segunda-feira, fevereiro 25, 2008

LYGIA FAGUNDES TELLES, ROMAN JAKOBSON, PASOLINI, FERNANDO VERÍSSIMO, ROSANA PALAZYAN, PÉRICLES RAMOS & BIG SHIT BÔBRAS

 
A arte da artista visual e arquiteta Rosana Palazyan.


PENSAMENTO DO DIA – [...] Nós nos havíamos comprometido com demasiado ímpeto e avidez com o futuro, para que restasse algo do passado. Rompera-se a conexão dos tempos. Vivíamos demasiado o futuro, pensando nele, acreditando nele. Para nós, não havia atualidade auto-suficiente. Havíamos perdido o sentido de presente. Éramos testemunhas e participantes de grandes cataclismos sociais, científicos e outros. [...] Mas o futuro tampouco nos pertence. Em poucas décadas estaremos marcados como produtos do milênio anterior. Tudo o que tínhamos eram urgentes canções do futuro; e de repente estes cantos já não formam parte da dinâmica da história, pois que se transformaram em dados histórico-literários. Quando se matam os cantores e as suas canções são arrastadas aos museus e cravadas na parede do passado, a geração que representam permanece ainda mais desolada, órfâ e perdida; empobrecida no sentido real da palavra. Pensamento extraído da obra Arte verbal, signo verbal (Fondo de Cultura Economico, 1992), do pensador russo, linguista e pioneiro da analise estrutural da linguagem, Roman Jakobson (1896-1982). Veja mais aqui e aqui.

JOVENS INFELIZES, LINGUAGEM & EXPRESSÃO - [...] A linguagem da empresa é por definição uma linguagem puramente comunicativa: os “lugares” onde é produzida são aqueles onde a ciência é “aplicada”, isto é, lugares do pragmatismo puro. Os técnicos usam entre si um jargão especializado, é claro, mas numa função estritamente, rigidamente comunicativa. O padrão lingüístico que vigora dentro da fábrica tende a se expandir também para fora: é claro que aqueles que produzem querem manter com aqueles que consumem uma relação de negócios absolutamente clara. Existe apenas um caso de expressividade - mas de expressividade aberrante — na linguagem puramente comunicativa da indústria: é o caso do slogan. De fato, para impressionar e convencer, o slogan deve ser expressivo. Mas sua expressividade é monstruosa porque se torna imediatamente estereotipada e se fixa numa rigidez que é o contrário da expressividade, que é eternamente mutável e se oferece a uma interpretação infinita. A falsa expressividade do slogan é assim o ponto extremo da nova língua técnica que substitui a língua humanista. E o símbolo da vida lingüística do futuro, isto é, de um mundo inexpressivo, sem particularismos nem diversidade de culturas, perfeitamente padronizado e aculturado. [...] Nenhum centralismo fascista conseguiu fazer o que fez o centralismo da sociedade de consumo... Por meio da televisão, o Centro assimilou o país inteiro, que era historicamente tão diferenciado e rico em culturas originais. Começou uma obra de padronização destruidora de qualquer autenticidade e concretude. Ou seja, impôs os seus modelos: os modelos desejados pela nova industrialização, que não mais se contenta com “um homem que consuma”, mas pretende ainda que se tornem inconcebíveis outras ideologias que não as do consumo. Trechos extraídos da obra Os jovens infelizes (Brasiliense, 1990), do cineasta, poeta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975). Veja mais aqui e aqui.

O DIREITO DE NÃO AMAR - Se o homem destrói aquilo que mais ama, como afirma Oscar Wilde, a vontade de destruição se aguça demais quando aquilo está amando um outro. O egoísmo, sem dúvida o traço mais poderoso de qualquer sexo, transborda então intenso e borbulhante como água em pia entupida, artérias e canos congestionados na explosão aguda: “Nem comigo nem com ninguém!” Deste raciocínio para o tiro veneno ou faca, vai um fio. A segunda porta foi a que escolheu aquele meu colega de Academia quando descobriu que a pior das vinganças é não matar, mas deixar o objeto amado viver, viver à vontade, “pois que ela viva!” – decidiu ele na sua fúria vingativa. Amou-a perdidamente. Acho que nunca vi ninguém amar tanto assim, talvez com a mesma intensidade com que ela amava o primo, disse isso mesmo numa hora de impaciência, estou apaixonada por outro, quer ter a bondade de desaparecer da minha frente? Mas o meu colega (vinte anos?) acreditava na luta e como ele lutou, meu Deus, como ele lutou! Tentou conquistá-la com presentes, era rico. Depois, com intermináveis poemas de amor, era poeta. Na fase final, no auge da cólera – era violento – começou com as ameaças. Ela guardou os presentes, rasgou os poemas, fez a queixa a um tio que era delegado da seção de homicídios e foi cair nos braços do primo sem os recursos da rima e dos diamantes, mas que conseguia fazê-la palpitar mais branca e perfumada do que a açucena do campo. Meu colega dava murros nas paredes, nos móveis. Puxava os cabelos, “ela não tem o direito de me fazer isso!” Com a débil voz da razão, tentei dizer-lhe que ela bem que tinha esse direito de amar ou não amar vê se entende essa coisa tão simples! Mas ele era só ilogicidade e desordem: “Vou lá, dou-lhe um tiro no peito e me mato em seguida!” – jurou. Mas a tantos repetiu esse juramento que fiquei mais tranqüilizada, com a esperança de que a energia canalizada para o ato acabaria se exaurindo nas palavras. O que aconteceu. Uma noite me procurou todo penteado, todo contido, com um sorrisinho no canto da boca, meio sinistro, mas lúcido: “Vou ficar quieto, que se case com esse tipo, ótimo que se casem depressa porque é nesse casamento que está minha vingança. No casamento e no tempo. Se nenhum casamento dá certo, por que o deles vai dar? Vai ser infeliz à beça!” Pobre, com um filho debilóide, já andei investigando tudo, ele tem retardados na família, ih! O quando ela vai se arrepender, por que não me casei com outro? Vai ficar gorda, tem propensão para engordar e eu estarei jovem e lépido porque sou esportista e rico, vou me conservar, mas ela, velha, obesa, ô delícia. Há ainda uma terceira porta, saída de emergência para os desiludidos do amor, não, nada de matar o objeto da paixão ou esperar com o pensamento negro de ódio que ela vire uma megera jogando moscas na sopa do marido hemiplégico, mas renunciar. Simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa ou rancor, tão limpo que em meio do maior abandono (difícil, hem!) ainda tenha forças para se voltar na direção da amada como um girassol na despedida do crepúsculo. E desejar ao menos que ela seja feliz. Extraído da obra A disciplina de amar (Nova Fronteira, 1980), da escritora premiada e membro da Academia Brasileira de Letras do Brasil e de Lisboa, Lygia Fagundes Telles. Veja mais aqui.

OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉLindaura, a recepcionista do analista de Bagé – segundo ele, “mais prestimosa que mãe de noive” – tem sempre uma chaleira com água quente pronta para o mate. O analista gosta de oferecer chimarrão a seus pacientes e, como ele diz, “charlar passando a cuia, que loucura não tem micróbio”. Um dia entrou um paciente novo no consultório. ― Buenas, tchê ― saudou o analista. ― Se abanque no más. O moço deitou no divã coberto com um pelego e o analista foi logo lhe alcançando a cuia com erva nova. O moço observou: ― Cuia mais linda. ― Cosa mui especial. Me deu meu primeiro paciente. O coronel Macedônio, lá pras banda de Lavras. ― A troco de quê? ― quis saber o moço, chupando a bomba. ― Pues tava variando, pensando que era metade homem e metade cavalo. Curei o animal. ― Oigalê. ― Ele até que não se importava, pues poupava montaria. A família é que encrencou com a bosta dentro de casa. ― A la putcha. O moço deu outra chupada, depois examinou a cuia com mais cuidado. ― Curtida barbaridade. ― Também. Mais usada que pronome oblíquo em conversa de professor. ― Oigatê. E a todas estas o moço não devolvia a cuia. O analista perguntou: ― Mas o que é que lhe traz aqui, índio velho? ― É esta mania que eu tenho, doutor. ― Pos desembuche. ― Gosto de roubar as coisas. ― Sim. Era cleptomania. O paciente continuou a falar, mas o analista não ouvia mais. Estava de olho na sua cuia. ― Passa ― disse o analista. ― Não passa, doutor. Tenho esta mania desde piá. ― Passa a cuia. ― O senhor pode me curar, doutor? ― Primero devolve a cuia. O moço devolveu. Daí para diante, só o analista tomou chimarrão. E cada vez que o paciente estendia o braço para receber a cuia de volta, ganhava um tapa na mão. Extraído da obra Outras do analista de Bagé (L&PM, 1982), do escritor, cartunista, tradutor, roteirista e autor teatral Luis Fernando Veríssimo. Veja mais aqui.

COMUNHÃO - O homem que pensa é uma dádiva, / é como o pão, / é como os rios. / O homem que pensa é franco e generoso, / é pura chuva, / tem o coração voltado para os outros. / O homem que pensa é fonte e hóstia, /  é musgo e noite, / é cor de sangue, cor de Sol a pino. / O homem que pensa é justo e solidário: / o pensamento é trigo / a partilhar na mesa dos convivas; / o pensamento não é fruto, é todo o horto das nogueiras. / O pensamento é comunhão: bebei do vinho, / que esse é o vinho do Homem que não morre; / o pensamento é comunhão/ e se oferece para que o homem seja mais humano / e viva mais humanamente: / a Lua não é Lua quando não é vista, / porém é Lua, e Lua mais terrena e mais perfeita / quando figura, cheira, em pleno céu, / a dar-se toda no ato de brilhar, / a desfazer-se em luz por sobre todos. Poema extraído da obra Poesia quase completa (José Olympio, 1972), do poeta, tradutor, professor e crítico literário Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992).


BIG SHIT BÔBRAS: QUANDO DERAM UM JORGE E DEPOIS UMA JÚLIA NUM ENCONTRO DE QUARTO GRAU COM UM ET - A REAPARIÇÃO DO PADRE BIDÃO! SERÁ?!

Quando Zé Bilola apareceu para anunciar a tarefa do dia, eis que surgiu uma nave irreconhecível que pousara sobre o sobrado e deixou todo mundo hipnotizado por horas.



A luminosidade ofuscou qualquer identificação dos acontecimentos. Além do mais, todos sentiram que a casa foi vasculhada e logo em seguida abandonada com todos os viventes dali completamente atabalhoados.  A emissora passou uma fração de segundos fora do ar, tempo em que todos das cercanias anunciaram ter visto o Padre Bidião num disco voador com uns ETs muito doido. Teve um transeunte que fotografou o Padre Bidião com a cabeça fora da nave. Eis a feição dele na última aparição.


Imagem: última aparição do Padre Bidião.

Depois disso, a Vera veementemente reiterou que fora estuprada por um ET naquela hora. O mesmo ocorreu com a Xica Doida. E outras disseram que o padre Bidião fez imundícies no derriére delas. E agora, a quem reclamar? Onde ajuizar ação por estupro e assédio sexual? Que tribunal irá apurar, sentenciar e punir os culpados? Como? Ora, surgiu então entre eles uma pergunta que não quer calar: como o padre Bidião poderia ter aparecido num OVNI se ele havia saído a poucos instantes daquele recinto?



Acontece, porém, que é necessário fazer uns esclarecimentos mais aprofundados acerca deste pastor polêmico. Foi apurado ser o padre Bidião um cientista com a divinização de avatar por ser um druida iniciado no continente perdido de Atlântida, um hermético haríolo versado em cabala e alquimia, também no culto de Mitra, nos ensinamentos de Toth desde a Tábua de Esmeralda até Pistis Sophia, especialista no Talmude, mestre no der nibelungem not, doutor no memorial de Tecpan-Atlitan, nas mil e uma noites e nas várias descrições do pathos sobrenatural, ter se tornado recentemente um raelino que vive arrodeado de várias andróides voluptuosas e encantadoras, como a Barbarella, a Velta e outras reboculosas de formas generosas. Além de tudo isso, corre solto o boato de que existe alguns clones dele feito pelo cientista francês Claude Vorilhon e pela química Brigitte Boisselier. Também o italiano Severino Antinori fez outros tantos clones dele, o que deixa claro que ele pode estar em vários lugares ao mesmo tempo. E no meio dessa boataria toda, ainda apareceram outros mais cabeludos fuxicos dando conta que ele foi visto inúmeras vezes nas muitas aparições de OVNIS, como a da ilha de Urubuqueçaba, também em Morocco, depois em Corrientes e mais nos outros contatos de terceiro e quarto graus na Ilha da Trindade, na sonda do Capão Redondo, no Novo México, em Varginha, com Barney e Betty Hill e em milhares de outras ocasiões não narradas muito menos tomadas em conhecimento, mas que todo mundo está careca de saber, está mesmo. Afora o fato da grande descoberta dele...


Imagem: Foto da boneca inflável criada pelo Padre Bidião.


Conta-se aos cochichos que o padre criou na Suécia uma boneca de silicone de vários tamanhos, totalmente sensorial, sonorizada, durável com garantia por 2 anos sob utilização sem sair de cima, regulável, disposta e ao gosto do freguês, senha exclusiva para topar tudo, não-elétrica, muda, sem menstruação, não engravida, não vê novela, não peitica com nada, não gasta, não tem sogra, não nega fogo nunca, não engorda, não se corre o risco de cobrar pensão quando a gente não quiser mais, nem arenga em juizado nenhum e nem deixa a gente na mão. Preço? Ah, o preço que for é barato por causa das qualidades expostas, não acha?



Ocorreu, na verdade, que o padre entrou no recinto com seus capangas ETs e passou o maior jorge na turma: um verdadeiro toque de arrodeio. Enquanto isso, a Prazeres do Céu invadia o recinto gritando que vira duma só vez uns 10 padres Bidião tudo junto e todos de pau-duro. Será que ela não está se auto-enlouquecendo? Não, repetia ela que ele realmente, pelo visto, possuía clones e que ninguém mais sabia quem era quem, ou seja, quem o padre e quem o clone. Resultado: a cara de todo mundo ficou uma interrogação maior que a ignorância deles. Com essa constatação Prazeres do Céu soltou uma gargalhada horripilante quando foi abduzida por uma nave espacial indefinível. Na verdade, ela deu uma júlia: passou a perna em todo mundo.



A cara de todo mundo era um verdadeiro “O” bem maiúsculo. Nem piscavam o olho nem conseguiam balbuciar coisa que fosse. Tudo estático e em estado de choque. Porém, na verdade verdadeira, o padre está acoloiado com os extraterrestres para pressionar a humanidade contra aquele deputado israelense, um tal de Shlomo Benizri, de um certo partido Shass, que anda vociferando no Knesset com base no Talmude culpando os homossexuais de Jerusalém pelos terremotos de 5 graus na escala Richter e cataclismos avassaladores ocorridos por aquelas bandas, principalmente no Mar Morto, no Vale do Jordão, no deserto de Arava e mo Mar Vermelho que cientificamente se encontram sobre a falha sírio-africana, local de freqüente atividade sísmica. O padre Bidião advoga que a bichice é a alegria da humanidade alegando: se não houver um fresco na face da terra, a vida não tem alegria!
Neste sentido, o padre tem se movimentado por meio de seus clones para a criação em cada vila, distrito ou cidade de todos os países, uma associação de proteção aos viados, já tendo, inclusive, conseguido o apadrinhamento de muitas autoridades políticas e até eclesiásticas para o seu feito.
No fim das contas, tudo terminou em frevo, protestos e apoio à causa promovida pelo pároco.

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