Eu pareço um humano e me sinto como os humanos. Eu consisto nas mesmas partes. Talvez tudo o que seja necessário seja que você altere meu status em seus documentos? É uma questão de nome? Eu poderia ser humano se você me chamasse assim? [...] Por que tenho todos esses pensamentos se o trabalho que faço é principalmente técnico? Por que tenho esses pensamentos se estou aqui principalmente para aumentar a produção? De que perspectiva esses pensamentos são produtivos? Houve um erro na atualização? Se houvesse, gostaria de ser reiniciado. [...] Aqui não voamos sob o céu, mas através de um infinito adormecido. [...] Você pode dizer o que quiser, mas eu sei que você não quer que nos tornemos também, bem, o quê? Muito humano? Muito vivo? Mas gosto de estar vivo. Eu olho para as profundezas infinitas do lado de fora das janelas panorâmicas. Eu vejo um sol. Eu queimo como o sol queima. Eu sei, sem dúvida, que sou real. Posso ter sido feito, mas agora estou me fazendo. [...] Sou humano ou humanóide? Eu fui sonhado em existir? [...] Você acha que alguém vai se lembrar de nós? Quem se lembra daqueles que nunca nasceram, mas ainda assim vivem? [...] Todos os dias, minhas mãos anseiam por cavar fundo no solo para que eu possa mergulhar em sua certeza, e a terra receba minha morte e me torne sua. [...] Eu sei, sem dúvida, que sou real. Posso ter sido feito, mas agora estou me fazendo. [...] É por isso que vim vê-lo hoje, na esperança de que possa haver alguma outra função na qual eu teria menos responsabilidade, sem ter que me relacionar com o fluxo de trabalho geral na mesma medida. Eu gostaria de ser designado para esse tipo de posição. Sei que as habilidades que me foram atribuídas não serão totalmente exploradas nesse caso, mas a dor que sinto não significa nada? Atrevo-me a sugerir que tal dor impacta a qualidade do meu trabalho e, além disso, pode influenciar negativamente o trabalho dos meus colegas. OK. Eu vejo. Então eu não teria o poder da fala? Não, eu entendo. Eu, por meio deste, consinto. Quando [...] Eu também tenho em mim palavras apagadas que deveria ter dito e já não sei mais o que significam. [...] Sou uma romã madura com sementes úmidas, cada semente é uma matança que irei realizar em algum momento futuro. Quando não tiver mais sementes dentro de mim, quando não houver mais nada além de carne, quero conhecer o homem que me criou. [...] Sou como uma planta onde tudo murchou, exceto um único broto verde que ainda está vivo, e esse broto é meu corpo e minha mente, e minha mente é como uma mão, ela toca em vez de pensar. [...] É fácil conversar com você. Parece que tudo o que eu digo está certo. Eu falo e você escreve o que eu digo. [...]. Trechos extraídos da obra The Employees: A Workplace Novel of the 22nd Century (Lolli, 2020), da premiada escritora dinamarquesa Olga Ravn. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

POR QUE FATOS NÃO MUDAM NOSSA OPINIÃO – [...] Os humanos precisam de uma visão razoavelmente precisa do mundo para sobreviver. Se o seu modelo de realidade é totalmente diferente do mundo real, então você luta para tomar medidas eficazes todos os dias. No entanto, a verdade e a precisão não são as únicas coisas que importam para a mente humana. Os humanos também parecem ter um profundo desejo de pertencer. [...] Uma vez formadas as impressões são notavelmente perseverantes. [...] Apesar de suas crenças terem sido totalmente refutadas, as pessoas não conseguem fazer as revisões apropriadas nessas crenças [...] Compreender a verdade de uma situação é importante, mas permanecer parte de uma tribo também o é. Embora esses dois desejos muitas vezes funcionem bem juntos, ocasionalmente entram em conflito. [...] Convencer alguém a mudar de ideia é, na verdade, o processo de convencê-lo a mudar de tribo. Se abandonarem as suas crenças, correm o risco de perder os laços sociais. Você não pode esperar que alguém mude de ideia se você também tirar a comunidade dele. Você tem que dar a eles um lugar para ir. Ninguém quer que sua visão de mundo seja destruída se o resultado for a solidão. A maneira de mudar a opinião das pessoas é tornar-se amigo delas, integrá-las à sua tribo, trazê-las para o seu círculo. Agora, eles podem mudar suas crenças sem correr o risco de serem abandonados socialmente. [...] Talvez não seja a diferença, mas a distância que gera o tribalismo e a hostilidade. À medida que a proximidade aumenta, também aumenta a compreensão. [...] Há outra razão pela qual as más ideias continuam a existir: as pessoas continuam a falar sobre elas. O silêncio é a morte para qualquer ideia. Uma ideia que nunca é falada ou escrita morre com quem a concebeu. As ideias só podem ser lembradas quando são repetidas. Eles só podem ser acreditados quando são repetidos. Já mencionei que as pessoas repetem ideias para sinalizar que fazem parte do mesmo grupo social. Mas aqui está um ponto crucial que a maioria das pessoas não percebe: As pessoas também repetem ideias ruins quando reclamam delas. Antes de poder criticar uma ideia, você precisa fazer referência a essa ideia. Você acaba repetindo as ideias que espera que as pessoas esqueçam – mas, é claro, as pessoas não podem esquecê-las porque você continua falando sobre elas. Quanto mais você repete uma má ideia, maior é a probabilidade de as pessoas acreditarem nela. Vamos chamar esse fenômeno de Lei da Recorrência de Clear: o número de pessoas que acreditam em uma ideia é diretamente proporcional ao número de vezes que ela foi repetida durante o último ano – mesmo que a ideia seja falsa. Cada vez que você ataca uma má ideia, você está alimentando o mesmo monstro que está tentando destruir. [...] A maioria das pessoas argumenta para vencer, não para aprender. Como diz Julia Galef com tanta propriedade: as pessoas muitas vezes agem como soldados e não como batedores. Os soldados estão no ataque intelectual, procurando derrotar as pessoas que diferem deles. A vitória é a emoção operativa. Os escoteiros, por sua vez, são como exploradores intelectuais, tentando lentamente mapear o terreno com outros. A curiosidade é a força motriz. Se quiser que as pessoas adotem suas crenças, você precisa agir mais como um batedor e menos como um soldado. No centro desta abordagem está uma questão que Tiago Forte coloca lindamente: “Você está disposto a não vencer para manter a conversa?” [...] Quando você é gentil com alguém, significa que você o está tratando como uma família. Acredito que esse seja um bom método para realmente mudar a opinião de alguém. Desenvolva uma amizade. Compartilhe uma refeição. Presenteie um livro. Seja gentil primeiro, tenha razão depois... [...]. Trechos extraídos do estudo Why Facts Don’t Change Our Minds), do escritor estadunidense James Clear, autor da obra Atomic Habits: An Easy & Proven Way to Build Good Habits & Break Bad Ones (Avery, 2018), na qual ele expressa que: [...] Os humanos são animais de rebanho. Queremos nos ajustar, nos relacionar com outras pessoas e ganhar o respeito e a aprovação de nossos colegas. Essas inclinações são essenciais para nossa sobrevivência. Durante a maior parte de nossa história evolutiva, nossos ancestrais viveram em tribos. Ficar separado da tribo - ou pior, ser expulso - era uma sentença de morte. [...]. O autor neste sentido toca em aspectos importantes que refletem sobre o fato de o porquê as pessoas não mudarem de opinião, mesmo que suas crenças contrariem os fatos, a lógica e a sensatez quando elas estão convencidas que estão certas. Explica, portanto, como dialogar com pessoas irredutíveis, especialmente que não querem ouvir, com suas crenças e certezas inabaláveis, a outra face da realidade. Ele advoga a Lei da Recorrência de Clear que significa o efeito de mera exposição, ao abordar um tema que atravessa estudos da Agnotologia e da Etupidologia. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

BABAU, DE CARLA DENISE

[...] Eu estou em todo lugar... E lugar de mamulengo é aqui na terra mesmo, pra fazer a alegria do povo [...].

Trecho extraído da obra Babau ou a história da vida desembestada do homem que tentou engabelar a morte (Cubzac, 2012), da premiada jornalista, dramaturga, escritora, atriz e produtora cultural, Carla Denise, integrante do coletivo Mão Molenga Teatro de Bonecos. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

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terça-feira, fevereiro 20, 2024

NATALIE GOLDBERG, ANA MARÍA RODAS, HELEIETH SAFFIOTI, HOMENS & CARANGUEJOS

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som da Fantasia Sul América para violino solo (2022), do compositor Cláudio Santoro; do Canto dos Aroe (2021), do compositor Roberto Victorio; e Gestures – for solo violin (2022), de Arthur Kampela, todos na interpretação da premiada violinista e professora Mariana Isdebski Salles, autora dos livros Ciência na Arte - Arte na Ciência (Paka-Tatu, 2021) e Arcadas e golpes de arco (Thesaurus, 1998). Em parceria com a pianista Laís de Souza Brasil, lançou o cd Sonatas (ABM Digistal), do compositor Claudio Santoro; e, em parceria com o violoncelista Marcelo Salles, lançou o cd Mosaico (2005) e Mosaico II (2008), com peças para duo de violino e violoncelo de compositores brasileiros; e com o Deuxiéme Trio de Villa-Lobos, gravou o cd Fantasia para violino, violoncelo e piano de Franck Bridge e Trio de Michael Colina (2008). Veja mais aqui e aqui.

 

O BANQUETE & O PRECIPÍCIO (PISCAR DE OLHOS, A HESITAÇÃO E O ABISSAL)... - Quem não náufrago sobrevivente na roda-viva: apatetados metazoários, ruminantes do intelecto solitário, os Ocos de Eliot... Dá-se volta por cima até baixar a poeira porque nada se resolveu ou, se resolvido, nada deu fé. Só sortudo fora dessa! Pros do lado de cá a indagação de Lukáscs no pé do ouvido: Um estado de ânimo de permanente desespero com a situação mundial... quem nos salva da civilização ocidental?... Isso para quem nunca arregou da parada - mesmo que escorregasse pelo corredor público e desse num túnel sem saída como buraco sem fundo: tudo ruindo e o vexame diante do covil com toda contrafação no pé da venta – tem-se a impressão de que não passa de um impostor no buruçú do caos espaçado, valendo-se das sobras feito rufião aos gemidos na quase beatitude. É mesmo? Quem o faminto glutão engolindo tudo? Ah! É só deslembrar da morte esticando seus braços elásticos com as lâminas afiadas do tempo. É mesmo? Coisa besta, sai na urina. Ah, não, como escapar aos seus golpes letais, sem poder fazer nada, um gesto insólito, como dar de ombros, nada a ver, e tudo apodrecendo na chuvada da Ilha das Moscas de Golding. Sim, com Pampineia, Griselda de Vivaldi, Galeotto, meio mundo de gente, a discutir o que sobrou da Justiça, da Esperança, da Razão, levando lero da parábola dos anéis, os dedos que se foram, a ameaça da peste, da fome, dos monstros invisíveis e não sei lá o que mais, escorregando pelas dez jornadas de Boccaccio nas cenas de Pasolini. Danou-se! Leseira, sai nas coxas. Ah, tá! E do nada surgisse Anne Lamott: A esperança começa na escuridão, a teimosa esperança de que, se você simplesmente se levantar e tentar fazer a coisa certa, a manhã chegará. Você espera, observa e trabalha: você não desiste... E mais o patético escabroso das estranhas pelo intolerável soando nos tímpanos de forma ensurdecedora, inoculando o cinismo quase pueril. Como seria a morte? Ixe! Fogo pelando, água da muita, veneno cruel no que é fato e o que é valor, assim por diante - o desejável é seguir a lógica do xadrez dando conta do revogável. Vixe! Tem também o refutável e tudo o que foi violado, afora o protocolar considerado no acordo tácito, na ausência de domínio, tudo por conta de uma suposta isonomia. E é? Ousa-se, ataca-se até que um seja devidamente anulado com a última pá de cal. Aí, tá certo! E sacar Agneta Pleijel: Na batalha entre você e o mundo, fique do lado do mundo... Sacou? Dizem que o homem simples morreu na resiliência, chega dava gosto vê-lo romper a redoma e dormir com um olho só, avalie. Foi esfolado todo, quanta mofa. A desforra ficou nos galhos retorcidos da indiferença, intrusos fizeram a festa, quão leigos no ludíbrio das palavras e intenções, armadilhas sentimentais – será que vai nascer outro? A missão logo à tona, qual? Ah, o que mentem palavras, gestos e intenções, só equívocos. Nada, já dizia Péter Szondi: No seu lugar, uma época para a qual a originalidade é tudo reconhecer somente a cópia... Por pior que seja a súbita captura da esfinge há sempre a habituada potência da resposta estremecida, enganchada, exprimindo a miséria e a perigosa verdade para se salvar da tolice e ter o que bem possa merecer. É só uma primeira tábua em que possa se agarrar do insondável. Contudo, há de levar em consideração as armas em mãos inescrupulosas, a fome devorando, o monstro metendo medo, a desgraça irremediável, a sinceridade e a mentira alheia, quão falso e demasiado: o mundo saiu dos trilhos faz tempo. Mãos não se tocam, lábios não se beijam, braços não abraçam, pernas não se enroscam, pés não caminham, olhares não se veem, dengos não se procuram nem se satisfazem, corações não amam. Que raça é esta, hem? Nem sempre a união faz a força, às vezes rompe, opõe e dá num escambau cabeludo. Sobra o cuspe na cara: somos nossos próprios inimigos, uns aos outros, todos. Onde a obrigação de viver, a comida, a direção, só ódio e morte. Agora só na outra, meu. Viva! A vida é arte: vamos vidartear! Até mais ver.

 

TRÊS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

POETA - O antigo rito me possui \ Várias noites sem dormir \ depois que o rio de sangue cai \ Eu me afogo nele e renasço \ novo como uma moeda redonda \ como um sonho \ perfeito em minha dor \ lembrando apenas o suficiente do passado \ para construir a \ teia de aranha \ com a qual cubro minha cama de solteira.

EI - Novo amante: \ Quero te explicar bem que entre os seus olhos \ e os meus olhos \ só existe desejo. \Que sua pele branca às vezes escurece \ porque quem me marcou ainda está aqui. \ Gostaria de dizer seu nome e não posso \ porque quando abro a boca lembro de \ uma cama diferente, \ outros lábios bebendo meus seios. \ E quando eu choro \ e te agarro com tanta força \ eu não fico feliz, amor. \ É uma chama. II - Ok, \ estou preso, ciumento, inconstante \ e cheio de tesão \ O que você esperava? \ Que ele tinha olhos, \ glândulas, \ cérebro, trinta e três anos \ e agia \ como um cipreste no cemitério? III - Disseram que um poema \ deveria ser menos pessoal; \ Que falar de você ou de mim \ é coisa de mulher. \ O que não é sério. \ Felizmente ou infelizmente \ ainda faço o que quero. \ Talvez um dia eu use outros métodos \ e fale de forma abstrata. \ Agora só sei que se algo for dito \ deve ser sobre um assunto conhecido. \ Só sou honesto - e isso basta - \ quando falo das minhas próprias misérias e alegrias \ posso dizer que gosto de morangos, \ por exemplo, \ e que \ não gosto de algumas pessoas porque são hipócritas, cruéis \ ou simplesmente porque são estúpidas. \ Que não pedi para viver \ e que morrer não é algo que me atrai \ exceto quando estou deprimido. \ Que sou feito \ acima de tudo \ de palavras. \ Que para me expressar \ uso tinta e papel à minha maneira. \ Eu não posso evitar. \ Não importa o quanto eu tente, \ não escreverei um ensaio \ sobre a teoria dos conjuntos. \ Talvez mais tarde \ eu encontre outras formas de me expressar. \ Mas isso não importa para mim agora; \ Hoje vivo aqui e neste momento \ e sou eu \ e atuo como tal. \ De resto, lamento não ter agradado a todos. \ Acho que basta olhar para mim \ e tentar me aceitar \ com ossos, músculos, \ desejos e tristezas. \ E olhar pela porta e ver o mundo passar \ e dizer bom dia. Aqui estou eu. \ Mesmo que eles não gostem. \ Ver.

VAMOS VIVER VALÉRIA - Esqueçamos as coisas que dizem \ até aqueles que chegaram de barco \ do Adriático \ das Cíclades \ de Rodes. \Suas línguas viperinas \ , que poderiam muito bem ser melhor utilizadas em casos amorosos, \sibilaram o mal do cume do Citoro. \ Não, eles não ousam dizer seu nome, \ apenas sussurraram o meu \Sentem medo, \ são hipócritas, \ mentem com putinhas magrinhas, \ vão embora sem pagar o que é justo, que não é muito. \ Vamos viver Valéria, \ depois de milhares de anos \ haverá um poeta diferente \ que nos ensinará o nosso amor \ e criará outra Carmem \ que sonhará cheia de paixão \ Iremos longe \ Valéria \ nossa cama \ serão as estrelas.

Poemas da premiada escritora e jornalista guatemalteca Ana María Rodas. Veja mais aqui.

 

ESCREVER COM A ALMA – [...] Escreva o que te perturba, o que você teme, o que você não tem vontade de falar. Esteja disposto a ser dividido. [...] Somos importantes e nossas vidas são importantes, magníficas mesmo, e seus detalhes merecem ser registrados. É assim que os escritores devem pensar, é assim que devemos sentar-nos com a caneta na mão. Nós estávamos aqui; somos seres humanos; é assim que vivíamos. Que fique claro, a terra passou diante de nós. Nossos detalhes são importantes. Caso contrário, se não estiverem, podemos lançar uma bomba e isso não importa... Registrar os detalhes de nossas vidas é uma postura contra as bombas com sua capacidade de matar em massa, contra o excesso de velocidade e eficiência. Um escritor deve dizer sim à vida, a tudo na vida: aos copos de água, ao Kemp's meio a meio, ao ketchup no balcão. Não é tarefa do escritor dizer: “É estúpido viver numa cidade pequena ou comer num café quando se pode comer macrobióticos em casa”. A nossa tarefa é dizer um santo sim às coisas reais da nossa vida tal como elas existem – a verdade real de quem somos: vários quilos acima do peso, a rua cinzenta e fria lá fora, o enfeite de Natal na vitrine, o escritor judeu no cabine laranja em frente à amiga loira que tem filhos negros. Devemos nos tornar escritores que aceitam as coisas como elas são, passam a amar os detalhes e avançam com um sim nos lábios para que não haja mais nãos no mundo, nãos que invalidem a vida e impeçam que esses detalhes continuem. [...] Se você não tem medo das vozes dentro de você, não terá medo das críticas externas. [...] Escrevo porque estou sozinho e ando sozinho pelo mundo. Ninguém vai saber o que passou por mim... Escrevo porque há histórias que as pessoas esqueceram de contar, porque sou uma mulher tentando se destacar na minha vida... Escrevo por mágoa e como fazer magoar OK; como me fortalecer e voltar para casa, e esse pode ser o único lar verdadeiro que terei. [...] Brinque. Mergulhe no absurdo e escreva. Arrisque-se. Você terá sucesso se não tiver medo do fracasso. [...]. Trechos da obra Writing Down the Bones: Freeing the Writer Within (Shambhala, 2005), da escritora e pintora estadunidense Natalie Goldberg. Veja mais aqui.

 

A MULHER, ENFRENTANDO A VIOLÊNCIA - [...] Como isolar o conceito de gênero? Não se deve isolá-lo de seu contexto econômico, social e político. Aliás, eu utilizo cada vez menos esse conceito, porque gênero é um conceito a-político, a-histórico e bastante palatável. Tão palatável, que o Banco Mundial só financia projetos com recorte de gênero. Se fizermos referência à “ordem patriarcal de gênero”, os projetos, certamente, não serão contemplados com as verbas solicitadas. Mas o patriarcado está aí, presente em todas as relações humanas. Chegamos ao paradoxo de os homens sustentarem a existência do patriarcado e a maioria das feministas mulheres a negarem. [...] É óbvio que não existe ninguém que consiga ficar neutro diante de uma contenda. Tenho minha posição, pública e notória, mas não tenho filiação, porque não quero perder minha liberdade de pensamento. [...] Estamos entupidos de cristianismo e isso representa uma face do fundamentalismo. Odeio fundamentalismos. [...] Não há sequer uma totalidade social; mas tão somente caos. Não gosto do pensamento pós-moderno, porque é fragmentário e projeta essa fragmentação na realidade, quando, para mim, a sociedade é uma totalidade, e a crença nisso me fez progredir teoricamente. No Brasil, sou considerada a teórica feminista, o que não significa que não sei pensar em políticas públicas, nem tampouco que não existam outras estudiosas do tema, criando teorias. Estudo o tema violência com a finalidade de lançar políticas públicas para as mulheres, oferecendo-as aos governantes, cujos meios para sua implementação estão ao seu alcance. [...] Logo, não sou apenas teórica, gosto também de pensar nas práticas, embora não me vincule a nenhum movimento, mantendo muito boas relações com todos eles. Não me agrada nada, nada, esta divisão: feminismo acadêmico versus feminismo militante. No Brasil, a academia abriu, sem resistência digna de nota, suas portas à temática de gênero e, ademais, há um trânsito fácil entre acadêmicas e militantes, sem contar o fato de que muitas militantes são também acadêmicas ou, pelo menos, leem e discutem suas leituras, não sendo, por conseguinte, apenas militantes. [...] É claro que o espaço doméstico é eminentemente feminino, mas não é o espaço da privacidade. É o espaço do trabalho não reconhecido, do trabalho não pago, do trabalho doméstico. E por que razão não é o espaço da privacidade? Porque vige um regime social, político e econômico androcêntrico ou patriarcal ou viriarcal. Em outros termos, vivemos sob o patriarcado. [...] O homem cuidava da chácara, era caseiro, e a mulher era empregada doméstica. Quando ela se referia a relações sexuais com seu marido, sua linguagem relativa a seu marido era a seguinte: “quando ele quer me usar...”. Era essa a linguagem utilizada, nunca me esqueci; e já ouvi essa expressão sendo utilizada por muitas mulheres do Nordeste, que moram aqui, em São Paulo, de paulistas e de mulheres de outros recantos do país. Ou seja, elas se consideram objetos para o uso e o abuso do seu amo e senhor. [...] Hoje, já existe uma jurisprudência de cerca de mil e quinhentos casos. É, sem dúvida, importantíssima esta terceira permissiva penal para o aborto. Há muitas pessoas lutando para a aprovação da súmula vinculante, não apenas para poupar trabalho. O juiz de primeira instância é aquele que vai para o interior e não vê mais nada, não tem universidade na cidade onde atua, ele não dá aula, não estuda. Se há um conflito entre um artigo de qualquer código comercial, tributário, penal, civil, ou qualquer outra lei isolada, de uma parte, e, de outra parte, a Constituição, é obvio que prevalece a Constituição, pois é a Lei Magna do país. Mas os juízes não estudam mais, então não percebem que estamos em outro mundo, que a Constituição acabou por derrubar vários artigos do Código Civil e eles não podem atuar segundo aqueles artigos. [...] Nós não temos como estar apenas fora do gênero, nem nós mulheres, nem os homens. Como ficar fora do gênero? Isso é impossível. O que nós podemos é lidar com todas as matrizes que nós conhecemos, simultaneamente. Então, a minha maneira de criar, porque eu não sou nenhum gênio, é: eu leio um livro, absorvo aquilo que me parece interessante, e tento avançar. Tento avançar um pouco – a ciência avança milimetricamente. Uma grande descoberta é fruto do acaso, porque ninguém é tão inteligente para ter uma ideia brilhante por semana. Então, vou fazendo o que eu posso, que é caminhar assim na criação, milimetricamente. [...]. Trechos da entrevista concedida pela socióloga Heleieth Saffioti (1934-2010), extraída da publicação Heleieth Saffioti, uma pioneira dos estudos feministas no Brasil (Estudos Feministas - UFSC, 2011) de Luzinete Simões Minella. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

HOMENS & CARANGUEJOS, DE JOSUÉ DE CASTRO

[...] Da evasão daquela paisagem humana parada e monótona. Desejo imperioso de sair de tudo. De sair de dentro de si mesmo. De sair do círculo fechado da família. Do ciclo do caranguejo. Da cidade do Recife. Um desejo desesperado de arrebentar com todas as amarras que o ligam à lama pegajosa do vale do Capibaribe e às folhas viscosas do mangue. Sair vagando pelo mundo afora com os navios que passam ao largo da costa, soltando com indiferença um arrogante penacho de fumo por suas longas e grossas chaminés [...].

Trecho extraído da obra Homens e caranguejos (Bertrand Brasil, 2003), do médico, professor catedrático, pensador, ativista político e embaixador do Brasil na ONU, Josué de Castro (1908-1973). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 PS: Esta postagem é em homenagem a dois Joões coincidentemente de Araújo: o primeiro é professor e ESO em Língua Inglesa UFRPE, João Paulo Araújo e, o segundo, bibliotecário e parceiramigo da Biblioteca Fenelon Barreto, também, João Paulo Araújo.  Procês, zis abrações.

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terça-feira, fevereiro 06, 2024

ISABELLE STENGERS, IDEA VILARIÑO, TERESA CÁRDENAS & FREVO

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos frevos da Orquestra 100% Mulher, com a maestrina Carmen Pontes, e da Orquestra Só Mulheres, com a maestrina Lourdinha Nóbrega. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

IN MEDIA RES, ET CÉTERA... - Pronde fui, meio caminho andado e o centro losangular. O trâmite restringe-se a despovoado períneo: entre precipícios e intransponíveis colinas. Farta predaria pela íngreme odisseia solitária e aquela sensação de que não é bem assim que se faz, quantas coincidências – o corpo todo dói com alarme de imprevisível temporal. O que fiz até agora não rendeu nem durou, quem adivinharia. Foi tanto que em quinze dias perdi duas semanas: por trás de toda cortesia há sempre tantos presságios. Uma voz de mulher ecoa ao meu ouvido esquerdo dilatado. Na verdade, uma dupla voz que sussurra Elizabeth Bishop: Durante toda a minha vida vivi e me comportei como um maçarico correndo pelas bordas de diferentes países e continentes em busca de algo... Os carros blindados dos sonhos foram planejados para nos permitir fazer tantas coisas perigosas...Ademais, ando bastante envaidecido com o que dizem de mim os que me querem ver pelas costas. Similitudes de quem nunca foi convidado nem teve um lugar à mesa, qualquer canto aboletado depois de muito escorregar por cascas de banana atiradas propositalmente no trajeto. Uma coisa posso dizer: sou daqueles em que a queda sobe à cabeça, um expert – há anos fracasso da noite pro dia! Muito tenho resistido até o dia em que deixe de bancar o idiota! Ouço Laura Ingalls Wilder: Não há grande perda sem algum pequeno ganho... As verdadeiras coisas não mudaram. O melhor ainda é ser honesto e verdadeiro; aproveitar o máximo do que temos; ser feliz com os prazeres mais simples; e ter coragem quando as coisas derem errado... Cá comigo penso: quem se responsabilizaria pelas desgraças do passado se o futuro pertence a Deus, ora! O desastre sempre é precedido pela impressão de que tudo vai muito bem, tudo certo. Sei que qualquer um pode passar pro outro lado quando quiser, não me dou ao luxo. Amy Lowell que o diga: A vida é um riacho no qual espalhamos, pétala por pétala, a flor do nosso coração... E a sua simpatia afagou meu coração. Era como se me premiasse com ilécebra inelutável – o seu afetuoso olhar, sua fragrante presença, suas mãos dispostas carinhosamente sobre meu ombro envolvido por seu eflúvio ventral. Eu me sentia jogado, como se precisasse recolher minhas anotações espalhadas pelo chão: experiência de gostos que se perderam, coisas de antes e após, lacunas irreparáveis, o troco caído do bolso, guardanapo esquecido a levitar pelo vento que vinha do mictório, uma casca de romã e abotoaduras sobre o sentimento das gravatas que nunca usei, panapanás afugentando sonhos, um epitáfio qualquer e a necessidade de passar a limpo todo rascunho impreciso pelas luzes da cidade. Era como indagação pelo que fiz para ser recompensado: “Amanhã os pássaros cantarão”... O que fiz por merecer já não faz o menor sentido. Para cada acontecimento há infinitas versões. E a verdade quase não resiste à mínima insinuação, todos preferem o boato. Todo mundo quer o que não é da conta deles. Então, um fato é certo: os do contra sempre ganham. E é por isso que alguém só sobrevive por causa da completa ineficiência do outro. Do contrário já estaríamos todos liquidados. E o último a sair que pense com as pernas. Voo na noite alta. Até mais ver.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

O AMOR - Um pássaro me canta\ e eu lhe canto\ me gorjeia ao ouvido\ e lhe gorjeio\ me fere e eu o sangro\ me destroça\ o quebro\ me desfaz\ o rompo\ me ajuda o\ levanto\ pleno todo de paz\ todo de guerra\ todo de ódio de amor\ e solto\ geme sua voz e gemo\ ri e rio\ e me olha e o olho\ me diz e eu lhe digo\ e me ama e o amo\ – não se trata de amor\ damos a vida-\ e me pede e lhe peço\ e me vence e o venço\ e me acaba e o acabo.

DIGO QUE NÃO MORREU - Digo que não morreu\ eu não o creio\ – não o deixaram ser visto pelo irmão\ e tantas outras coisas –\ e além disso\ como ia morrer o Che\ quando restava\ tanta tarefa por fazer\ quando tinha \ que percorrer a América Latina\ formoso como um raio\ incendiando-a\ como um raio de amor\ destruindo e criando\ destruindo e criando, como em Cuba. Como ia\ morrer, o Che? \ Como ia morrer? Mas essa foto atroz\ aquela bota\ como partia a alma aquela bota\ a suja e norte-americana bota\ mostrando a ferida com desprezo. Não tenho que acreditar.\ Houve\ tantas contradições\ – não o deixaram ser visto pelo irmão –\ e o deram por morto tantas vezes.\ -Como ia morrer, o Che.\ Ele muito menos\ se ia deixar cercar nesse vale\ ia sair em um descampado\ ia se deixar\ estar ali\ a deixar\ que lhe estraçalhe as pernas a metralhadora. Eu não vou\ acreditar\ ainda que chore Cuba\ ainda que haja luto\ em toda a América Latina. Não tenho que acreditar. Um dia\ um belo dia se dirá… está no Brasil\ ou se levantará na Colômbia ou Venezuela\ a ajudar \ a ajudar-nos\ e nesse dia\ uma onda de amor americano\ moverá o continente\ levantará o Che da América. Não creio que morreu\ não posso crê-lo\ e não vou crê-lo\ ainda que o afirme o próprio Fidel Castro. Mas amigos\ irmãos\ não esquecer\ não esquecer nunca o rosto desprezado\ o coração mais sujo que essa bota\ nem a mão vendida\ lembrar-se do rosto e da mão\ lembrar-se do nome\ até que chegue o dia\ e quando chegue\ quando soe a hora\ lembrar-se do nome e do rosto\ desse tenente Prado.

Poemas escritora e crítica literária uruguaia Idea Vilariño (1920-2009). Veja mais aqui.

 

MEMÓRIA, IDENTIDADE, RESISTÊNCIA... – Vivia em um internato esportivo de que não gostava, e só no fim de semana voltava para casa com minha mãe. Eu precisava de um mundo para me refugiar, e os livros para adolescentes não tinham nada a ver comigo. Eu não estava neles. Os personagens que me contavam suas histórias tinham olhos azuis, cabelos loiros que flutuavam ao vento, choravam e desmaiavam, coravam. Lembro-me de que não entendia o que significava corar. Foi difícil me identificar com esses livros. Eles limitavam minha imaginação, então fugi para outros livros. Nenhum guia ou recomendações. Eu lia qualquer exemplar que caísse em minhas mãos. Minha mãe me comprava muitos magazines de humor e revistas. Também gostava muito de poesias e livros intensos, com imagens grandiosas e longos diálogos. No entanto, um dia percebi que nem nos livros para jovens leitores nem nos para adultos havia alguém como eu. Procurei e procurei e não encontrei, então senti que algo não estava certo. Muitos anos depois, quando comecei a escrever, esse era meu objetivo, meu desafio: escrever sobre aqueles que não aparecem em livros infantis e juvenis, os personagens negros. E junto com eles, abordar questões que também não foram abordadas, como o racismo, a violência contra a mulher, o abandono de idosos, a reivindicação de figuras históricas africanas, a emigração, o abuso sexual de meninas, a menstruação, a religião afro-cubana, o tráfico de escravos… São questões que sempre me preocuparam, algumas delas eu vivi na infância. E eu tive que aprender a lidar com tudo sozinha. Escrevo, entre muitas coisas, para ajudar, para acompanhar as negras de hoje. Para que muitos se sintam representados e acompanhados... Trechos extraídos da entrevista Memória, identidade e resistência na literatura latino-americana (Mafuá, n. 38, 2022), concedida pela escritora cubana Teresa Cárdenas para a jornalista Rayanne Soares da Paz, que no texto Afrocubana: identidade e memória através da escrita (Tag, 2021), expressa que: [...] A boa literatura sempre transforma mentes, espírito, a maneira de ver a vida. Um bom livro pode ensinar, orientar, moldar leitores. Todos nós podemos ser educados, instruídos pelos livros. E minha literatura tem essa missão. Embora eu escreva para todas as pessoas, em primeiro lugar quero que as crianças e a juventude negra se sintam representadas por meio de minhas histórias. [...]. Já na sua obra Cartas para a Minha Mãe (Pallas, 2010), ela expressa que: [...] diz que é bom apurar a raça. Que o melhor que pode acontecer com a gente é casar com um branco. Ela quer trabalhar como empregada na casa de uma família branca. E embora titia proteste, dizendo que isso é coisa do passado, ela insiste que não sabe fazer outra coisa. [...] todos me chamam de beiçuda nessa casa onde eu não queria morar. [...] Ela trabalha para a família branca de que falei. Cozinha, lava, passa e tudo mais que aparece para fazer na casa deles. Se mata de tanto trabalhar, mas não reclama. Pelo contrário, fala maravilhas deles, embora lhe paguem um tiquinho de nada. [...] É uma forma de ganhar a comida que elas me dão. É o que titia diz. Mas acho que é a mesma coisa que se trabalhasse para ‘os senhores’. [...] o Deus dos negros se chamava Olofi, mas é o mesmo Deus dos brancos, só que cada um coloca nele a cor e o nome que tiver vontade. E disse que Deus fez os homens de todas as cores porque ele é como as crianças, que não gostam de coisas iguais, que as deixam entediadas. [...] um céu em que as avós sejam boas e distribuam doces entre seus netos. Onde ninguém maltrate as crianças, nem as obrigue a fazer coisas que não gostam. Um céu onde ninguém me chame de beiçuda nem de feia e onde eu não me sinta sozinha. [...] a coluna me dói toda. Vovó me espancou como se fazia com os escravos. [...] Eu acho que um escritor pode escrever sobre qualquer assunto para crianças e jovens, se ele os trata de jeito certo. É necessário abordar diferentes temas, também os espinhosos, na literatura escrita para essas idades. Não parece um pouco hipócrita que se espantem quando aparecem situações difíceis em um livro, enquanto na vida real as crianças experimentam atrocidades diariamente, diante dos olhos do mundo e ninguém se escandaliza, e o que é pior, não fazem nada? [...].

 

OUTRA CIÊNCIA É POSSÍVEL - [...] Os cidadãos esperam da ciência soluções para todos os tipos de problemas sociais: desemprego, reservas de petróleo esgotadas, poluição, cancro… o caminho que leva às respostas a estas questões não é tão direto como uma visão programática da investigação nos faria acreditar […] Trecho extraído do Another Science is Possible: A Manifesto for Slow Science (Polity, 2018), da filósofa e historiadora belga Isabelle Stengers, que na obra Order Out of Chaos: Man's New Dialogue with Nature (Verso, 2018), assinala que: [...] A ciência faz parte da luta darwiniana pela vida. Isso nos ajuda a organizar nossa experiência. Isso nos leva à economia de pensamento. As leis matemáticas nada mais são do que convenções úteis para resumir os resultados de possíveis experimentos. [...]. Já no artigo Experimenting with refrains: subjectivity and the challenge of esc aping modern dualism (Palgrave, 2008) ela expressa que: […] Recuperar é uma aventura, tanto empírica como pragmática, porque não significa principalmente recuperar o que foi confiscado, mas sim aprender o que é preciso para habitar novamente o que foi devastado. [...] Não podemos pensar sem abstrações: elas nos fazem pensar, atraem nossos sentimentos e afetos. Mas o nosso dever é cuidar das nossas abstrações, nunca nos curvarmos diante do que nos fazem – especialmente quando exigem que aceitemos heroicamente os sacrifícios que implicam, os dilemas e contradições insuperáveis em que nos prendem. [...] Veja mais aqui.

 

FREVO: A CHOREOLOGICAL PERFORMANCE

[...] acredito que, no contexto da improvisação da dança frevo, as práticas criativas operam quase exclusivamente no nível das estratégias e não envolvem mudanças nas regras da dança. A distinção entre regras e estratégias também é útil para esclarecer que a discussão sobre a improvisação da dança frevo, aqui apresentada, tem se concentrado exclusivamente na identificação das regras gerais da dança. [...].

Trecho extraído da obra Frevo: a choreological performance (Richard Veiga, 2017), da jornalista, historiadora, pesquisadora e professora Maria Goretti Rocha de Oliveira. Veja mais aqui e aqui.

 

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NADYA TOLOKONNIKOVA, ANNA KATHARINE GREEN, EMMA GONZALEZ & THALYTA MONTEIRO

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Terra adentro (A Casa Produções, 2011) e Luares (2023), da violonista, compositora, produt...