VERA INDIGNADA:
TÔ INGICADA QUE NEM HENRI THOREAU!!
“(...) Vi até que ponto podia confiar em meus conterrâneos como bons vizinhos e amigos; e percebi que sua amizade era apenas para os momentos de tranquilidade; senti que eles não têm grandes intenções de proceder corretamente; descobri que, tal como os chineses e malaios, eles formam uma raça diferente da minha, por causa de seus preconceitos e superstições; constatei que eles não arriscam a si mesmo ou a sua propriedade em seus atos de sacrifício pela humanidade; (...) e que só querem salvar suas almas, através de ações de feito, de algumas orações e da eventual observação dos limites particularmente estreitos e inúteis de um caminho de retidão...” (Henri Thoreau. Desobedecendo: a desobediência civil & outros escritos. São Paulo: Círculo do Livro, 1987). Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS - As paixões, sejam elas violentas ou não,
nunca devem se expressar quando chegam a um ponto desagradável; a música, mesmo
nas piores situações, nunca deve agredir aos ouvidos, mas sim cativá-los e
continuar sempre música. Não consigo escrever poesia: não sou poeta. Não
consigo dispor as palavras com tal arte que elas reflitam as sombras e a luz,
não sou pintor... Mas consigo fazer tudo isso com a música... Eu agradeço a
Deus por graciosamente me dar a oportunidade de entender que a morte é a chave
que abre a porta da nossa verdadeira felicidade. Eu não ligo para nada do que
os outros exaltam ou condenam. Eu simplesmente sigo meus próprios sentimentos. O
necessário e mais difícil e mais importante na música é o ritmo. Quando estou
completamente sozinho, completamente sozinho... ou durante a noite, quando não
consigo dormir, é nessas ocasiões que minhas ideias fluem melhor e mais
abundantemente. A música é minha vida e a minha vida é a música. Quem não
entender isso, não é digno de Deus. Pensamento do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart
(1756-1791). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU - Todo mundo deve atuar no teatro de marionetes
da vida e sentir o arame que nos mantém em movimento.
Pensamento do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). Veja mais
aqui.
A MÚSICA DO UNIVERSO - [...]
A ideia: mantenha espelhos suspensos de
modo que estejam livres para balançar paralelos ao chão e veja como são jogados
pela onda gravitacional que passa. Mantenha controle sobre a distância entre
eles, e seus movimentos vão registrar o formato mutante do espaço‑tempo. Como a
velocidade da luz é constante, o tempo que a luz leva para fazer esse percurso
mede o comprimento do percurso. Se o tempo de percurso é um pouco mais longo, é
sinal de que a distância entre os espelhos foi esticada. Se o tempo de percurso
da luz é um pouco menor, a distância entre os espelhos se comprimiu. Relógios
de precisão não são suficientemente bons para distinguir variações minúsculas
no tempo do percurso. [...]. Trecho extraído da obra A música do universo: ondas gravitacionais e a maior descoberta
científica dos últimos cem anos (Companhia das Letras, 2016), da cosmóloga
teórica e professora estadunidense Janna
Levin.
CANÇÃO PELA UNIDADE DA AMÉRICA LATINA - O nascimento de um mundo foi adiado por um momento / Pouco
tempo, do universo um segundo / No entanto, parecia que tudo ia acabar / Com a
distância mortal que separou nossas vidas / Eles fizeram o trabalho de unir
nossas mãos / E apesar de serem irmãos, olhamos um para o outro com medo / Quando
os anos passaram, os rancores acumularam / Amores foram esquecidos, parecíamos
estranhos / Que distância tão sofrida, que mundo tão separado / Eu nunca teria
encontrado sem trazer novas vidas / Escravo, por um lado, servil elevado, por
outro / É a primeira coisa que o último desencadeia / Explorar esta missão para
ver tudo tão claro / Um dia ele foi liberal para esta revolução / Este não foi
um bom exemplo para outros lançarem / A nova tarefa era isolar o bloqueio de
toda a experiência / O que brilha com sua própria luz, ninguém pode desligá-lo
/ Seu brilho pode atingir a escuridão de outras costas / O que esse
arrependimento pagará pelo tempo perdido. / Das vidas que custam, do que pode
custar / Será pago pela unidade dos povos em questão / E quem negar esse motivo
a história condenará / A história pega o carro dele e muitos nos montam / Acima
vai passar de quem quiser negar / Bolívar lançou uma estrela que ao lado de
Martí brilhou / Fidel a dignificou de andar por essas terras. Canção do cantor e guitarrista
cubano Pablo
Milanés Arias. Veja mais aqui.
A GATA E O RATO - Em
uma casa, de um certo país, há um rato enorme e muito perigoso. Para
libertar-se dele, o proprietário da casa apela para todos os mestres-gatos que
ele conhece. O primeiro gato que se apresenta é umgrande atleta, um gato muito
forte. Mas, para surpresa de todos, este ghato, que sempre fora vitorioso, é
vencido pelo rato. Apresenta-se um outro gato que diz ao primeiro: “É
perfeitamente normal que você tenha sido vencido,porque à sua força opôs=se uma
outra força. É preciso se servir da força do inimigo para ele se autodestrua”.
Este gato conhece bem as artes marciais. Entretanto, apesar de aplicá-las com
toda competência, é vencido. Chega ainda um outro gato que diz: “Todos os meus
predecessores não compreenderam. Este tipo de rato só pode ser vencido com o
poder do espíroto. “Senta-se em uma postura adequada para hipnotizar e desruir
o rato. Mas isso nada adianta. Então, eus que chega uma velha gata que não tem
um ar extraordinário. Entra no quato, vai diratamente ao rato, pega-o pela pele
do pescoço e joga-o fora. Todos os mestres-gatos lhe perguntam: “O que você
fez? Qual foi a sua técnica? Quem é o seu mestre? Qual é a sua energia? Como
isso é possível?” E ela lhes responde: - “Eu não tenho técnica. Quando entre
neste quarto não tinha nenhuma ideia, nem sobre orato nem sobre o modo de
vencê-lo. Simplesmente escutei o movimento do meu ventre, o movim,ento da vida
em mim e fiz o que me pareceu certo”. Esta é a força do hara. E completa: -
“Nada tenho de especial. Conheço, em um país vizinho, alguém que émuito mais
forte do que eu. É um velho gato, muito gentil, que passa seus dias dormindo,
deitado em um banco. Mas no país onde ele mora não existem ratos. Narrativa
registrada pelo psicoterapeuta e mestre zen alemão, Karlfried Graf Dürckheim
(1896-1988). Veja mais aqui.
O SEGUNDO SEXO DE BEAUVOIR - [...]
O
mito da mulher desempenha um papel considerável na literatura; mas que
importância tem na vida quotidiana? Em que medida afeta os costumes e as
condutas individuais? Para responder a essas perguntas seria necessário
determinar as relações que mantém com a realidade. Há diversas espécies de
mitos. Este, sublimando um aspecto imutável da condição humana que é o
"seccionamento" da humanidade em duas categorias de indivíduos, é um
mito estático; projeta em um céu platônico uma realidade apreendida na
experiência ou conceitualizada a partir da experiência. Ao fato, ao valor, à
significação, à noção, à lei empírica, ele substitui uma ideia transcendente,
não temporal, imutável, necessária. Essa ideia escapa a qualquer contestação
porquanto se situa além do dado; é dotada de uma verdade absoluta. Assim, à
existência dispersa, contingente e múltipla das
mulheres, o pensamento mítico opõe o Eterno Feminino único e cristalizado; se a
definição que se dá desse Eterno Feminino é contrariada pela conduta das
mulheres de carne e osso, estas é que estão erradas. Declara-se que as mulheres
não são femininas e não que a Feminilidade é uma entidade. Os desmentidos da
experiência nada podem contra o mito. Entretanto, de certa maneira, este tem
sua fonte nela. Assim é exato que a mulher é outra e essa alteridade é
concretamente sentida no desejo, no amplexo, no amor; mas a relação real é de
reciprocidade; como tal, ela engendra dramas autênticos: através do erotismo,
do amor, da amizade e suas alternativas de decepção, ódio, rivalidade, ela é
luta de consciência que se consideram essenciais, é reconhecimento de
liberdades que se confirmam mutuamente, é a passagem indefinida da inimizade à
cumplicidade. Pôr a Mulher é pôr o Outro absoluto, sem reciprocidade, recusando
contra a experiência que ela seja um sujeito, um semelhante. Na realidade
concreta, as mulheres manifestam-se sob aspectos diversos; mas cada um dos
mitos edificados a propósito da mulher pretende resumi-la inteiramente. Cada
qual se afirmando único, a consequência é existir uma pluralidade de mitos
incompatíveis e os homens permanecerem atônitos perante as estranhas
incoerências da ideia de Feminilidade; como toda mulher participa de uma
pluralidade desses arquétipos que, todos, pretendem encerrar sua única Verdade,
os homens reencontram, assim, ante suas companheiras o velho espanto dos
sofistas que mal compreendiam que o homem pudesse ser louro e moreno a um
tempo. A passagem para o absoluto já se exprime nas representações sociais. As
relações aí se fixam facilmente em classes, as funções em tipos, assim como na
mentalidade infantil as relações fixam-se em coisas. Por exemplo, a sociedade
patriarcal, apoiada na conservação do patrimônio, implica necessariamente, ao
lado de indivíduos que detêm e transmitem os bens, a existência de homens e
mulheres que os arrancam a seus proprietários e os fazem circular; os homens —
aventureiros, vigaristas, ladrões, especuladores — são geralmente condenados
pela coletividade; as mulheres, usando de sua atração erótica, têm a
possibilidade de convidar os jovens, e até os pais de família, a dissiparem seu
patrimônio sem sair da legalidade; apropriam-se de sua fortuna ou captam sua
herança; sendo esse papel considerado nefasto, chamam "mulheres más"
as que o desempenham. Na realidade, elas podem, ao contrário, apresentar-se em
outro lar — o do pai, o do irmão, do marido ou do amante — como um anjo da
guarda; tal ou qual cortesã, que explora ricos financistas, é um mecenas para
pintores e escritores. A ambiguidade da personagem de Aspásia, de Mme de
Pompadour torna-se facilmente compreensível numa experiência concreta. Mas, se
se afirma que a mulher é a fêmea do louva-a-deus, a mandrágora, o demônio,
confunde-se o espírito ao descobrir igualmente nela a Musa, a Deusa-Mãe,
Beatriz. Como as representações coletivas e, entre outros, os tipos sociais
definem-se geralmente por pares de termos opostos, a ambivalência parecerá uma
propriedade intrínseca do Eterno Feminino. A mãe santa tem como correlativo a
madrasta cruel; a moça angélica, a virgem perversa: por isso ora se dirá que a
Mãe é igual à Vida, ora que é igual à Morte, que toda virgem é puro espírito ou
carne votada ao diabo. Não é evidentemente a realidade que dita à sociedade ou
aos indivíduos a escolha entre os dois princípios opostos de unificação; em
cada época, em cada caso, sociedade e indivíduos decidem de acordo com suas
necessidades. Muitas vezes projetam no mito adotado as instituições e os
valores a que estão apegados. Assim, o paternalismo, que reclama a mulher no
lar, define-a como sentimento, interioridade e imanência; na realidade, todo
existente é, ao mesmo tempo, imanência e transcendência; quando não lhe propõem
um objetivo, quando o impedem de atingir algum, quando o frustram em sua
vitória, sua transcendência cai inutilmente no passado, isto é, recai na
imanência; é o destino da mulher, no patriarcado; não se trata, porém, da mesma
vocação tal como a escravidão não é a vocação do escravo. Percebe-se
claramente, em Comte, o desenvolvimento dessa mitologia. Identificar a Mulher
ao Altruísmo é garantir ao homem direitos absolutos à sua dedicação, é impor às
mulheres um dever-ser categórico. Não se deve confundir o mito com a apreensão
de uma significação; a significação é imanente ao objeto; ela é revelada à
consciência numa experiência viva ao passo que o mito é uma ideia transcendente
que escapa a toda tomada de consciência. Quando, em Age d'homme, descreve sua
visão dos órgãos femininos, Michel Leiris oferece-nos significações e não
elabora nenhum mito. O deslumbramento ante o corpo feminino, a repugnância pelo
sangue menstrual são apreensões de uma realidade concreta. Nada há de mítico na
experiência que descobre as qualidades voluptuosas da carne feminina e não se
passa ao mito quando se tenta exprimi-las mediante comparações com flores ou
pedras. Mas dizer que a Mulher é a Carne, que a Carne é Noite e Morte, ou que é
o esplendor do Cosmo, é abandonar a verdade da terra e alçar voo para um céu
vazio. Porque o homem também é carne para a mulher; e esta é outra coisa além
de um objeto carnal; e a carne assume, para cada um e em cada experiência,
significações singulares. É, também, inteiramente verdade que a mulher — como o
homem — é um ser arraigado na Natureza; ela é mais do que o homem escravizada à
espécie, sua animalidade é mais manifesta, mas, nela como nele, o dado é
assumido pela existência, pertence também ao reino humano. Assimilá-la à
Natureza é um simples parti pris. Poucos
mitos foram mais vantajosos do que esse para a casta dominante: justifica todos
os privilégios e autoriza mesmo a abusar deles. Os homens não precisam
preocupar-se em aliviar os sofrimentos e encargos que são fisiològicamente a
parte da mulher, porquanto "são da vontade da Natureza"; eles se valem
do pretexto para aumentar ainda a miséria da condição feminina, para denegar,
por exemplo, à mulher, qualquer direito ao prazer sexual, para fazê-la
trabalhar como um animal de carga. De todos esses mitos nenhum se acha mais
enraizado nos corações masculinos do que o do "mistério" feminino.
Tem numerosas vantagens. E primeiramente permite explicar sem dificuldades o
que parece inexplicável; o homem que não "compreende" uma mulher
sente-se feliz em substituir uma resistência objetiva a uma insuficiência
subjetiva; ao invés de admitir sua ignorância, reconhece a presença de um
mistério fora de si: é um álibi que
lisonjeia a um tempo a preguiça e a vaidade. Um coração apaixonado evita,
assim, muitas decepções; se as condutas da bem-amada são caprichosas, suas
reflexões, estúpidas, o mistério serve de desculpa. Enfim, graças ao mistério,
perpetua-se essa relação negativa que se afigurava a Kierkegaard infinitamente
preferível a uma posse positiva; em face de um enigma vivo, o homem permanece
só: só com seus sonhos, esperanças, temores, amor e vaidade; esse jogo
subjetivo que pode ir do vício ao êxtase místico é para muitos uma experiência
mais atraente do que uma relação autêntica com um ser humano. Em que bases
assenta, pois, uma ilusão tão proveitosa? Seguramente, em certo sentido, a
mulher é misteriosa, "misteriosa como todo mundo", na expressão de
Maeterlinck. Cada um só é sujeito para si; cada um só pode apreender a si
unicamente em sua imanência. Deste ponto de vista, o outro é sempre mistério.
Aos olhos dos homens a opacidade do para-si é mais flagrante no outro feminino;
eles não podem, por nenhum efeito de simpatia, penetrar-lhe a experiência
singular. A qualidade do prazer erótico da mulher, os incômodos da menstruação,
as dores do parto, eles estão condenados a ignorá-los. Na verdade, há
reciprocidade do mistério; enquanto outro, e outro do sexo masculino, há no
coração de todo homem uma presença fechada sobre si mesma e impenetrável à
mulher; ela ignora o que representa o erotismo do macho. Mas, segundo a regra
universal que verificamos, as categorias através das quais os homens encaram o
mundo são constituídas, do ponto de vista
deles, como absolutas: eles desconhecem,
nisso como em tudo, a reciprocidade. Mistério para o homem, a mulher é encarada
como mistério em si. A bem dizer, a situação dela a predispõe singularmente a
ser considerada sob esse aspecto. Seu destino fisiológico é muito complexo; ela
mesma o suporta como uma história estranha; seu corpo não é para ela uma
expressão clara de si mesma; ela
sente-se nele alienada; o laço que em todo indivíduo liga a vida
fisiológica à vida física, ou para melhor dizer, a relação existente entre a facticidade
de um indivíduo e a liberdade que a assume, é o mais difícil enigma implicado
pela condição humana: é na mulher que esse enigma se põe da maneira mais
perturbadora. Mas o que se chama mistério não é a solidão subjetiva da
consciência, nem o segredo da vida orgânica. É ao nível da comunicação que a
palavra assume seu sentido verdadeiro: não se reduz ao puro silêncio, à noite,
à ausência; implica uma presença balbuciante que malogra em se manifestar.
Dizer que a mulher é mistério não é dizer que ela se cala e sim que sua
linguagem não é compreendida; ela está presente, mas escondida sob véus; existe
além dessas incertas aparições. Quem é ela? Um anjo, um demônio, uma inspirada,
uma comediante? Ou se supõe que existem para essas perguntas respostas
impossíveis de descobrir, ou antes, que nenhuma é adequada porque uma
ambiguidade fundamental afeta o ser feminino; em seu coração, ela é para si
mesma indefinível: uma esfinge. O fato é que ela se veria bastante embaraçada
em decidir quem ela é; a pergunta não
comporta resposta; mas não porque a verdade recôndita seja demasiado móvel para
se deixar aprisionar: é porque nesse terreno não há verdade. Um existente não é senão o que faz;
o possível não supera o real, a essência não precede a existência: em sua pura
subjetividade o ser humano não é nada.
Medem-no pelos seus atos. De uma camponesa pode-se dizer que se trata de uma
boa ou má trabalhadora, de uma atriz que tem ou não talento; mas se se
considera uma mulher em sua presença imanente, nada absolutamente se pode
dizer, ela está aquém de qualquer qualificação. Ora, nas relações amorosas ou
conjugais, em todas as relações em que a mulher é a vassala, o outro, é em sua
imanência que é apreendida. É impressionante o fato de a companheira, a colega,
a associada não terem mistério; em compensação, se o vassalo é masculino, se
diante de um homem ou de uma mulher mais velhos do que ele, mais ricos, um
rapaz se apresenta como o objeto inessencial, envolve-se ele também de
mistério. E isso nos revela uma infraestrutura do mistério feminino que é de
ordem econômica. Um sentimento também não ê
nada. "No terreno dos sentimentos o real não se distingue do imaginário,
diz Gide. E basta imaginar que se ama para amar, por isso basta dizer que se
imagina amar, quando se ama, para amar um pouco menos..." Entre o imaginário
e o real só há discriminação através das condutas. Detendo o homem neste mundo
uma situação privilegiada, êle é que pode manifestar ativamente seu amor;
muitas vezes sustenta a mulher ou a ajuda, Desposando-a, dá-lhe uma posição
social; dá-lhe presentes; sua independência econômica e social permite-lhe
iniciativas e invenções. Separado de Mme de Villeparisis, o Sr. de Norpois é
quem fazia viagens de vinte e quatro horas para vê-la. Muitas vezes ele tem
ocupações, ela não faz nada; o tempo que passa com Mme de Villeparisis êle o dá, ela o toma: com
prazer, com paixão, ou simplesmente para se distrair? Aceita ela esses dons por
amor ou por interesse? Ama o marido ou o casamento? Naturalmente as próprias
provas que o homem dá são ambíguas: tal ou qual dom é feito por amor ou por
piedade? Mas, enquanto normalmente a mulher encontra no comércio com o homem
numerosas vantagens, o comércio com a mulher só beneficia o homem na medida em
que ele a ama. Por isso, pelo conjunto de suas atitudes pode-se apreciar mais
ou menos o grau de seu apego; ao passo que a mulher quase não tem meios de
sondar o próprio coração; segundo seu temperamento, terá pontos de vista
diferentes acerca de seus sentimentos, e enquanto os suportar passivamente
nenhuma interpretação será mais verdadeira do que outra. Nos casos bastante
raros em que ela detém os privilégios econômicos e sociais, o mistério
inverte-se: o que demonstra que se liga não a este ou
àquele sexo e sim a uma situação. Para grande número de mulheres os caminhos da
transcendência estão barrados: como não fazem
nada, não se podem fazer ser;
perguntam-se indefinidamente o que poderiam vir
a ser, o que as leva a indagar o que são: é
uma interrogação vã; se o homem malogra em descobrir essa essência secreta é
muito simplesmente porque ela não existe. Mantida à margem do mundo, a mulher
não pode definir-se objetivamente através desse mundo e seu mistério cobre
apenas um vazio. Demais, acontece que, como todos os oprimidos, dissimula
deliberadamente sua figura objetiva; o escravo, o criado, o indígena, todos os
que dependem dos caprichos de um senhor aprenderam a opor-lhe um sorriso
imutável ou uma impassibilidade enigmática; escondem cuidadosamente seus
verdadeiros sentimentos, suas verdadeiras condutas. À mulher também ensinaram
desde a adolescência a mentir aos homens, a trapacear, a usar de subterfúgios.
Chega-se a eles com máscara: é prudente, hipócrita, comediante. Mas o Mistério
feminino tal qual o reconhece o pensamento mítico é uma realidade mais
profunda. Em verdade, acha-se ele
implicado imediatamente na mitologia do Outro absoluto. Se se admite que a
consciência inessencial é, ela também, uma subjetividade translúcida, capaz de
operar o Cogito,
admite-se que é, na verdade, soberana e retorna ao essencial. Para que toda
reciprocidade se apresente como impossível, é preciso que o Outro seja para si
um outro, que sua subjetividade mesma seja afetada pela alteridade. Essa
consciência que seria alienada enquanto consciência, em sua pura presença
imanente, seria evidentemente Mistério; seria Mistério em si pelo fato de que o
seria para si; seria o Mistério absoluto. Assim é que há, para além do segredo
que sua dissimulação cria um mistério do Preto, do Amarelo, enquanto
considerados absolutamente como o Outro inessencial. Deve-se observar que o
cidadão norte-americano, que desnorteia profundamente o europeu médio, não é
entretanto considerado "misterioso": mais modestamente asseguram que
não o entendem; do mesmo modo, a mulher nem sempre "compreende" o
homem, mas não há mistério masculino; é que a América rica e o homem estão do
lado do Senhor, e o Mistério é propriedade do escravo. Bem entendido, não se
pode senão sonhar nos crepúsculos da má-fé acerca da realidade positiva do
Mistério; como certas alucinações marginais, dissipa-se logo que se tenta
fixá-lo. A literatura malogra sempre ao pintar mulheres
"misteriosas". Elas podem somente surgir no início de um romance como
estranhas, enigmáticas; mas, a menos que a história permaneça inacabada,
terminam por revelar seu segredo e são então personagens coerentes e
translúcidos. Por exemplo, o herói dos livros de Peter Cheney não cessa de se
espantar com os imprevisíveis caprichos das mulheres: nunca se pode adivinhar
como vão conduzir-se, fazem abortar todos os cálculos; na verdade, logo que os
motivos de seus atos são desvendados ao leitor, elas se apresentam como
mecanismos muito simples: uma era espiã, outra ladra; por hábil que seja a
intriga, há sempre uma chave e não poderia ser de outro modo, ainda que o autor
tivesse todo o talento e toda a imaginação do mundo. O mistério nunca passa de
uma miragem, dissipa-se quando se tenta apreendê-lo. Vemos assim que o mito se
explica em grande parte pelo uso que dele faz o homem. O mito da mulher é um
luxo. Só pode surgir se o homem escapa à urgente imposição de suas
necessidades; quanto mais as relações são concretamente vividas, menos se
idealizam. O felá do antigo Egito, o camponês beduíno, o artesão da Idade
Média, o operário contemporâneo, têm, nas necessidades do trabalho e da pobreza,
relações demasiado definidas com a mulher singular que é sua companheira para
enfeitá-la como uma aura fasta ou nefasta. São as épocas e as classes a que se
concedem os lazeres do sonho que erguem as estátuas negras ou brancas da
feminilidade. Mas o luxo tem também uma utilidade. Tais sonhos são
imperiosamente dirigidos por interesses. Por certo, em sua maior parte, os
mitos têm raízes na atitude espontânea do homem para com sua própria existência
e o mundo que o cerca: mas a superação da experiência em direção à ideia
transcendente foi deliberadamente operada pela sociedade patriarcal para fins
de auto justificação; através dos mitos, ela impunha aos indivíduos suas leis e
costumes de maneira sensível e por imagens; sob uma forma mítica é que o imperativo
coletivo se insinuava em cada consciência. Por intermédio das religiões, das
tradições, da linguagem, dos contos, das canções, do cinema, os mitos penetram
até nas existências mais duramente jungidas às realidades materiais. Todos
podem encontrar nesses mitos uma sublimação de suas modestas experiências: enganado por uma mulher amada,
um declara que ela é uma matriz danada; outro, obcecado pela impotência viril,
encara a mulher como a fêmea do louva-a-deus; outro ainda compraz-se em
companhia de sua mulher e ei-la Harmonia, Repouso, Terra nutriz. O gosto a uma
eternidade barata, a um absoluto de bolso, que se depara na maioria dos homens,
satisfaz-se com mito. A menor emoção, uma contrariedade, tomam o reflexo de uma
ideia não temporal; essa ilusão lisonjeia agradàvelmente a vaidade. O mito é
uma dessas armadilhas da falsa objetividade em que se lança temeràriamente o
espírito de gravidade. Trata-se mais uma vez, de substituir a experiência
vivida e os livres julgamentos que ela reclama por um ídolo imoto. A uma
relação autêntica com um existente autônomo, o mito da Mulher substitui a
contemplação imóvel de uma miragem. "Miragem! Miragem! Ê preciso matá-las
porque não podemos apanhá-las; ou então tranquilizá-las, informá-las,
dissipar-lhe o gosto pelas jóias, fazer delas nossas companheiras iguais,
nossas amigas íntimas, associadas neste mundo, vesti-las de outro modo,
cortar-lhes os cabelos, dizer-lhes tudo...", exclama Laforgue. O homem
nada teria a perder, muito pelo contrário, se renunciasse a fantasiar a mulher
de símbolo. Os sonhos, quando são coletivos e dirigidos, são bem pobres e
monótonos ao lado da realidade viva: para o verdadeiro sonhador, para o poeta,
a realidade viva é uma fonte muito mais fecunda do que um maravilhoso puído. As
épocas que mais amaram as mulheres não foram a do feudalismo cortês nem o
galante século XIX: foram as épocas em que — como no século XVIII — os homens
encararam as mulheres como semelhantes; é então que se apresentam como
verdadeiramente romanescas: basta ler Les Liaisons
dangereuses, Le Rouge et le Noir, Adeus às Armas,
para percebê-lo. As heroínas de Laclos, Stendhal, Hemingway não têm mistério;
nem por isso são menos atraentes. Reconhecer um ser humano na mulher não é
empobrecer a experiência do homem: esta nada perderia de sua diversidade, de
sua riqueza, de sua intensidade, se se assumisse em sua intersubjetividade;
recusar os mitos não é destruir toda relação dramática entre os sexos, não é
negar as significações que se revelam autenticamente ao homem através da
realidade feminina; não é suprimir a poesia, o amor, a aventura, a felicidade,
o sonho: é somente pedir que as condutas, os sentimentos, as paixões assentem
na verdade. "A mulher se perde. Onde estão as mulheres? As mulheres de
hoje não são mulheres", viu-se qual o sentido desses slogans misteriosos. Aos
olhos dos homens — e da legião de mulheres que veem por esses olhos — não basta
ter um corpo de mulher, nem assumir como amante, como mãe, a função de fêmea
para ser "uma mulher de verdade"; através da sexualidade e da
maternidade, o sujeito pode reivindicar sua autonomia; "a verdadeira
mulher" é a que se aceita como Outro. Há na atitude dos homens de hoje uma
duplicidade que cria na mulher um dilaceramento doloroso; eles aceitam em
grande medida que a mulher seja um semelhante, uma igual; e, no entanto,
continuam a exigir que ela permaneça o inessencial; para ela, esses dois
destinos não são conciliáveis; ela hesita entre um e outro sem se adaptar
exatamente a nenhum e daí sua falta de equilíbrio. No homem não há nenhum hiato
entre a vida pública e a vida privada: quanto mais êle se afirma seu domínio do
mundo pela ação e pelo trabalho, mais revela viril; nele, os valores humanos e
os valores vitais se confundem; ao passo que os êxitos autônomos da mulher
estão em contradição com sua feminilidade, porquanto se exige da
"verdadeira mulher" que se torne objeto, que seja o Outro. É muito
possível que, neste ponto, a sensibilidade e até a sexualidade do homem se
modifiquem. Uma nova estética já nasceu. Se a moda dos bustos chatos e das
ancas magras — da mulher-efebo — durou pouco, não se voltou contudo ao ideal
opulento dos séculos passados. Pede-se ao corpo feminino que seja carne, mas
discretamente; deve ser esbelto e não empapado de banha; com músculos, flexível
e robusto é preciso que indique a transcendência; preferem-no, não branco como
uma planta de estufa, mas tendo enfrentado o sol universal, tostado como um
torso de trabalhador. Tornando-se prático, o vestido da mulher não a fez
parecer assexuada: ao contrário, as saias curtas valorizaram mais do que
outrora as pernas e as coxas. Não se compreende por que o trabalho a privaria
de sua atração erótica. Possuir a mulher ao mesmo tempo como personagem social
e como presa carnal pode ser perturbador: em uma séria de desenhos de Peynet
publicados recentemente, via-se um jovem noivo abandonar a noiva porque era
seduzido pela bonita prefeita que se dispunha a celebrar o casamento. O fato de
uma mulher exercer um "ofício viril" e ser ao mesmo tempo desejável foi
durante muito tempo um tema de piadas mais ou menos livres. Pouco a pouco, o
escândalo e a ironia se embotaram e parece que nova forma de erotismo está
nascendo: talvez venha a engendrar novos mitos. O que é certo é que hoje é
muito difícil às mulheres assumirem concomitantemente sua condição de indivíduo
autônomo e seu destino feminino; aí está a fonte dessas inépcias, dessas
incompreensões que as levam, por vezes, a se considerar como um "sexo
perdido". E, sem dúvida, é mais confortável suportar uma escravidão cega
que trabalhar para se libertar: os mortos também estão mais bem adaptados à
terra do que os vivos. Como quer que seja, uma volta ao passado não é mais
possível nem desejável. O que se deve esperar é que, por seu lado, os homens
assumam sem reserva a situação que se vem criando; somente então a mulher
poderá viver sem tragédia. Então poderá ver-se realizado o voto de Laforgue:
"Ó moças, quando sereis nossos irmãos, nossos irmãos íntimos sem segunda
intenção de exploração? Quando nos daremos o verdadeiro aperto de mãos?"
Então "Mélusine não mais sob o peso da fatalidade desencadeada sobre ela
pelo homem só, Mélusine libertada..." reencontrará seu "equilíbrio
humano". Então ela será plenamente um ser humano "quando se quebrar a
escravidão infinita da mulher, quando ela viver por ela e para ela, o homem —
até hoje abominável — tendo-lhe dado a alforria". O SEGUNDO SEXO – O
livro O segundo sexo: fatos e mitos,
da escritora, filósofa existencialista e feminista francesa Simone
Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, mais conhecida como Simone de
Beauvoir (1908-1986), alcançou repercussão internacional e marcou toda uma
geração interessada, como ela, na abolição do mito do éternel feminin. Tendo sofrido e vencido pela inteligência as
limitações seculares imposta à mulher, expõe nessa obra suas reivindicações e
denuncias, de modo que fica demonstrada sua forma lucidamente didática que
contribuiu de forma decisiva para a expansão da consciência feminina na segunda
metade do séc. XX. O livro trata de temos como os dados biológicos a visão
psicanalítica, o ponto de vista do materialismo histórico, Montherlant ou o
pão do nojo, D. H. Lawrence ou o orgulho fálico, Claudel e a serva do Senhor,
Breton ou a poesia e Stendhal ou o
romanesco do verdadeiro. REFERÊNCIA: BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo:
fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Veja mais aqui, aqui
e aqui.
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