Como os Aparatos para o sono surgiram é uma história biográfica: tive um
período de insônia e numa dessas noites eu pensei: “Ah, chega de não dormir,
vou fazer alguma coisa com isso”. Aí pensei neste título, os Aparatos para o Sono, ou seja, uma
série de coisas que eu precisaria para dormir. Comecei a criar os objetos com
tecido. [...] Não é um
aparato para o sono que criei, mas um aparato para o sono que muitas
comunidades acabam providenciando para poderem dormir sem medo. [...] No geral, não escrevo sobre a memória. Mas é
inevitável. Talvez seja uma memória geral, uma memória do tempo, independente
de ser a minha memória. É um registro do que estou vivendo, mas focalizando uma
situação que é coletiva. [...] A
cidade me interessa como um todo, dentro da idéia do que é o urbanismo, das
estruturas em transformação, mas não é apenas a cidade, é a idéia de um espaço
habitável, seja urbano ou rural...
A arte
da professora e artista Elaine Tedesco,
que possui mestrado e doutorado em Poéticas Visuais pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2002 e 2009), atuando como artista plástica com
produção em fotografia, instalação e videoperformance.
OS RELAMPEJOS DA BORBOLETA - À memória de Dinalva Conceição Oliveira Teixeira (1945-1974)
- Geminiana de Castro Alves, Dina era menina quando estudou na Escola
Rural de Argoim. A família mudou-se para Salvador e prosseguiu seus estudos até
se graduar em Geologia na Universidade Federal da Bahia, em
1968, onde começou a militar no movimento estudantil: era representante da Residência
Universitária Feminina. Era a vigência do Ato Institucional nº 5 (AI 5)
criado pela ditadura militar até 1975, os anos de chumbo: Brasil: ame-o ou
deixe-o. Ao ser presa, casou-se com seu colega de turma,
Antônio, que adotou o nome: de Dina. Foram pro Rio e trabalharam no Ministério
das Minas e Energia, enquanto realizavam trabalho social nas favelas cariocas. Em
maio de 1970, foram para o Araguaia e lá se separaram. Ela passou a atuar como
professora e parteira, ganhando fama entre os humildes habitantes da região. Foi
aí que montou um negócio: a Tabacaria de Dina e tornou-se famosa por sua
capacidade militar: excelente preparo físico, exímia atiradora, espírito de
liderança e personalidade decidida. Por conta disso, era a mais temida de todas
as guerrilheiras: enfrentou tropas militares várias vezes, escapando do cerco
inimigo. Tornou-se uma lenda entre os caboclos: diziam que ao ser
ferida era desaparecia transformando-se numa borboleta. Por esta razão, era
caçada pelos militares por ser tratada como perigosíssima e ameaça à ação
militar na região. Para eles, a sua morte era necessária para acabar com o
mito. Durante o ataque do dia de Natal, em 1973, ela embrenhou-se na selva e
desapareceu até junho de 1974, quando foi presa doente e desnutrida, vagando
pela mata de Pau Preto, juntamente com Tuca e Luiza Garlippe. Foi levada à base
de Xambioá, presa e torturada por duas semanas. Como não abriu a boca, foi
colocada num helicóptero e levada pelo capitão para uma mata próxima e, pronta
para o sacrifício, teve um diálogo com o seu executor: Vou morrer agora? Vai. Agora você vai ter que ir. Quero morrer de
frente. Então vira pra cá. E foi executada a tiros. Desde então
é enquadrada como desaparecida política, porque os seus restos mortais
não foram encontrados e nem entregues para os familiares. Persegue insepulta
até hoje com a Canção dos guerrilheiros: Guerrilheiro nada teme / Jamais se abate / Afronta
a bala a servir / Ama a vida, despreza a morte / E vai ao encontro do porvir... Este evento faz parte da obscura história de um dos
muitos Brasis, construída nas desesperanças dos não vitoriosos, nas destoantes
vozes dos excluídos. Veja mais aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS – O
absurdo é uma das coisas mais humanas sobre nós: uma manifestação de nossas
características mais avançadas e interessantes.
Pensamento do filósofo estadunidense Thomas
Nagel. Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: ... Tudo é nada
para quem descreu de si e do mundo e de olhos cegos vai dizendo: Não há o que
não entendo... Pensamento do poeta, ensaísta e crítico português Adolfo Casais Monteiro (1908-1972).
Veja mais aqui.
DE DENTRO PARA FORA: REFLEXÕES SOBRE A VIDA – [...] Olhando para trás, também são os menores momentos que parecem irradiar mais dor. Os momentos em que você percebe que ama essas pessoas, desamparadamente, que não tem escolha nessa questão de amá-las e que elas sempre farão parte de você, não importa o quanto você tente separá-las de sua carne. Que você está amarrado a eles com laços que nunca poderia romper, que eles viverão dentro de você, não importa quantas efígies deles você pendure e queime, não importa quantas vezes seus reflexos apareçam nos olhos de outros homens e mulheres, homens e mulheres que, então, inconscientemente, desempenham os papéis de pai e mãe, com quem você representa o drama repetidamente. Trecho extraído da obra Inside Out: Reflections on a life so far (Anchor Canada, 2002), da escritora canadense
REVOLUÇÃO E MULHERES – Elas
fizeram greves de braços caídos. / Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e
à junta. / Elas gritaram à vizinha que era fascista. / Elas souberam dizer
salário igual e creches e cantinas. / Elas vieram para a rua de encarnado. / Elas
foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. / Elas gritaram
muito. / Elas encheram as ruas de cravos. / Elas disseram à mãe e à sogra que
isso era dantes. / Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. / Elas
foram para as portas de armas com os filhos ao colo. / Elas ouviram falar de
uma grande mudança que ia entrar pelas casas. / Elas choraram no cais agarradas
aos filhos que vinham da guerra. / Elas choraram de verem o pai a guerrear com
o filho. / Elas tiveram medo e foram e não foram. / Elas aprenderam a mexer nos
livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. / Elas dobraram em
quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa. / Elas sentaram-se a
falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. / Elas levantaram
o braço nas grandes assembleias. / Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio
amarelo pequenas foices e martelos. / Elas disseram à mãe, segure-me aí os
cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. / Elas
vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. / Elas
estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. / Elas diziam tu às
pessoas com estudos e aos outros homens. / Elas iam e não sabiam para onde, mas
que iam. / Elas acendem o lume. / Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado.
/ São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças
adormecidas. Poema da escritora portuguesa Maria Velho da Costa (1938-2020). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.