terça-feira, janeiro 28, 2014

PATTI SMITH, OUIDA, DAMÁSIO, EDGEWORTH, SOMERVILLE & ESCREVER

 


RAZÃO PARA ESCREVER – Escrevo para traduzir a mim mesmo e a minha vida: o que fui, fiz, a trajetória que percorri. Escrevo para me entender e a razão pela qual estou aqui, de onde procedo e para onde sigo. Escrevo para ir além de mim mesmo, perceber o outro no que sou e tudo posso ser. Escrevo para decifrar e comungar com a Natureza, o que está por trás dela e o que sou diante da sua imensidão. Escrevo para transcender minha própria pequenez diante da infinitude e identificá-la entre a porção do que sou mergulhado na grandeza do universo. Escrevo para aprender a vida e todas as coisas ao meu redor, e ir além e entender ou desvelar os mistérios por trás de cada expressão. Escrevo porque quero mergulhar o mais fundo possível na essência da vida e por todas as coisas, com fito de saber onde estou e qual o meu papel no mundo e na existência. Escrevo para descobrir o que há de verdadeiro dentro de mim, o que de mais original possua e possa ter acesso a minha real essencia, distinguindo o que é de verdadeiramente meu, do que é produto da cultura que recolhi e me molda e me fez ser o que sou aos olhos dos outros. Escrevo na busca de ser eu mesmo, essensialmente a minha parcela real da criação como participante dessa passagem. Escrevo porque preciso me construir, me desfazer, e me refazer, ao mesmo tempo para que me sinta inteiro e não pedaços dos fragmentos muitos que sou. E assim me traduzir por completo e me inteirar o mais que puder, mesmo conscio de minha incompletude, mas que este seja pleno no volume que sou, no tamanho e forma, não apenas restos que se agregaram e se desagregaram continuamente. Escrevo para superar minha própria fraqueza e todos os fracassos, para revolver minhas entranhas e virar pelo avesso, para, assim, entender a mim mesmo e meus próprios paradoxos; para refletir do que gosto e não, para ouvir o dentro e discernir o de fora, para iluminar meu próprio caminho, ascender e ser melhor que sou. Escrevo para descobrir o que é inquestionavelmente melhor em mim e descobrir-me em quantos sou, quais são e o que fazer deles depois da descoberta do um e o que tenho a fazer e aprender no que me resta de vida. Escrevo porque ainda me resta algo que não fiz e precisa ser feito. Escrevo para registarar o que de fato é o meu tempo e o meu espaço, o que fiz e o que tenho a fazer; o que errei e devo corrigir, o que usufrui e devo retribuir, o que olvidei e devo dar maior atenção, o que trilhei e o que me resta para trilhar, o que passou e devo retornar, o que mais persistir e como devo seguir adiante. Escrevo, por fim, porque não sei fazer outra coisa. E admitir que é a minha forma solitária de me comunicar e ter contato com o universo. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Se cuidarmos dos momentos, os anos cuidarão de si mesmos. Certamente é muito mais generoso perdoar e lembrar do que perdoar e esquecer. Foi dito, com que verdade não sabemos, que todos os estudiosos de Cambridge chamam a cifra de algo, e todos os estudiosos de Oxford a chamam de nada. Pensamento da escritora anglo-irlandesa Maria Edgeworth (1768-1849). Veja mais aqui.

 

ALGUÉM FALOU - Nenhuma circunstância no mundo natural é mais inexplicável do que a diversidade de forma e cor na raça humana. A disposição moral da idade aparece no refinamento da conversa. Nem sempre é possível chegar a um acordo antes de dormir, mas é possível dormir de maneira amorosa e pacífica, sabendo que o problema pode ser resolvido no amor mais tarde. Pensamento da cientista e escritora escocesa Mary Somerville (1780-1872).

 

A CONDESSA - [...] Pessoas intensamente egoístas são sempre muito decididas quanto ao que desejam. Eles não desperdiçam suas energias considerando o bem dos outros. [...] Não desejo ser um covarde como o pai da humanidade e jogar a culpa sobre uma mulher. [...] A fraqueza fatal da mulher é desejar simpatia e compreensão [...] É preciso orar primeiro, mas depois é preciso ajudar-se. Deus não se importa com covardes [...] O que amamos uma vez, amamos para sempre. Haverá alegria no céu por aqueles que se arrependem, mas não haverá perdão para eles na terra? [...] Ele se enganou, como os homens mais inteligentes costumam cometer, ao subestimar a crueldade das mulheres. [...] Ela era como uma rainha que vê o solo virgem do seu reino invadido e devastado por um traidor. Qualquer outra coisa ela teria perdoado: infidelidade, indiferença, crueldade, quaisquer pecados de capricho ou paixão da masculinidade, mas quem deveria perdoar isso? O pecado não estava sozinho contra ela; era contra todas as leis de decência e verdade que ela havia sido ensinada a considerar sagradas; foi contra todos aqueles grandes mortos, que jaziam com a cruz no peito e as espadas ao lado, de quem ela recebeu e valorizou as tradições de honra e pureza de raça. Foram aqueles cavaleiros mortos que ele bateu na boca e zombou, gritando para eles: 'Vejam! seu lugar é meu; meus filhos reinarão em seu lugar. Eu manchei sua raça para sempre; pois todo o meu sangue flui com o seu!' A grandeza de uma raça é algo muito superior ao mero orgulho. Seus instintos são nobres e supremos. As suas obrigações não são inferiores aos seus privilégios; é uma grande luz que flui para trás através das trevas dos tempos, e se por essa luz você não guiar seus passos, então você será três vezes amaldiçoado, segurando aquela lâmpada de honra em suas mãos. Assim ela sempre pensou, e agora ele havia quebrado a lâmpada na poeira [...] O mundo nunca deixa ninguém na ignorância ou em paz. [...]. Trechos extraídos da obra Wanda, Countess von Szalras (B. Tauchnitz, 1883), da escritora e ativista anglo-italiana Ouida (Maria Louise Ramé, - 1839-1908). Veja mais aqui e aqui.

 

DIGNO É O CORDEIRO MORTO POR NÓS - À beira de um pasto numa confusão de pedras, \ obscurecido pela grama alta e pela flora, \ a pegada do horror fendida e desenhada. \ Ela tinha um nome lindo: liberdade. \ Muito pequenininho. Não comercializável, leve o balido da nova vida. \Ele adorava a boca dela, os pezinhos vestidos de pregas. \ Ao ouvi-la chorar, ele a pegou pelo caule da garganta dela \ em seus braços grossos e escorregadios de orvalho. \ E ele, uma alma governada, ombros largos \ com olhos como Blake, lamentou quem te criou, \ cuidou você em hidromel e flores, \ enquanto ele a despedaçava. \ O celeiro estava queimando um inferno indiferente, \ engolindo donzelas em seus casacos encaracolados. \ O campo e a queda ficaram vazios como o coração. \ Ele chamou seu deus ofegante \ abandonamos as fazendas que abatemos, \ cortou o cordão, incinerou nossos pequeninos. \ Fizemos isso por amor, fizemos isso pelo homem, \ o espinheiro e o cuco, as trilhas de Cumbria. \ Fizemos isso por um lindo nome. liberdade, \ baa baa baa, nada que você pudesse identificar. Poema da cantora, compositora, poeta e artista visual estadunidense Patti Smith. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

O MISTÉRIO DA CONSCIÊNCIA: SOB A LUZ - Iniciei este livro citando o nascimento e o momento de sair à luz como metáforas sugestivas para a consciência. Quando o self surge na mente pela primeira vez, e para sempre desse momento em diante, dois terços de cada dia vivido, sem nenhuma pausa, saímos à luz da mente e nos tornamos conhecidos por nós mesmos. E agora que a memória de tantas dessas ocasiões criou as pessoas que somos, podemos até mesmo nos imaginar atravessando o palco sob a luz. Tudo começa modestamente, nosso ser vivo em seu sentido mais simples relacionando-se com algo simples dentro ou fora dos limites do corpo. E então a luz se intensifica e, à medida que seu brilho aumenta, mais o universo se ilumina. Mais do que nunca, objetos de nosso passado podem ser vistos com clareza, primeiro separadamente, depois ao mesmo tempo; mais objetos de nosso futuro e ao nosso redor são intensamente iluminados. Sob a luz crescente da consciência, a cada dia mais coisas vêm a ser conhecidas, com mais detalhes e ao mesmo tempo. De seus princípios humildes a seu estado presente, a consciência é uma revelação da existência — uma revelação parcial, devo acrescentar. Em algum ponto de seu desenvolvimento, com a ajuda da memória, do raciocínio e, mais tarde, da linguagem, a consciência também se torna um meio de modificar a existência. Toda criação humana remonta àquele momento de transição em que começamos a manipular a existência guiados pela revelação parcial dessa própria existência. Só criamos um sentido do bem e do mal, assim como normas de comportamento consciencioso, a partir do momento em que tomamos conhecimento de nossa própria natureza e de outros como nós. A própria criatividade — a habilidade para gerar novas ideias e artefatos — requer mais do que a consciência pode fornecer. A criatividade requer uma memória fecunda para fatos e habilidades, uma sofisticada memória operacional, excelente capacidade de raciocínio, linguagem. Mas a consciência está sempre presente no processo da criatividade, não só porque sua luz é indispensável, mas porque a natureza de suas revelações guia o processo da criação, de um modo ou de outro, com maior ou menor intensidade. Curiosamente, tudo o que inventamos, seja o que for, de normas éticas e jurídicas a música e literatura, ciência e tecnologia, é diretamente determinado ou inspirado pelas revelações da existência que a consciência nos proporciona. Ademais, de um modo ou de outro, em um grau maior ou menor, as invenções exercem um efeito sobre a existência assim revelada; alteram-na, para melhor ou para pior. Existe um círculo de influências — existência, consciência, criatividade —, e o círculo se fecha. O drama da condição humana advém unicamente da consciência. Obviamente, a consciência e suas revelações permitem que criemos uma vida melhor para nós mesmos e para outros, mas o preço que pagamos por essa vida melhor é alto. Não é só o preço do risco, do perigo e da dor. É o preço de conhecer o risco, o perigo e a dor. Pior ainda: é o preço de conhecer o que é o prazer e de conhecer quando ele está ausente ou é inacessível. Assim, o drama da condição humana advém da consciência porque diz respeito ao conhecimento obtido em uma troca que nenhum de nós fez: o custo de uma existência melhor é a perda da inocência sobre essa mesma existência. O sentimento do que acontece é a resposta a uma pergunta que nunca fizemos, e é também a moeda de uma troca faustiana que nunca poderíamos ter negociado. A natureza fez isso por nós. Mas drama não é necessariamente tragédia. Em certa medida, de várias maneiras imperfeitas, individual e coletivamente, temos meios para guiar a criatividade e, com isso, melhorar a existência humana em vez de piorá-la. Isso não é fácil de realizar; não há diretrizes a seguir, os êxitos podem ser pequenos, o malogro é provável. Entretanto, se a criatividade for dirigida com sucesso, mesmo modestamente, permitiremos à consciência, mais uma vez, cumprir seu papel de regulador homeostático da existência. Conhecer contribuirá para ser. Tenho até alguma esperança de que compreender a biologia da natureza humana contribuirá com seu quinhão nas escolhas a serem feitas. Seja como for, melhorar as condições da existência é precisamente a finalidade da civilização, a principal consequência da consciência; e, por no mínimo 3 mil anos, com recompensas maiores ou menores, melhorar é o que a civilização vem buscando. A boa notícia, portanto, é que já começamos. O MISTÉRIO DA CONSCIÊNCIA – O livro O mistério da consciência, do médico neurologista e neurocientista português, António Rosa Damásio, trata da busca pela compreensão uma das áreas mais nebulosas do conhecimento, abordando acerca da consciência humana. A partir do seu livro O Erro de Descartes, o autor apresenta a sua revolucionária teoria do enigma da consciência, como sendo o maior desafio da filosofia e das ciências da vida, descrevendo como a consciência abriu caminho para o surgimento de realizações humanas como a arte, a ciência, a tecnologia, a religião, a organização social, por meio de uma pesquisa sobre o cérebro e da complexidade de todo ser humano, sua adaptação ao ambiente, sua sobrevivência e os conflitos consigo mesmo que se realiza com um sistema complexo que articula imaginação, criatividade e planejamento que fazem surgir a consciência. O livro aborda questões como a transição da inocência, a consciência moral, as qualidades sensoriais simples, o comportamento frente à mente e o cérebro, a neurobiologia molecular, reflexões sobre dados neurobiológicos e neuropsicológicos, o self e o proto-self, sentir e conhecer, a emoção e o sentimento, homeostasia, a função biológica das emoções, atenção e comportamento intencional, memória, a biologia do conhecimento, o mapeamento dos sinais do corpo, o sistema somático-sensitivo, o sistema nervoso central, o espaço operacional, a neurologia da consciência, anatomia e neuroanatomia, imagens, padrão neural, representações, sistemas subjacentes a mente, entre outros importantes assuntos. Veja mais aqui.

REFERÊNCIA
DAMÁSIO, Antonio. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.


PREÂMBULO – Primeiro eu conheci o poeta Eduardo Proffa por intermédio do poetamigo e artista visual Tchello D´Barros. Tal fato se deu por ocasião da minha participação no programa Alagoas Frente e Verso, capitaneado pelo amigo jornalista João Marcos Carvalho, na Rádio Difusora de Alagoas. Conversamos, trocamos ideia e de lá fomos para um bar na Ponta Verde e a conversa rolou solta com muita birita e poesia.



JAN CLÁUDIO – O cantor e compositor Jan Claudio eu conheci quando participamos da criação da Cooperativa da Música de Alagoas (Comusa). Mas foi num show que ele fez no Palco Aberto que conheci de fato a arte desse talentosíssimo artista. 


ENTRE AMIGOS - Um dia vi um trabalho da dupla Jan Claudio & Eduardo Proffa. Mandaram ver, sucesso que aplaudi de pé. Esse trabalho resultou no elogiadíssimo show, cd e dvd Entre amigos. 


NÓ NA GARGANTA – Agora a dupla está mandando ver no projeto Nó na Garganta com leituras e releituras de músicas e poesias de artistas alagoanos. Trata-se do show Alagoando, uma proposta poético-musical de resgate de pérolas da cultura caeté. No repertório músicas de Carlos Moura, Claudio Pinto, Djavan, Herman Torres, Jacinto Silva, Junior Almeida, Mácleim, Marcos Vagareza, Osman, Renata Peixoto, Ricardo Guima, Roberto Barbosa, Rômulo Melo, Toinho Antunes, Toni Augusto e Wilson Miranda. Na parte poética estarão obras de Ari Lins Pedrosa, Arriete Vilela, Diógenes Tenório, Jayme de Altavilla, Jorge Cooper, Lêdo Ivo, Marlon Silva, Noaldo Dantas e Vera Romariz. Também, não sei por que cargas d´águas acharam esses artistas de me incluírem entre os grandes da poesia alagoana. Acredito que seja porque fiz uns versos duma acontecência que se deu envolvendo a música Internet Coco do espetacular Mácleim. Da minha parte, sinto-me honrado além da conta por isso, manifestando aqui a minha gratidão. Mas não é por isso que estou falando da dupla: os caras são bons mesmos. 


ALAGOANDO – Segundo os autores Jan & Proffa: “[...] Por ser um espetáculo musical impregnado de literatura, apresenta-se como desafio maior proporcionar a sintonia entre a palavra cantada - a música, e a declamação dos textos – a poesia”. Por isso avisam que o show se realizará mensalmente pelos restaurantes e bares maceioenses, culminando com o fechamento da temporada em um grande espetáculo no teatro. De antemão eu digo: imperdível. Parabéns, Jan Claudio & Eduardo Proffa.

SERVIÇO: SHOW ALAGOANDO
Quando: 1º de fevereiro, às 20hs
Onde: Baioke Petiscaria Baiana
Informações: 8114.2217 / 9675.9123


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quarta-feira, janeiro 22, 2014

SUSANA THÉNON, EDNA O’BRIEN, GAUTIER & BRASINDAFRO.

 

TROÇO BULINDO NAS CATRACAS DO QUENGO – Quantos dias a vida pendurada pela chaminé, até agora nada aconteceu, nem dos porões os odores nem abrigo no meio da chuvada e o noticiário estampa a alunissagem chinesa enquanto contamos as vítimas das enchentes de Minas Gerais e Espírito Santo, o incêndio que destruiu o Memorial da América Latina e o funeral de Nelson Mandela, o leilão dos aeroportos, o tufão das Filipinas e desconforto dos preparativos às comemorações dos 50 anos do golpe militar de 1964, enquanto a tensão na Crimeia com referendo pela anexação russa, atentados suicidas e explosão de ônibus elétrico na Rússia, manifestantes confrontam a polícia na Ucrânia, homossexuais são condenados à prisão em Uganda, meninas são sequestradas na Nigéria, o mundo está uma loucura, à beira de armistícios longínquos em pé de guerra e tem quem ache que a culpa é da maconha que foi liberada no Uruguai. Não se fala de outra coisa, pra quem vem ou vai mulheres a bordo dos sonhos de consumo e Terra gira ninguém sabe pra onde. Uma fulana de lábios protuberantes, cabelos curtos e muito atraente me surpreende na primeira esquina, pergunta-me qualquer coisa que custo entender. Explica que é Rosetta e despertou diante do cometa numa overdose e que me salvou porque quase fui atinguido por um rojão que nem vi no que poderia ser a guerra entre opositores e aliados na Venezuela. E mais se indignou numa revolta incontida com os maridos agredindo suas esposas no aconchego do lar e torturam seus filhos porque o patriarcalismo é cristão e tem que ser assim mesmo, ora, ora! Sem ter mais o que dizer, pediu-me um cigarro e acendeu com as mãos em concha, tragando agitada entre o fumaceiro a indagar quem era eu, ora, antes ameríndio que ela já sabia do cara-pálida cruzarma senhor se fez, mameluco então e tão próxima quanto erradia refletiu o que nem se discutia dos rumores confusos que ressoavam na fuga dos instantes, o pavor desesperado na gritaria dos mortos e estávamos a salvo das ameaças com catadura extenuada de extraviada pelo êxodo, porque estávamos exilados e nem havia como saber a razão, eu sabia, afinal sou brasindafro, apenas um receptáculo da minha macrobiota e ela eu não sei. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOSA arte não serve nenhum fim: tudo que é útil é feio, porque é a expressão de alguma necessidade... o lugar mais usado em uma casa é a latrina...  Pensamento do escritor, jornalista e crítico literário francês Théophile Gautier (1811-1872). Veja mais aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: O que determina a existência de uma literatura é, em princípio, a sensação de alguém que tem a consciência de sua própria terra... Pensamento do jornalista, advogado e crítico literário da Academia Brasileira de Letras, Álvaro Lins (1912-1970). Veja mais aqui.

 

RAÍZES DO BRASIL – [...] Trazendo de países distantes nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do mundo e timbrado em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos uns desterrados em nossa terra. [...]. Trecho extraído da obra Raízes do Brasil (1995), do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Veja mais aqui e aqui.

 

A QUESTÃO DO SUJEITO ANIMAL – [...] Não é porque falta ao animal o acesso às histórias nas quais ele aparece que sua vida não é fundamentalmente determinada pelo uso que os humanos fazem dessas histórias. Um animal tem uma identidade porque muitas coisas importam para ele, e porque várias dessas coisas também importam aos humanos com quem compartilham sua vida. [...]. Trecho extraído da obra The Question of the Animal Subject (Routledge, 2014), do filósofo francês Dominique Lestel.

 

UMA MULHER ESCANDALOSA - [...] Em nosso povoado todo mundo era especial, e uma ou duas moças, bonitas. Houve umas antes e depois, mas foi de Eily que me aproximei. Às vezes a gente se vê aceita pelos outros, é querida, favorecida, se faz cúmplice, e depois acontece, é o destino, e depois acaba e a gente se senta e descobre que, infelizmente, chegou a vez de outra pessoa tomar o nosso lugar. [...] Eily chegou de casaco de tweed e disse “Tarde cavaleiros”, ninguém fez nenhuma observação, mas assim que tirou o casaco e descobriu a transparência do vestido de seda pura e os ombros nus, Mestre Peter cuspiu na palma da mão e disse: não é que ela nua fica uma mulher bonita [...] As pessoas ficaram fascinadas. Ela não saiu da pista uma única vez, e quanto mais dançava mais arrebatadora se tornava [...] enquanto os parceiros a rodopiavam mais e mais. [...] Eu costumava ir até sua casa para brincar e, apesar das duas serem mais velhas que eu, faziam chantagem comigo por meio de carreteis vazios ou retalhos de fazenda para minhas bonecas, eu encarava Eily e ela desviava o olhar para o céu como se quisesse me dizer “coitadinha”, mas ela nunca contrariava Nuala, nem desobedecia às suas ordens. Em tudo e por tudo era uma coisa horrível, mas mesmo assim eu ia lá toda terça-feira. Cascas de ferida ou cortes eram considerados como coisas bem desagradáveis, e marcas de elástico como sinais de coisa grave. Eu também tinha de fazer uma confissão geral. Costumava ficar lá deitada, rezando para que a mãe delas voltasse para casa inesperadamente. Era sempre na terça-feira, dia em que sua mãe ia ao mercado vender coisas [...] Nuala usava uma máscara. Era de papel machê vermelho e existia na casa desde que alguns mascarados tinham ido lá no dia da festa de São Estevão, tinham sido mordidos pelo cachorro e perdido algumas de suas relíquias, inclusive a máscara e uma perneira. Antes de começar ela tinha acessos de tosse secos e bem conhecidos, imitando exatamente os acessos de tosse secos e bem conhecidos de médico. Nunca poderei me esquecer aqueles últimos instantes em que ela esticava o elástico por detrás da nuca e perguntava a Eily. “Tudo pronto enfermeira?” [...] Ela disse que fora a graça de Deus que fizera com que ela fosse lá antes de tudo naquela manhã porque senão o recado poderia ter caído nas mãos de outra pessoa. Ele tinha combinado um encontro para o domingo seguinte, e ela não sabia como é que sairia de casa nem que desculpa daria. Eu disse que sim, que me tornaria sua cúmplice, sem saber onde estava me metendo. No domingo disse a meus pais que ia com Eily visitar um primo dela, no hospital, e ela por sua vez disse aos seus que fomos visitar um primo meu. [...] Uma missão começou na semana seguinte e um estranho padre, com um belo sotaque e um forte senso de retórica, dava os sermões toda tarde. Era melhor que um teatro. Eu podia vislumbrar Eily, cercada pela mãe e por uma outra senhora idosa, pálida e impassível [...] Um dia todos esses pecados teriam de ser levados em conta para o castigo [...] Ela me disse para fechar os olhos, abrir a mão e ver o que Deus ia me dar. Há momentos na vida em que o prazer é maior do que a gente pode aguentar, e a gente desce a contragosto por um violento túnel de medo e vertigem [...] Ela fez exatamente o mesmo e nos beijamos e aspiramos o aroma envolvente. O cheiro do feno interviu, sendo assim corremos até onde não havia feno e nos beijamos outra vez. Aquele momento tinha um ar de mistério e santidade por causa da surpresa e de nosso mutismo, e eu entendi em algum lugar por detrás de minha mente que estávamos envolvidas em algo verdadeiramente sujo e que nossos dias de farra tinham terminado [...] seu pai era um homem muito bruto, que nunca se dirigia à família a não ser para pedir as refeições e dizer às filhas que se importassem com os livros escolares. Ele próprio nunca fora a escola [...] Eu a vi morrer no frio forno de cal e depois de novo num quarto doentio, e depois estirada numa mesa de operação como eu costumava ficar. Ela se associaria àquela pequena irmandade de mulheres escandalosas que conceberam filhos sem pais protetores e foram condenadas de corpo e alma. Se elas se tivessem reunido teriam sido um bando de sete ou oito, e poderiam ter lançado um gemido profano ao seu autor e seus sedutores secretos [...] Lá ajoelhada, eu os via descobrir os traços de cada um dos movimentos, conseguir pedaços de informação de uns e outros, os pseudoprimos, a mulher que nos prometera groselhas, e a Sra. Bolan. Eu sabia que nós não tínhamos esperanças. Eily! Sua coisa mais preciosa tinha ido embora, sua joia. O lado de dentro da gente era como um reloginho e, uma vez que a joia ou joias tivessem ido embora, o lado de fora era nada, só uma aparência. Eu a vi morrer no frio forno de cal e depois de novo num quarto doentio, e depois estirada numa mesa de operação como eu costumava ficar. Ela se associaria àquela pequena irmandade de mulheres escandalosas que conceberam filhos sem pais protetores e foram condenadas de corpo e alma. Se elas se tivessem reunido teriam sido um bando de sete ou oito, e poderiam ter lançado um gemido profano ao seu autor e seus sedutores secretos [...]. Trechos extraídos da obra Uma Mulher Escandalosa (Francisco Alves, 1982), da escritora irlandesa Edna O’Brien. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

DOIS POEMASJOGO - Vamos nos livrar de tudo\ que\ se projeta para fora\ com golpes lentos e definitivos\ Todos empregados na tarefa\ de ser, viver, sentir\ sem outros vínculos.\ E quem não consegue sufocar\ o seu amor pelo proibido,\ reivindica o seu direito à dor,\ à sua penitência.\ Livremo-nos de tudo o que nos conformava à nossa\ imagem e semelhança e aproveitemos com sabedoria o minuto absurdo e livre para a memória. AQUI - Pregue você, eu desejo,\ do meu lado irritado\ e molhar suas pupilas\ pela minha última morte.\ Aqui o sangue,\ aqui o beijo quebrado,\ aqui a fúria desajeitada de Deus\ crescendo em meus ossos.\ Se eu te odiasse,\ o mundo não vacilaria:\ o mundo nunca fica com raiva\ com aqueles que odeiam.\ Em vez disso eu te amo\ e tudo é uma catástrofe ao redor:\ as vozes, as mãos, os rostos\ todo mundo quer nos apedrejar\ Por que aquela mulher está gritando? \ por que ele está gritando? \ Por que aquela mulher está gritando? \ Quem sabe \ aquela mulher, por que ela está gritando? \ Quem sabe, \ olhe as lindas flores, \ por que você está gritando? \ jacintos \ margaridas \ por quê? \ porque? \ Por que aquela mulher está gritando? \ e aquela mulher? \ e aquela mulher? \ Quem sabe \ aquela mulher é maluca, \ olhe \ olhe os espelhos, \é por causa do seu corcel? \ Quem sabe \ onde você ouviu \ a palavra cavalo? \ É segredo \ aquela mulher, \ por que ela está gritando? \ Olha as margaridas, \ a mulher, \ os espelhos, os \ pássaros \ que não cantam, \ por que ela grita? \ Eles não voam, \ por que ele grita? \ que \ a mulher \ e aquela mulher não atrapalham \, e a mulher estava louca? \ Ele não grita mais \ (você se lembra daquela mulher?). Poemas da poeta, tradutora e fotógrafa argentina Susana Thénon (1935-1991).

 

PENSAMENTO DO DIA – Quando não se pensa direito, a cara sofre a maior vergonha. Tenho dito. Veja mais aqui.


UMA DO POETA ABEL FRAGA Uma meritória de entrar nas Crônicas Palmarenses é, sem sombra de dúvida, a tirada do poeta Abel Fraga, aquele quando via todas as frochosas moças, moçoilas e senhoras rebolando impunemente nas calçadas: - Ih, tanta mulher dando sopa e eu sem colher pra tomar. Veja mais Crônicas Palmarenses.


PORQUE CANTAR JÁ NÃO MUDA EM MANHÃ, DE FERNANDO FÁBIO FIORESE FURTADO – Conheci o trabalho poético do escritor e professor universitário mineiro Fernando Fábio Fiorese Furtado com o seu livro Corpo Portátil (2002). Nessa época fiz destacá-lo no meu Guia de Poesia. Depois reuni alguns de seus poemas desse livro no meu blog Varejo Sortido.

Agora resolvi musicar o seu poema:
PORQUE CANTAR JÁ NÃO MUDA EM MANHÃ
Música de Luiz Alberto Machado sobre poema de Fernando Fiorese

Porque cantar já não muda em manhã
A paisagem, nem mesmo abrevia a cena
Onde me falta, ali onde o amor acena
- decerto uma rubrica temporã,

o gesto equívoco de quem espera
aquele que na palavra demora
e, sabendo não haver olhos nem hora,
descreve a elipse que não quisera.

Porque cantar já não apura senão
O palrar do corpo, a palavra pouca
E demasiada – o nada, o nunca, o não.

Porque mesmo em festa, cantar ressalta
O que em mim recusa, recua ou apouca
Quando a palavra acusa minha falta.

OBS: veja o clipe dessa música aqui.

E também selecionei alguns poemas seus no Brincarte do Nitolino. E sempre que estou com esse personagem nos palcos pra criançada, sempre recito:

LINHAS RIVAIS

Trem é texto quando encontra desvio

Ou nos surpreende em meio ao pontilhão,

E da origem as pernas se desdão

Para o mundo acomodar neste livro.

Mas texto é menos trem que o enguiço

De saber que no verso desembarca

Apenas a prosa dessas coisas arcas

Com que menino se salva do olvido.



Seja a prosa como dormir num trem

E a poesia quando a aduana sobrem:

Naquela, até o sonho encontra sua reta,

Uma voz de si mesma estrangeira

- e como fosse toda ela suspeita,

A bagagem uma outra mão desfaz

Mão que vacila entre linhas rivais.


OS DESENHOS DE FABIANO PEIXOTO – Conheça os desenhos do jovem Fabiano Peixoto clicando aqui.

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PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

  Imagem: Foto AcervoLAM . Ao som do show Transmutando pássaros (2020), da flautista Tayhná Oliveira .   Lua de Maceió ... - Não era ...