VAMOS APRUMAR A CONVERSA? O
QUINTAL DOS MILAGRES –
Na minha infância da beira do rio havia um quintal. Aprisionado na cadeira por
ser muito pequeno, eu não podia ir pra lá, mas ficava fitando tudo dali:
frutas, raízes, folhas e flores, principalmente uma goiabeira e um cajueiro que
seriam no futuro meus melhores amigos, algumas bananeiras e muitos pés de não
sei que. De verdade, o primeiro quintal em que pude me esgueirar de mesmo, foi
na casa da minha vó Benita. Era lá que o milagre acontecia. Era grande e tinha
por limite um brejo que eu adorava ficar atiçando suas águas com meus pés.
Brincava de atravessá-lo, mas não ia além da outra margem porque me ensinaram
que do outro lado havia todo um mundo de terrores e horrores: bichos selvagens,
seres do outro mundo. Foi quando me ensinaram a ter medo: bicho-papão, Cumade
Fulosinha e outras malsinadas criaturas que nos ensinavam a ficar quieto em
casa para não enfurecê-los. Então, eu me restringia àqueles limites, no meio de
pés de abacate, caju, cajá, sirigoela, carambola, cana, pinha, pitomba, manga, goiaba,
laranja de todo tipo, limões, maracujá, pitanga, acerola e uma ruma de folhas e
flores, troncos e raízes. Cada pé de planta era um amigo que me ouvia e me
entendia. Quando não me respondiam ou não me compreendiam, eu mudava de amizade
e logo estava em confidências com outro amigo e que eram muitos dentro da minha
predileção. Era lá que os milagres verdadeiramente aconteciam e eu ficava
surpreso com os acontecimentos: se chegasse doente, ficava bom na hora com todo
tipo de chá, banhos, meizinhas, xaropes, unguentos, extratos, essências, sucos,
infusões e bálsamos. Tanto que minha tia chamava o quintal de farmácia. Também se
chegasse com fome, oxe, era só pegar a primeira fruta à mão e encher o bucho
com o que fartava. Havia também a passarinhada solta e afinada que fazia a
trilha sonora do dia: sabiás, canários, papa-capins, guriatãs, caboclinhos,
azulões, além de outros intrusos como lagartixas, aranhas, borboletas,
gafanhotos, muriçocas, maruins, insetos mil. Ali desfrutei mais de dois anos
até voltar pra casa, era tempo de ir pra escola. Voltando pra casa pude melhor
me arranchar no meu quintal que tanto desejara invadir e armar as maiores
estripolias. Chovesse ou tivesse Sol, eu estava lá – o que não me eximia de
umas lapadas boas por perder a noção do tempo e ficar de maluvido ignorando os
chamamentos da minha mãe. Foi quando conheci o quintal da casa de Pai Lula e
Carma: era maior, mais plantas e piso de barro batido que em dia de chuva nem
podia chegar lá de tão escorregadio pras quedas. E eu, como sempre desajeitado,
findava com a bunda no chão sempre, todo melado e pronto para umas pisas boas
para tomar jeito de não ser desmiolado. Até que conheci o quintal da casa da
tia Bia, nossa! Ah, que mundão! Imenso, tinha de tudo. Ali eu soltava asas à
imaginação e pelejava com tudo até findar farto de aventuras e empanzinado com
a oferta de sabores da horta e pomar. Oxe, como eu adorava tudo isso. Foi aí
que pelos nove anos de idade, de tanto conversar e confidenciar com esse
universo natural de pés e plantas, que um dia me toquei de saber como seria a
vida deles de verdade, afora a minha. E saí tocando cada ramo de cada uma delas
e me perguntando da vida delas. Aquilo remexia nas catracas do meu quengo
infantil. Então tive a compreensão dos estudos da escola de que elas viviam
para fornecer oxigênio e comida para nossa sobrevivência e para embelezar a
nossa vida com o colorido diverso de sua expressão. Assim, elas cumprem a
missão delas: dar condições para que possamos viver. E nós cumprimos a nossa
missão? Eu não saberia dizer, era apenas um menino treloso da beira do rio. Veja
mais aqui e aqui.
Imagem: Woman in front of the Setting, do pintor alemão Caspar David Friedrich (1774-1840)
Curtindo o álbum Villa-Lobos & os
Brinquedos de Roda (MCD, 2003),
do Grupo de Percussão da UFMG & Coral Infantil da Fundação Clóvis Salgado,
produzido por Eugênio Tadeu, professor do Curso de Artes Cênicas da Escola de
Belas Artes da UFMG, membro do Duo Rodapião e idealizador do Pandalelê
- Laboratório de Brincadeiras.
BRINCARTE DO NITOLINO – Hoje é dia de mais uma edição do
programa Brincarte do Nitolino, a
partir das 10hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação animadíssima de Isis Corrêa Naves. Na programação: Paul
Eluard, Nitolino chamando a meninada, Bébé Lilly, Llona Mitrecey, The Crazy
Frogs, Loulou, Madeline, Tchoutchoua, Sebasto, Bézu, Nita, Meimei Corrêa &
muito mais brincadeiras, versos, dicas e informações pras crianças de todas as
idades. E no blog, muitas dicas de Educação, Psicologia, Direito das Crianças e
Adolescentes, Literatura, Teatro e Música infantis, afora dicas e informações
diversas. Para conferir online e ao vivo clique aqui ou aqui.
LEI DAS PROPORÇÕES
MÚLTIPLAS - O químico e
físico inglês, John Dalton
(1766-1844), foi o fundador da teoria atômica moderna. Em 1803, ele apresenta a
sua obra Absorção de gases pela água e
outros líquidos, estabelecendo os princípios básicos de sua teoria. E a
partir da sua obra Novo sistema de
filosofia química, apresentada em 1808, partindo das investigações sobre a
composição dos diferentes óxidos de nitrogênio e estabelecendo a lei das
proporções múltiplas, conhecida também como a Lei de Dalton. Para formular esta
lei, ele se baseou na teoria atômica, fundamentando-se no princípio de que os
átomos de determinado elemento eram iguais e de peso invariável. Essa teoria
pode condensar-se nos seguintes princípios: os átomos são partículas reais,
descontinuas e indivisíveis de matéria e permanecem inalterados nas reações
químicas; os átomos de um mesmo elemento são iguais e de peso invariável; os
átomos de elementos diferentes são diferentes entre si; na formação dos
compostos, os átomos entram em proporções numéricas fixas; e o peso do composto
é igual à soma dos pesos dos átomos dos elementos que o constituem. Essa teoria
revolucionou a química moderna. Já em 1817, baseado na lei das tríades de Johan
Wolfgang Döbereiner e com a disposição sistematica de Mendeleev e Moeyer dos
elementos químicos, John Dalton lista os elementos, cujas massas atómicas eram
conhecidas, por ordem crescente de massa atômica, cada um com as suas
propriedades e seus compostos, daí surgindo a Tabela Periódica. Veja mais aqui.
O TURBILHÃO DE NEVE – Na obra em prosa do poeta, dramaturgo
e fundador da moderna literatura russa Alexander Pushkin (1799-1837),
encontrei o conto O turbilhão de Neve (Cultrix, 1960), conforme transcrito a
seguir: Em fins de 1811, um período
memorável para nós, o bom Gavril Gavrilovitch R... vivia na sua propriedade de
Nenaradova. Era conhecido em todo o
distrito pela sua hospitalidade e simpatia. Os vizinhos visitavam-no com
frequência: uns para comer e beber; outros para jogar o “Bóston” a cinco
copeques com a mulher, Praskovia Petrovna; outros ainda para verem a filha,
Maria Gavrilovna, uma menina de dezassete anos pálida e esguia, considerada um
rico partido que muitos desejavam para si próprios, ou para os filhos. Maria
Gavrilovna tinha sido educada à base dos romances franceses e consequentemente
estava apaixonada. O objecto da sua escolha era um pobre segundo tenente do exército
que por essa altura estava a gozar uma licença na sua aldeia natal. Escusado
será dizer que o jovem retribuía aquela paixão com igual ardor e que os pais da
sua amada, ao perceberem aquela mútua inclinação, proibiram a filha de pensar
nele e recebiam-no ainda pior do que a um ajudante despedido. Os nossos amantes
correspondiam-se e viam-se todos os dias a sós no pequeno pinhal ou perto da
velha capela. Aí trocavam juras de amor eterno, lamentavam o seu cruel destino
e faziam vários planos. Correspondendo-se e conversando desta maneira, chegaram
naturalmente à conclusão seguinte: Se nós não conseguimos viver um sem o outro
e a vontade de pais de coração duro nos barra o caminho da felicidade, por que
é que não havemos de passar sem eles? Escusado será dizer que esta feliz ideia
nasceu no espírito do jovem e que estava muito de acordo com a imaginação
romântica de Maria Gavrilovna. O Inverno, que chegara, pôs fim aos seus
encontros, mas a troca de correspondência tornou-se ainda mais frequente. Em
todas as cartas Vladimir Nikolaievitch implorava-lhe a ela que se lhe
entregasse, para casarem secretamente, ficarem escondidos durante algum tempo e
depois lançarem-se aos pés dos pais, que, sem dúvida, se comoveriam finalmente
com a heróica constância e infelicidade dos amantes e infalivelmente lhes
diriam: “Vinde a nossos braços, queridos filhos!” Maria Gavrilovna hesitou
durante muito tempo e vários planos de fuga foram rejeitados. Por fim
consentiu: no dia combinado não jantaria e retirar-se-ia para o seu quarto sob
o pretexto de uma dor de cabeça. A criada estava metida na trama; desceriam
ambas para o jardim pela escada das traseiras e ao fundo do jardim encontrariam
um trenó já pronto para as levar directamente para a igreja de Jadrino, uma
aldeia a cerca de cinco verstás* de Nenaradova, onde Vladimir estaria à sua
espera. Na véspera do dia decisivo, Maria Gavrilovna não conseguiu dormir toda
a noite; embrulhou e atou as roupas e outros artigos de adorno, escreveu uma
longa carta a uma jovem sentimental, sua amiga, e outra a seus pais.
Despedia-se deles nos termos mais comoventes, insistia na força invencível da
paixão como justificação para o passo que ia dar e terminava assegurando-lhes
que consideraria o momento mais feliz da sua vida aquele em que lhe seria
permitido lançar-se aos pés dos seus queridos pais. Depois de lacrar ambas as
cartas com um sinete que tinha gravados dois corações em chamas com uma legenda
adequada, atirou-se para cima da cama pouco antes do amanhecer e dormitou um
pouco: mas mesmo nessa altura era constantemente acordada por sonhos terríveis.
Primeiro, pareceu-lhe que no exacto momento em que se sentava no trenó para ir
casar-se, o pai a detinha, a arrastava pela neve com terrível rapidez, e a
atirava para um escuro abismo sem fundo, onde ela se precipitava de cabeça para
baixo com um indescritível aperto no coração. Depois viu Vladimir estendido
sobre a relva, pálido e manchado de sangue. No seu último suspiro ele
implorava-lhe numa voz penetrante que se apressasse a casar com ele… Outras
visões fantásticas e sem sentido passavam uma após outra a flutuar à sua
frente. Por fim, levantou-se, mais pálida do que habitualmente, e com uma dor
de cabeça real. Seu pai e sua mãe notaram aquela sua agitação, e a sua terna
solicitude e as incessantes perguntas: “O que é que tu tens, Masha? Estás
doente, Masha?” cortavam-lhe o coração. Tentou sossegá-los e parecer alegre,
mas em vão. Chegou a tardinha. A ideia de que este seria o último dia que
passaria no seio da família, pesou-lhe no coração. Estava mais morta do que
viva. Despediu-se secretamente de toda a gente, de todos os objectos que a
rodeavam. Serviram o jantar; o coração começou a bater-lhe violentamente. Com a
voz a tremer, disse que não queria jantar e depois despediu-se do pai e da mãe.
Eles beijaram-na e deram-lhe a sua bênção, como de costume e ela dificilmente
reteve as lágrimas. Ao chegar ao quarto, deixou-se cair numa cadeira e desatou
a chorar. A criada pediu-lhe que tivesse calma e coragem. Estava tudo pronto.
Dentro de meia hora Masha abandonaria para sempre a casa dos pais, o seu quarto
e a sua feliz vida de menina… Lá fora no pátio a neve caía com força; o vento
assobiava, as portadas das janelas batiam e matraqueavam e tudo lhe parecia
pressagiar desgraça. Em pouco tempo a casa ficou, toda ela, silenciosa; toda a
gente dormia. Masha embrulhou-se num xaile, vestiu um casaco quente pegou na
sua pequena caixa e desceu pelas escadas das traseiras. A criada seguia-a com
dois embrulhos. Desceram até ao jardim. A tempestade de neve não tinha
amainado; o vento soprava-lhes na cara, como se quisesse deter a jovem
criminosa. Com dificuldade chegaram ao fundo do jardim. Na rua estava um trenó
à espera delas. Os cavalos, meio gelados com o frio, não conseguiam estar
quietos; o cocheiro de Vladimir andava de um lado para o outro em frente deles,
tentando refrear-lhes a impaciência. Ajudou a jovem senhora e a criada a
subirem para o trenó, pôs a caixa e os embrulhos dentro do veículo, pegou nas
rédeas e os cavalos arrancaram. Confiada que foi a jovem senhora aos cuidados
do destino e à destreza do cocheiro Tereshka, regressemos agora ao nosso jovem
amante. Vladimir tinha passado o dia todo a andar de um lado para o outro. De
manhã fez uma visita ao pároco de Jadrino e depois de chegar, com grande
dificuldade, a um acordo com ele, foi procurar testemunhas entre os
agricultores da vizinhança. O primeiro a quem se apresentou, um alferes
aposentado de cerca de quarenta anos de idade, de nome Dravin, aceitou com
prazer. A aventura, declarou ele, fazia-lhe lembrar os seus tempos de rapaz e
as suas brincadeiras nos Hussardos. Convenceu Vladimir a ficar para jantar com
ele e assegurou-lhe que não iria ter dificuldade em encontrar as outras duas
testemunhas. E de facto, imediatamente após o jantar, apareceu o agrimensor
Schmidt, de bigode e esporas, e o filho do capitão da polícia, um rapaz de
dezasseis anos, que se tinha recentemente alistado nos Uhlans. Todos aceitaram
não só a proposta de Vladimir mas até juraram que estavam prontos a dar a vida
por ele. Vladimir abraçou-os arrebatadamente e voltou para casa para deixar
tudo preparado. Já escurecera há algum tempo. Despachou o fiel Tereshka para
Nenaradova com o trenó e com pormenorizadas instruções, mandou arranjar para si
próprio um pequeno trenó de um só cavalo e partiu sozinho, sem cocheiro, para
Jadrino, onde Maria Gavrilovna devia chegar dentro de cerca de duas horas. Ele
conhecia bem a estrada e a viagem não devia levar mais do que vinte minutos. Mas
ainda mal tinha saído do cercado para o campo aberto levantou-se um tal vento e
tal tempestade de neve que ele não conseguia ver nada. Num minuto a estrada
ficou completamente invisível; todos os objectos à volta desapareceram num
denso nevoeiro amarelado, do qual caíam os brancos flocos de neve; terra e céu
confundiam-se. Vladimir encontrou-se no meio do campo e tentou em vão descobrir
outra vez a estrada. O cavalo andava ao acaso e muitas vezes pisava um monte de
neve ou tropeçava num buraco, de modo que o trenó se virava constantemente.
Vladimir tentava não perder a direcção certa. Mas parecia-lhe que já passara
mais de meia hora e ele ainda não tinha chegado ao bosque de Jadrino.
Passaram-se mais dez minutos — e continuava a não se avistar qualquer bosque.
Vladimir atravessou um campo cortado por fundas valas. A tempestade de neve não
abrandava, o céu não clareava. O cavalo começou a ficar cansado e a
transpiração caía-lhe em grandes gotas apesar de estar constantemente a ficar
meio enterrado na neve. Por fim Vladimir apercebeu-se de que estava a seguir
uma direcção errada. Parou e começou a pensar, a recordar, e a comparar e ficou
convencido de que devia ter virado à direita. Virou agora para a direita. O
cavalo conseguiu avançar. Já estava a andar há mais de uma hora. Jadrino já não
podia estar muito longe. Mas continuava a andar, a andar e não se vislumbrava o
fim do campo — apenas montes de neve e valas. O trenó estava constantemente a
virar-se e ele constantemente a endireitá-lo outra vez. O tempo passava:
Vladimir começou a ficar seriamente preocupado. Por fim apareceu qualquer coisa
escura ao longe. Vladimir dirigiu-se nessa direcção. Ao aproximar-se viu que se
tratava de um bosque. — Graças a Deus! — pensou ele — Agora já não estou muito
longe. Foi andando ao longo da orla do bosque na esperança de acabar por entrar
na sua bem conhecida estrada ou de ladear o bosque: Jadrino ficava exactamente
por detrás do bosque. Em breve descobriu a estrada e embrenhou-se na escuridão
do bosque, agora despido de folhas pelo Inverno. O vento não rugia aqui; a estrada
era macia; o cavalo recobrou o ânimo e Vladimir sentiu-se seguro. Mas andou,
andou, andou e nunca mais conseguia avistar Jadrino; o bosque não tinha fim.
Vladimir descobriu horrorizado que se tinha embrenhado numa floresta
desconhecida. O desespero apossou-se dele. Chicoteou o cavalo; o pobre animal
começou a andar a trote, mas em breve abrandou o passo e passado cerca de um
quarto de hora mal podia arrastar as patas umas após outras, apesar de todos os
esforços possíveis do infeliz Vladimir. Pouco a pouco as árvores começaram a
ficar cada vez mais espaçadas e Vladimir saiu da floresta; mas Jadrino não
estava à vista. Devia ser agora cerca da meia-noite. As lágrimas começaram a
correr-lhe dos olhos; continuou a andar ao acaso. Entretanto a tempestade tinha
amainado, as nuvens dispersaram e ele tinha diante de si uma planície coberta
de um tapete branco ondulante. A noite ficou aceitavelmente clara. Viu, não
muito longe, uma pequena aldeia com umas quatro ou cinco casas. Vladimir
dirigiu-se para lá. Na primeira cabana, saltou do trenó, correu direito à
janela e bateu. Minutos depois, a portada de madeira abriu-se e um velho de
barba grisalha pôs a cabeça de fora. — Que deseja? — Jadrino é muito longe
daqui? — Se Jadrino é muito longe daqui? — Sim, sim! É muito longe? — Longe,
não; mais ou menos dez verstás. A esta resposta, Vladimir pôs as mãos na cabeça
e ficou imóvel como um homem condenado à morte. — Donde é que o senhor vem? —
continuou o velho. Vladimir não teve coragem de responder à pergunta. — Ouça,
senhor — disse ele — pode arranjar-me cavalos que me levem a Jadrino? — Acha
que nós podíamos ter coisas dessas, como cavalos? — respondeu o camponês. —
Posso arranjar um guia? Eu pago-lhe quanto que ele quiser. — Espere — disse o
velho, fechando a portada, — vou mandar-lhe o meu filho aí fora falar consigo;
ele indica-lhe o caminho. Vladimir esperou. Mas mal passara ainda um minuto
começou a bater outra vez. A portada abriu-se e a barba apareceu outra vez. —
Que deseja? — Então o seu filho? — Vai já sair, está a calçar as botas. O
senhor está com frio? Entre e aqueça-se. — Obrigado. Mande cá o seu filho
depressa. A porta rangeu: um rapaz saiu, com um cajado, e começou a caminhar à
frente, às vezes indicando a estrada, outras procurando-a entre os montes de
neve. — Que horas são? — perguntou-lhe Vladimir. — É quase dia já — respondeu o
jovem camponês. Vladimir não disse mais palavra. Os galos cantavam e já era dia
quando chegaram a Jadrino. A igreja estava fechada. Vladimir pagou ao guia e
dirigiu-se ao pátio da casa paroquial. O seu trenó não estava lá. Que notícias
o esperariam!… Mas voltemos aos dignos proprietários de Nenaradova para ver o
que lá está a acontecer. Nada. Os pais acordaram e foram para a sala de estar,
Gavril Gavrilovitch com um gorro de dormir e gibão, Praskovia Petrovna com uma
roupão acolchoado. Trouxeram o samovar para a mesa e Gavril Gavrilovitch mandou
uma criada perguntar a Maria Gavrilovna como é que ela estava e como tinha
passado a noite. A criada voltou dizendo que a jovem senhora não tinha dormido
muito bem, mas que agora já se estava a sentir melhor e que ia já descer. E de
facto a porta abriu-se e Maria Gavrilovna entrou na sala e deu os bons-dias ao
pai e à mãe. — Como é que está a tua cabeça, Masha? — perguntou Gavril Gravilovitch.
— Melhor, papá — respondeu Masha. — Muito provavelmente inalaste o fumo do
carvão ontem — disse Praskovia Petrovna. — Muito provavelmente, mamã —
respondeu Masha. O dia passou-se bastante bem, mas à noite Masha adoeceu.
Mandaram chamar um médico da cidade. Ele chegou á tardinha e encontrou a doente
a delirar. Depois veio-lhe uma febre violenta e durante duas semanas a pobre
doente esteve à beira da morte. Ninguém da casa sabia da sua fuga. As cartas
que ela escrevera na véspera tinham sido queimadas; e a criada, temendo a ira
do patrão, não tinha dito a ninguém uma palavra sobre o assunto. O padre, o
alferes reformado, o agrimensor de bigode e o pequeno Uhlan foram discretos, e
não sem alguma razão. Tereshka, o cocheiro, nunca deixou escapar uma palavra a
mais sobre o assunto, nem mesmo quando estava bêbado. Assim, se manteve o
segredo de mais de meia dúzia de conspiradores. Mas a própria Maria Gavrilovna
revelou o seu segredo durante as suas divagações delirantes. Porém as suas
palavras eram tão incoerentes que a mãe, que nunca deixou a sua cabeceira, só
conseguiu compreender que a filha estava profundamente apaixonada por
Vladimir Nikolaievitch e que provavelmente o amor era a causa da sua
doença. Consultou o marido e alguns dos seus vizinhos e finalmente foi
unanimemente decidido que aquele era evidentemente o destino de Maria
Gavrilovna, que uma mulher não consegue afastar-se do homem que foi destinado
para seu marido, que a pobreza não é crime, que uma pessoa não casa com a
riqueza mas com um homem, etc., etc. Os provérbios morais são extremamente
úteis nestes casos em que pouco podemos inventar para nossa própria
justificação. Entretanto a jovem senhora começou a recuperar. Há muito tempo
que Vladimir não era visto em casa de Gavril Gavrilovitch. Receava a habitual
recepção. Resolveram mandar procurá-lo e dar-lhe uma inesperada boa notícia: o
consentimento dos pais de Maria ao seu casamento com a filha. Mas qual não foi
o espanto do proprietário de Nenaradova quando em resposta ao seu convite receberam
dele uma carta meio louca. Informava-os de que nunca mais poria os pés na casa
deles e pedia-lhes que esquecessem uma criatura infeliz cuja única esperança
era a morte. Dias depois souberam que Vladimir se tinha alistado de novo no
exército. Era o ano de 1812. Durante muito tempo não tiveram coragem de contar
isto a Masha que estava agora convalescente. Nunca mencionava o nome de
Vladimir. Alguns meses mais tarde, ao descobrir o nome dele na lista daqueles
que se tinham distinguido e tinham ficado gravemente feridos em Borodino,
desmaiou e temeu-se que ela viesse a ter outro ataque de febre. Mas, graças a
Deus, aquele desmaio não teve consequências graves. Outra infelicidade a
abalou: Gavril Gavrilovitch morreu, tornando-a herdeira de todos os seus bens.
Mas a herança não lhe serviu de consolo; partilhou sinceramente a dor da pobre
Praskovia Petrovna, jurando que nunca a abandonaria. Ambas deixaram Nenaradova,
cenário de tantas recordações tristes, e foram viver para outro estado. Os
pretendentes pululavam à volta da rica herdeira mas ela não dava a nenhum deles
a mais leve esperança. A mãe por vezes tentava convencê-la a fazer uma escolha;
mas Maria Gavrilovna abanava a cabeça e ficava pensativa. Vladimir já não
existia: tinha morrido em Moscovo na véspera da entrada dos franceses. A sua
memória parecia ter-se tornado sagrada para Masha; pelo menos guardava como
tesouros tudo aquilo que lho fizesse lembrar: os livros que ele tinha lido, os
seus desenhos, as suas notas e as poesias que ele tinha copiado para ela. Os
vizinhos, sabendo de tudo isto, ficavam estupefactos com a sua constância e
esperavam com curiosidade o herói que por fim viria a triunfar sobre a
fidelidade melancólica daquela virgem Artemisa. Entretanto a guerra tinha
terminado com glória. Os nossos regimentos voltaram do estrangeiro e as pessoas
vieram para a rua esperá-los. As bandas tocavam as canções da vitória: “Vive
Henri-Quatre”, valsas tirolesas e árias da “Gioconda”. Os oficiais que tinham
ido para a guerra quase meninos, voltavam já homens feitos, com um ar marcial e
o peito coberto de medalhas. Os soldados tagarelavam alegremente uns com os
outros, misturando constantemente palavras francesas e alemãs. Um tempo a não
esquecer nunca! Um tempo de glória e entusiasmo! Como palpitavam os corações
russos à palavra “Pátria!” Que doces eram as lágrimas do encontro! Com que
unanimidade nós juntávamos os sentimentos de orgulho nacional com o amor pelo
Czar! E para este — que grande momento! As mulheres, as mulheres russas estavam
então incomparáveis. A sua habitual frieza desapareceu. O seu entusiasmo era
verdadeiramente inebriante, quando gritavam “Hurra!” ao receber os
conquistadores e atiravam os chapéus ao ar. Qual o oficial desse tempo que não
confessasse que devia às mulheres russas a melhor e mais preciosa recompensa? Neste
brilhante período Maria Gavrilovna estava a viver com a mãe na província de—, e
não viu como as duas capitais celebraram o regresso das tropas. Mas nos
distritos e nas aldeias o entusiasmo geral era, se possível, ainda maior. O
aparecimento de um oficial nesses lugares era para ele um verdadeiro triunfo, e
um amante vestido à civil sentia-se muito pouco à vontade perto dele. Já
dissemos que, apesar da sua frieza, Maria Gavrilovna andava, como antes,
rodeada de pretendentes. Mas todos se viram obrigados a recuar para segundo
plano quando apareceu no castelo um ferido, o Coronel Bourmin dos Hussardos,
com a Ordem de S. Jorge no botão da lapela, e com uma “interessante palidez”,
como as jovens senhoras das vizinhanças observaram. Tinha cerca de vinte e seis
anos de idade. Tinha conseguido uma licença para visitar a sua propriedade, que
era contígua à de Maria Gavrilovna. Maria prestou-lhe especial atenção. Na
presença dele, o seu habitual ar pensativo desaparecia. Não se pode dizer que
ela andasse a flertar com ele, mas um poeta, observando o seu comportamento,
teria dito: “Se amor non è, che dunque?” Bourmin era de facto um jovem
encantador. Tinha aquele espírito que agrada extraordinariamente às mulheres:
um espírito de decoro e de observação, sem quaisquer pretensões, sem lhe faltar
contudo uma ligeira tendência para a sátira descuidada. O seu comportamento
para com Maria Gavrilovna era simples e franco, mas a sua alma e os seus olhos
seguiam fosse o que fosse que ela dissesse ou fizesse. Parecia ter um
temperamento calmo e modesto, embora corresse a ideia de que fora em tempos um
terrível libertino; mas isto não lhe deixava qualquer mácula na opinião de
Maria Gavrilovna, que — como todas as jovens de uma maneira geral — desculpava
com prazer as loucuras que revelassem um temperamento ousado e ardente. Mas
mais do que tudo o resto — mais do que a sua ternura, mais do que a sua
agradável conversa, mais do que a sua interessante palidez, mais do que o seu
braço ao peito — era o silêncio do jovem Hussardo que excitava a sua
curiosidade e imaginação. Ela não podia deixar de confessar que ele lhe
agradava muito; provavelmente também ele, com a sua percepção e experiência já
se tinha apercebido de que ela o distinguia dos outros; e então como é que ela
ainda não o vira a seus pés nem ouvira uma sua declaração? O que é que o
impedia? Seria timidez, inseparável do verdadeiro amor, ou orgulho, ou o flerte
de um namoradeiro astucioso? Era um enigma para ela. Após longa reflexão,
chegou à conclusão de que era apenas a timidez a causa daquilo e resolveu
encorajá-lo prestando-lhe uma maior atenção e, se as circunstâncias o tornassem
necessário, demonstrando-lhe mesmo alguma ternura. Preparou um desfecho muito
inesperado e esperou com impaciência o momento da explicação romântica. Um
segredo, qualquer que fosse a sua natureza, exerce sempre grande pressão sobre
o coração feminino. O seu estratagema teve o sucesso desejado; pelo menos
Bourmin caiu em tal devaneio e o seu olhar pousou nela com tal ardor que o
momento decisivo parecia iminente. Os vizinhos falavam em casamento como se
fosse uma questão já decidida e a boa Praskovia Petrovna rejubilou por a filha
ter finalmente encontrado um amante digno dela. Uma ocasião a velha senhora
estava sentada sozinha na sala de estar, entretida com um baralho de cartas
quando Bourmin entrou e logo perguntou por Maria Gavrilovna. — Está no jardim —
respondeu a velha senhora. — Vá ter com ela que eu ficarei aqui à vossa espera.
Bourmin foi e a velha senhora benzeu-se e pensou: “Talvez a questão fique
resolvida hoje!” Bourmin encontrou Maria Gavrilovna ao pé do lago, debaixo de
um salgueiro, com um livro nas mãos e de vestido branco: uma verdadeira heroína
de romance. Após as primeiras perguntas e observações, Maria Gavrilovna deixou
propositadamente morrer a conversa, aumentando desta maneira o seu mútuo
embaraço, do qual não havia saída possível, a não ser com uma súbita declaração
decisiva. E foi isto que aconteceu: sentindo a dificuldade da sua situação, Bourmin
declarou que há muito procurava uma oportunidade para lhe abrir o coração e
pediu-lhe um momento de atenção. Maria Gavrilovna fechou o livro e baixou os
olhos em sinal de aceitação do pedido. — Eu amo-a — disse Bourmin, — amo-a
apaixonadamente… Maria Gavrilovna corou e baixou ainda mais a cabeça. — Eu agi
imprudentemente ao habituar-me ao doce prazer de a ver e ouvir diariamente… —
Maria Gavrilovna recordou a primeira carta de St. Preux. — Mas agora é tarde
demais para resistir ao meu destino. Lembrar-me de si, da sua querida e
incomparável imagem vai ser daqui para a frente o tormento e a consolação da
minha vida, mas ainda me falta cumprir um sério dever: revelar-lhe um terrível
segredo que levantará entre nós uma barreira intransponível… — Essa barreira
sempre existiu — interveio Maria Gavrilovna muito depressa: — Eu nunca podia
ser sua mulher. — Eu sei — respondeu ele calmamente. — Sei que a senhora
outrora amou, mas a morte e três anos de luto… Querida, boa Maria Gavrilovna,
não tente privar-me da minha última consolação: a ideia de que consentiria
fazer-me feliz se… — Não fale, por amor de Deus, não fale. O senhor tortura-me.
— Sim, eu sei, eu sinto que a senhora teria sido minha, mas… eu sou a criatura
mais miserável da terra… já sou casado! Maria Gavrilovna olhou para ele
estupefacta. — Já sou casado— continuou Bourmin. — Sou casado há quatro anos e
não sei quem é a minha mulher, nem onde ela está, nem se alguma vez a verei de
novo! — Que diz? — exclamou Maria Gavrilovna. — Que coisa mais estranha!
Continue: eu depois conto-lhe… Mas continue, peço-lhe. — No princípio do ano de
1812 — disse Bourmin, — dirigia-me apressadamente para Vilna, onde estava
estacionado o meu regimento. Como uma noite cheguei tarde a um dos postos,
mandei que me preparassem os cavalos o mais depressa possível, quando surgiu
uma terrível tempestade de neve e o chefe do posto e os cocheiros
aconselharam-me que esperasse até a tempestade passar. Eu segui o seu conselho,
mas apossou-se de mim uma inexplicável inquietação: parecia que alguém me
estava a impelir para avançar. Entretanto a tempestade de neve não abrandava;
não consegui aguentar aquilo por mais tempo, mandei sair os cavalos outra vez e
parti no meio da tempestade. O cocheiro teve a ideia de seguir o curso do rio,
o que encurtaria a nossa viagem em três verstás. As margens estavam cobertas de
neve: o cocheiro avançou para lá do sítio onde devíamos tomar a estrada e assim
fomos parar a uma parte desconhecida do país… A tempestade não passava; vi uma
luz ao longe e mandei o cocheiro dirigir-se para lá. Chegámos a uma aldeia;
havia luz na igreja de madeira. A igreja estava aberta. Cá fora estavam vários
trenós e havia pessoas a entrar e a sair a porta. “Por aqui! Por aqui!”
exclamavam diversas vozes. Eu mandei o cocheiro seguir. “Por amor de Deus, onde
é que tem andado?” disse-me alguém. “A noiva já desmaiou; o padre não sabe o
que fazer e nós já estávamos a preparar-nos para ir embora. Venha o mais
depressa possível.” Saltei do trenó sem dizer uma palavra e entrei na igreja,
que estava fracamente iluminada por dois ou três círios. Uma jovem estava
sentada num banco num canto escuro da igreja; outra massajava-lhe as têmporas. “Graças
a Deus!” disse esta, “o senhor finalmente chegou. Quase que ia matando a
menina.” O velho padre avançou para mim e disse: “Quer começar?” “Comece,
comece, senhor padre,” respondi eu distraidamente. Ajudaram a jovem a
levantar-se. Não me pareceu nada feia… Impelido por uma leviandade
incompreensível e imperdoável, coloquei-me a seu lado em frente do altar; o
padre apressou-se a continuar; três homens e uma criada de quarto amparavam a
noiva e apenas se preocupavam com ela. Casámos. “Beijem-se!” disseram-nos as
testemunhas. A minha mulher ofereceu-me a sua pálida face. Quando eu fiz menção
de a beijar, ela exclamou: “Oh! Não é ele! Não é ele!” e caiu sem sentidos. As
testemunhas olharam-me alarmadas. Eu dei meia volta e saí da igreja sem que
alguém me impedisse, saltei para o kibitka
e gritei “Toca a andar!” — Meu Deus! — exclamou Maria Gavrilovna. — E o senhor
não sabe o que foi feito da sua mulher? — Não sei — respondeu Bourmin; — nem
sei o nome da aldeia onde casei nem o posto de onde parti. Nessa altura, eu
dava tão pouca importância às minhas brincadeiras de mau gosto que depois de
sair da igreja adormeci e só acordei na manhã seguinte depois de chegar ao
terceiro posto. O criado, que então me acompanhava, morreu durante a campanha
de modo que não tenho esperança nenhuma de alguma vez descobrir a mulher a quem
preguei partida tão cruel e que agora está tão cruelmente vingada. — Meu Deus!
Meu Deus! — exclamou Maria Gavrilovna agarrando-lhe a mão, — então foste tu! E
não me reconheces? Bourmin empalideceu… e lançou-se a seus pés. Veja mais
aqui e aqui.
A CABOCLA & POBRE FELIZ – No livro Lendas e canções populares
(1865), do poeta cearense Juvenal Galeno
(1838-1931), encontro dois poemas, o primeiro deles A cabocla: Cabocla faceira, requebros, encantos, /
doou-te a natura! Que porte garboso... / Tu és feiticeira! / Teu seio donoso, /
me enleva... me perde, / cabocla faceira! / Teus olhos, teus cílios têm cores
da noite... / Teu colo é veludo... teu braço, roliço.... / tu és feiticeira! /
Me mata o feitiço, / que bebo em teus olhos, / cabocla faceira! / É um jambo em
teu roso... auroras, as faces / teus lábios são bagos de fresca romã... / Tu és
feiticeira! / Tu és tão louçã... / me encantas... me perdes, / cabocla faceira!
/ Teus longos cabelos são negros, lustrosos; / os pés, pequeninos; as mãos,
delicadas... / Tu és feiticeira! / Que gestos de falas... / me encantas... me
perdes, / cabocla faceira! / Que ardentes enleios... que doces cismares, /
mirando teus mimos, que poucos não são... / Tu és feiticeira! / Possuis um
condão... / me encantas... me perdes, / cabocla faceira! E também o seu
poema O pobre feliz: Sou pobre, mas sou
ditoso, / de ninguém inveho o fado. / Me falta, sim, o dinheiro, / mas, de
minha Rosa ao lado, / Não me falta amor constante, / sossego, mimoso agrado. /
Sou pobre, mas sou ditoso, / meu Deus! / Ao lado de minha Rosa, / cercado dos
filhos meus! / Quando vi a minha Rosa, / mais que depressa fiquei / todo, todo
apaixonado, / banzando como... nem sei! / Depois... por via das dúvidas, / eu
com ela me casei. / Sou pobre, mas sou ditoso, / meu Deus! / Ao lado de minha
Rosa, / cercado dos filhos meus! / Era então como hoje, pobre, / pois nunca fui
abastado, / Rosa apenas trouxe em dote / duas sais de riscado, / dois cabeções,
um rosário / e seu crucifixo dourado: / Sou pobre, mas sou ditoso, / meu Deus!
/ Ao lado de minha Rosa, / cercado dos filhos meus! / Que belo almoço! Sorrindo
/ comigo conversa Rosa, / José pede mais paçoca, / a filha chora dengosa, /
ri-se o Joãozinho dos outros... / que vida deliciosa! Sou pobre, mas sou
ditoso, / meu Deus! / Ao lado de minha Rosa, / cercado dos filhos meus! / Findo
o almoço começam / nossas lides – ao roçado / de foice ao ombro, ou enxada /
marcho a cantar entoado / cá, nos arranjos caseiros, / deixo Rosa sem cuidado.
/ Sou pobre, mas sou ditoso, / meu Deus! / Ao lado de minha Rosa, / cercado dos
filhos meus! / Ao meio-dia, o trabalho / se largo pra descansar, / ao colo de
minha Rosa, / venho a cabeça deitar, / vendo meus filhos contentes, / no seu
constante folgar / Sou pobre, mas sou ditoso, / meu Deus! / Ao lado de minha
Rosa, / cercado dos filhos meus! / Veja mais aqui.
OS SIGNOS DO TEATRO – No livro O signo teatral: a semiologia aplicada à arte dramática (Globo,
1977), de R. Ingradem, P. Bogatyrev, J. Honzl e T. Kowzan, encontro Os signos
do teatro, de Petr Bogatyrev, do
qual destaco os seguintes trechos: [...] O
discurso do ator em cena é um sistema de signos muito complexo. Ele contem
quase todos os signos do discurso poético e, além disso, faz parte da ação
dramática. Vamos esclarecer outros signos ainda no discurso do ator, discurso
destinado a caracterizar as personagens dramáticas. O falar cotidiano é um
sistema de numerosos e diferentes signos. Aquele que fala manifesta, através do
que diz, seu estado de espírito, mas ao mesmo tempo, seu discurso (suas
expressões dialetais ou de gíria, seu vocabulário, etc) é o signo de seu nível
cultural e social. Todos esses signos são utilizados pelo dramaturgo e pelo
ator para exprimir o meio social ou a nacionalidade da personagem representada.
Nesse sentido, utiliza-se seguidamente um vocabulário especial, um tom
especial, para designar um homem desta ou daquela classe, um vocabulário
diferente, uma pronúncia, formas e construções diferentes da linguagem comum
para designar um estrangeiro. Um ritmo de elocução particular, às vezes mesmo
um vocabulário particular, designam um velho. Em certos casos, a função
dominante do discurso dramático de uma personagem não é o próprio conteúdo do
discurso, mas simk os signos linguísticos que caracterizam a nacionalidade, a
classe, etc., daquele que fala. O conteúdo do discurso é então expresso por
outros signos dramáticos, tais como o gesto. O diabo, por exemplo, no teatro de
marionetes, emite apenas gritos convencionais que exprimem suas emoções e o
caracterizam como diabo; em outras peças ele, em vez de falar, realiza uma
pantomima que subnstitui os monólogos e diálogos. A manifestação linguística de
um ator em cena carrega em geral uma série de signos. O discurso de uma
personagem, por exemplo, que fala cometendo erros, designa não somente um
estrangeiro, mas muitas vezes também uma figura cômica. É por isso que o ator
que faz o papel trágico de um estrangeiro ou do representante de um outro povo,
como o Shylock de Shakespeare, e que se esforça para apresentar o mercador de
Veneza como um personagem trágico, deve muitas vezes renunciar ao sotaque
judeu, ou reduzi-lo ao mínimo, já que o sotaque daria um matiz comico às
passagens mais trágicas do papel. No teatro popular, há casos em que certas
cenas cheias de gravidade recebem uma nota cômica quando há personagens judeus.
Estes deformam a língua corrente de maneira tradicionalmente própria ao teatro
popular. [...] Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
FOR ALL – Um filme que muito me chamou a atenção
foi a comedia romance For All - O
Trampolim da Vitória (1997), dirigido por Buza Ferraz e Luiz Carlos
Lacerda, e contando a história que ocorre durante a II Guerra Mundial, quando
os norte-americanos instalam uma base militar estratégica na pacata cidade de
Natal. A chegada de centenas de soldados promove uma revolução cultural na
região, mudando a vida de um casal e atraindo multidões em busca de dólares. Amplamente
elogiado pela critica, a película recebeu os prêmios de melhor filme, melhor
roteiro, melhor trilha sonora, melhor direção de arte e melhor filme do júri
popular no Festival de Gramado, e melhor filme, melhor ator e melhor direção de
arte no Festival de Miami. A película é reveladora trazendo um momento da história em que o Brasil serviu de base estratégica para os norte-americanos e, por consequência, os costumes potiguares foram corrompidos e substituídos por alheias e sedutoras formas de vida dos invasores. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
Charge Louder than words, do cartunista espanhol Sérgio Aragonés.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Domingo Romântico, a partir ddo meio dia no blog do Projeto MCLAM, com
a reprise de toda programação da semana e a apresentação sempre especial e
apaixonante de Meimei Corrêa. E para
conferir online acesse aqui.
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