sexta-feira, novembro 30, 2018

WILLIAM BLAKE, MIUCHA, RICARDO ORTEGA & ALAGOINHANDUBA


O VOO DA CIDADE – Imagem: arte do artista mexicano Ricardo Fernandez Ortega. - A cidade virou um caos. Há muito Alagoinhanduba não mergulhava numa situação tão desordenada. Nem por mais de mil anos se viu tantos Tântalos carregando nos bolsos os manjares divinos para exclusividade sua, quantas Quelones que zanzam sem ter pra onde, Sísifos que vão e voltam de seus afazeres rotineiros, Erisictãos insaciáveis a se arrastarem abocanhando o passeio público, Prometeus escravizados cumprindo sua sina, Íxions impunes que nem sabem da roda da justiça tardia, Danaides na passarela de todas as ruas, procissões de Atlas pigmeus e Aloidas com todas as loucuras do mundo nos ombros, Medusas saídas dos cabeleireiros para seduzir os desavisados, Heracles com seus labores sucumbentes na vingança dos seus algozes, e se quer ver o primeiro da fila, na certa, será o último visível, porque já vem o segundo com a alma dos poetas em vulcões e cemitérios eclodindo dos seus delírios, e já vem os terceiros com suas verdades cruéis na balada e a balança de Têmis e os tombos de todas as leis exigíveis de serem cumpridas ao pé da letra e morrem ao serem mencionadas, dando vez a tantas outras nos calhamaços das jurisprudências. A cidade submerge a tudo isso e lembro bem o que Deus disse à minha alma numa noite de Sol da eternidade. Não esqueci precavido e todos passam, até aquela doida que passava cantarolando, levantando a saia, mostrando os seios da blusa qual laço para cativar quem quiser e vida aos ventos, braços soltos, mãos que falam dos olhos de uma tal Maria que endoideceu de mal de amor e segue amorante quase despercebida no meio da enxurrada de gente perdida na chuva dos desejos díspares, para aguçar as ideias turvas da libido, como se todos fossem aeroplanos sem campo de pouso nas mil e uma noites de Alagoinhanduba. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
A Crueldade tem um coração humano,
E o Ciúme um rosto humano;
O Terror é a divina forma humana,
e o Mistério a humana roupagem.
O vestido humano é ferro forjado,
A forma humana é uma forja ardente,
O rosto humano uma forja selada,
O coração humano seu abismo voraz.
Ao Perdão, Piedade, Paz e Amor,
Todos clamam na aflição:
E para essas virtudes prazerosas
Afirmam sua gratidão.
Pois Perdão, Piedade, Paz e Amor,
É Deus nosso Pai querido:
E Perdão, Piedade, Paz e Amor,
É o homem, seu filho, a quem cuida.
Que o Perdão tem um coração humano,
A Piedade, uma face humana,
E o Amor uma forma divina,
E a Paz, os trajes humanos.
Então todo homem em todo lugar,
Que ora em sua tristeza,
Está orando à forma humana divina.
Perdão, Piedade, Paz e Amor.
E todos devem amar a forma humana,
Seja em pagãos, turcos ou judeus.
Pois onde Perdão, Piedade, Paz e Amor habitam,
Deus reside ali, também.
Poema Uma Imagem Divina, extraído da obra Canções da inocência e da experiência (Disal, 2005), do poeta, tipógrafo e pintor inglês William Blake (1757-1827). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE RICARDO FERNANDEZ ORTEGA
A arte do artista mexicano Ricardo Fernandez Ortega.

AGENDA:
Semana de Arte Contemporânea – de 7 a 13 de setembro de 2019, no Recife & muito mais na Agenda aqui.
&
Conversa mole de Fabos, Jacques Derrida, Yes, Os índios de Orlando Villas-Bôas, A desumanização de Valter Hugo Mãe, Marília Garcia, Ana Lira, Mónica Beatriz Cragnolini, David Rowe & Gameleira aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música da cantora e compositora Miucha em álbum solo & ao lado de Tom Jobim, Vinicius de Morais e Toquinho & muito mais nos mais de 2 milhões & 900 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja aqui e aqui.


quinta-feira, novembro 29, 2018

ARTUR AZEVEDO, ELKE KRYSTUFEK, HEITOR PEREIRA, CINEMA SUPER8 & MEMÓRIA DO BISACO


MEMÓRIA DO BISACO - Imagem: arte da artista conceitual austríaca Elke Krystufek - Um dia escrevi um poema na carne sangue alto exaltado e meus ossos doídos sequer pacificaram minhas trevas no peso da sorte. Nenhum lugar para que possa me encontrar nos versos conjugados e aleatórios pulsantes, a perder-me a mim mesmo por cartas que nem escrevi na profusão de touceiras descobertas do vazio em que fui gerado no meio do sonho, escapando das formas penduradas no invisível e eu sequer dava conta dos maus bocados batendo na porta. Quase exaurido pelo desespero antecipado e tão desprevenido do mar porque todo rio desce comigo a escorregar pela escadaria nas margens sumidas e às minhas próprias custas desentendido, a poesia arremessada como se fora pedra catada no fundo do quintal. Pouco importa se são duas horas da tarde ou se a comemoração foi cancelada e o milagre inexistisse para quem parte ou quem chegou. Agora é tarde e não bastassem tantos disfarces da dor e maldissesse de nada se Inez é morta. Há mais de meio século de dentro pra fora e de fora pra dentro, quase tudo mudou. Coisas que sumiram como por encanto na noite de muitos olhos acesos, só eu que persigo as mesmas coisas, sem que me advirta do tempo perdido e suplico às estrelas o dia radiante e a palavra me socorre para que eu não padeça inconcluso. Faz tempo que estou aqui, desde menino inventando de tudo alegria de ontem pra hoje na foto guardada, quase nem lembro nada, as histórias de trancoso, o que deu na esquina, revoltas na rodagem e carestia na feira, como se a memória poeira virasse e o esquecimento a lei coatora. Os retratos caíram da parede e já não ouço direito com tanto barulho nas ruas, se festa ou funeral, os pecados do corpo pelos beirais da morte, quem se apieda de tantos tormentos, como se minha mudez fosse profana demais. Pudesse fazia coisas e outras para que tudo fosse passado a limpo com prova dos nove fora e nada dar água abaixo, ou gorando e prescrito, ilícito revogado como desvalido de agora desdontem, desdantes; Poraqui tudo é muito triste e parece que anda para trás com todas as raivas antigas que não dizem respeito de mim mas de todos que sou arrebatado aos sapatos e sandálias velhas jogadas ao lixo da guerra diária, sem repouso nem intervalo. Como tudo é tolice neste país alquebrado, anômalo, desajeitado pelos transtornos políticos e patológicas roubalheiras de cara lisa, coisa mais sem graça. Quisera não saber nada, não tomar ciência de nada, doi demais o sofrimento alheio, do sangreiro de muitos que nem sabem que são meus, da injustiça para tantos que sofrem manobras nos recantos distantes e a mim só me resta convocar do amor no coração incansável pelos mistérios da vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
Naquele dia o ministro chegou de mau humor ao seu gabinete, e imediatamente mandou chamar o diretor-geral da Secretaria. Este, como se movido fosse por uma pilha elétrica, estava, poucos instantes depois, em presença de Sua Excelência, que o recebeu com duas pedras na mão. — Estou furioso! — exclamou o conselheiro; — por sua causa passei por uma vergonha diante de Sua Majestade o Imperador — Por minha causa? — perguntou o diretor—geral, abrindo muito os olhos e batendo nos peitos. — 0 senhor mandou-me na pasta um decreto de nomeação sem o nome do funcionário nomeado! — Que me está dizendo, Excelentíssimo?… E o diretor-geral, que era tão passivo e humilde com os superiores, quão arrogante e autoritário com os subalternos, apanhou rapidamente no ar o decreto que o ministro lhe atirou, em risco de lhe bater na cara, e, depois de escanchar a luneta no nariz, confessou em voz sumida: — É verdade! Passou-me! Não sei como isto foi… — É imperdoável esta falta de cuidado! Deveriam merecer-lhe um pouco mais de atenção os atos que têm de ser submetidos à assinatura de Sua Majestade, principalmente agora que, como sabe, está doente o seu oficial-de-gabinete! E, dando um murro sobre a mesa, o ministro prosseguiu: — Por sua causa esteve iminente uma crise ministerial: ouvi palavras tão desagradáveis proferidas pelos augustos lábios de Sua Majestade, que dei a minha demissão!… — 0h!… — Sua Majestade não o aceitou… — Naturalmente; fez Sua Majestade muito bem. — Não a aceitou porque me considera muito, e sabe que a um ministro ocupado como eu é fácil escapar um decreto mal copiado. — Peço mil perdões a Vossa Excelência — protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão. — 0 acúmulo de serviço fez com que me escapasse tão grave lacuna; mas afirmo a Vossa Excelência que de agora em diante hei de ter o maior cuidado em que se não reproduzam fatos desta natureza. O ministro deu-lhe as costas e encolheu os ombros, dizendo: — Bom! Mande reformar essa porcaria! 0 diretor-geral saiu, fazendo muitas mesuras, e chegando no seu gabinete, mandou chamar o chefe da 3a seção, que o encontrou fulo de cólera. — Estou furioso! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. Ministro! — Por minha causa? — 0 senhor mandou-me na pasta um decreto sem o nome do funcionário nomeado! E atirou-lhe o papel, que caiu no chão. O chefe da 3ª seção apanhou-o, atônito, e, depois de se certificar do erro, balbuciou: — Queira Vossa Senhoria desculpar-me, Sr. Diretor… são coisas que acontecem… havia tanto serviço… e todo tão urgente!… — 0 Sr. Ministro ficou, e com razão, exasperado! Tratou-me com toda a consideração, com toda a afabilidade, mas notei que estava fora de si! — Não era caso para tanto. — Não era caso para tanto? Pois olhe, Sua Excelência disse-me que eu devia suspender o chefe de seção que me mandou isto na pasta! — Eu… Vossa Senhoria… — Não o suspendo; limito-me a fazer-lhe uma simples advertência, de acordo com o regulamento. — Eu… Vossa Senhoria. — Não me responda! Não faça a menor observação! Retire-se, e mande reformar essa porcaria! O chefe da 3ª seção retirou-se confundido, e foi ter à mesa do amanuense que tão mal copiara o decreto: — Estou furioso, Sr. Godinho! Por sua causa passei por uma vergonha diante do sr. diretor-geral! — Por minha causa? — 0 senhor é um empregado inepto, desidioso, desmazelado, incorrigível! Este decreto não tem o nome do funcionário nomeado! E atirou o papel, que bateu no peito do amanuense. — Eu devia propor a sua suspensão por 15 dias ou um mês: limito-me a repreendê-lo, na forma do regulamento! 0 que eu teria ouvido, se o sr. diretor-geral me não tratasse com tanto respeito e consideração! — 0 expediente foi tanto, que não tive tempo de reler o que escrevi… — Ainda o confessa! — Fiei-me em que o sr. chefe passasse os olhos… — Cale-se!… Quem sabe se o senhor pretende ensinar-me quais sejam as minhas atribuições?!… — Não, senhor, e peço-lhe que me perdoe esta falta… — Cale-se, já lhe disse, e trate de reformar essa porcaria!… O amanuense obedeceu. Acabado o serviço, tocou a campainha. Apareceu um contínuo. — Por sua causa passei por uma vergonha diante do chefe da seção! — Por minha causa? — Sim, por sua causa! Se você ontem não tivesse levado tanto tempo a trazer-me o caderno de papel imperial que lhe pedi, não teria eu passado a limpo este decreto com tanta pressa que comi o nome do nomeado! — Foi porque… — Não se desculpe: você é um contínuo muito relaxado! Se o chefe não me considerasse tanto, eu estava suspenso, e a culpa seria sua! Retire-se! — Mas… — Retire-se, já lhe disse! E deve dar-se por muito feliz: eu poderia queixar-me de você!… O contínuo saiu dali, e foi vingar-se num servente preto, que cochilava num corredor da Secretaria. — Estou furioso! Por sua causa passei pela vergonha de ser repreendido por um bigorrilhas! — Por minha causa? — Sim. Quando te mandei ontem buscar na portaria aquele caderno de papel imperial, por que te demoraste tanto? — Porque… — Cala a boca! Isto aqui é andar muito direitinho, entendes? — Porque, no dia em que eu me queixar de ti ao porteiro estás no olho da rua. Serventes não faltam!… O preto não redargüiu. O pobre diabo não tinha ninguém abaixo de si, em quem pudesse desforrar-se da agressão do contínuo; entretanto, quando depois do jantar, sem vontade, no frege-moscas, entrou no pardieiro em que morava, deu um tremendo pontapé no seu cão. O mísero animal, que vinha, alegre, dar-lhe as boas-vindas, grunhiu, grunhiu, grunhiu, e voltou a lamber-lhe humildemente os pés. O cão pagou pelo servente, pelo contínuo, pelo amanuense, pelo chefe da seção, pelo diretor-geral e pelo ministro!…
Conto De cima para baixo (Cultrix, 1969), do dramaturgo, escritor e jornalista Artur Azevedo (1855-1908). Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE ELKE KRYSTUFEK
A arte da artista conceitual austríaca Elke Krystufek

AGENDA:
História do Cinema Super8 Brasileiro & muito mais na Agenda aqui.
&
O chão na alma, Amos Oz, Antonio Cândido, Josely Vianna Baptista, Mario Cesarin & Camila Morit, Barra de Guabiraba, A mulher abolicionista & Luzilá Gonçalves Ferreira, Pobreza & Saúde de Paulo Buss, George Harrison, Eliete Negreiros, Heitor Pereira & Livia Nery aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música do guitarrista Heitor Pereira: Live Montreaux, Dueling Guitars August Rush & com Simple Red It’s only love & Live Manchester University & muito mais nos mais de 2 milhões & 900 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja aqui e aqui.


quarta-feira, novembro 28, 2018

OSMAN LINS, MARY JANE LAMOND, NICK ALM, ALICE VINAGRE & ZÉ PIGMALIÃO


A PAIXÃO DO ARTESÃO – Imagem: Art by Nick Alm - Zé Pigmalião não tinha pai nem mãe. Sozinho no mundo, parente nenhum. Filiação ignorada, dizia a todos que brotou da Terra assim do nada, criado entre as flores dos jardins. Passava as quatro festas do ano olhando pras estrelas, cuidando dos pomares e desejando as mulheres graciosas que zanzavam impunes pelas calçadas e ruas. Aguçava o dente com seus olhos apertados de paixão pra elas, nada podia fazer, era só desdém. Quando via uma: é ela! E não sabia nem quem era a perseguir o movimento de cada passo, para se certificar: perfeita, seios, cintura, boca, olhos, semblante, tudo. É essa que eu quero. Imaginava a nudez e se espantava. Não dava, findava às arrancadas, em disparada: Pega o tarado! Quarentão, donzelo, artesão e jardineiro, quase passado no tempo. Nenhuma mulher o quis a vida toda, nem falar namoro o cara sabia, todas as investidas foram malogradas. Não adiantava ajeitar o boné, o surrado macacão, amolegando a peia pra cima ou pra baixo, de alpercatas ou galocha, com outras tantas manias de olho clínico, um termômetro embaixo do sovaco para conferir o tanto de febril que vivia, afora de fazer gargarejos de hora em hora pro bafo não espantar formosa que lhe aparecesse. Não fazia cara feia, nem botava gosto ruim, fazia-se simpático celibatário de morrer na punheta com a primeira que passasse. Onde chegasse: Pronto, apareceu o tabacudo. Aí, um dia, deu de cara com uma grande pedra de gesso abandonada num canto qualquer. Teve uma ideia e trabalhou nela noitedia. Ao final, a imagem de uma santa – que era só santa porque nome não tinha, feita por artes dele mesmo, toda nua em tamanho natural. Caprichou em cada detalhe: olhos fechados, bela, lábios salientes entreabertos, seios fartos, ventre profundo com orifícios apropriados e confortáveis, ancas bem delineadas, coxas e pernas torneadas e abertas, perfeita, só faltava falar. Admirava de passar horas de queixo caído. Deu, então, de cerzir suas vestes, todos os paramentos: o capuz, o limpel pro pescoço, todo hábito do coro. Pronto, diante dela se ajoelhava e se punha a rezar o dia todo, deitando-a de noite, com todo jeito na cama e com ela sonhar tudo o que queria. Queria casar com ela, mas quem aprovaria. Um escândalo: Como é que pode? Só intrigas e falações. Matutou por dias e findou presenteando ao pároco e lá, aos pés dela, rezava todo santo dia e o dia todo. Por sua assiduidade ali, passou a ser coroinha. Feliz seria para sempre não fosse a sua agonia: expulso por libidinagem com a santa - era ela quem desafogava as horas de aperto e precisão dele. Um vitupério, o fim da picada. Mudando de cão para gato, podia ter sido mil e duzentas, como mil cento e noventa e nove que não contei quantas vezes ele chegava perto de um: Você viu ela? Sai pra lá quejudo. Ninguém queria mais conversa com ele: Isso é um amaldiçoado! Eis que o clone PB-010 – aquele que só dava dor de cabeça ao Padre Bidião e agora apelidado de Estrupício, entra em cena. Qual o seu problema? Ele nem soube contar direito e sofreu extorsão de todo jeito. Ardiloso, aprontou pra cima dele, apresentando uma certa dama por nome de Dulcinéa Galatéa del Toboso. Pronto, Quixote, se aprume aí. Hem? Ele olhou, conferiu por baixo da saia, embaixo da blusa, de todo lado, dava pro gasto, uma meretriz aprumada, ajeitada pelo clone malfeitor. Mas não é a minha santa! Faz de conta, bestão. É pegar ou largar! Pois bem, botou dentro de casa e não sabia o que fazer, nem ela facilitava, só aboletada no divã, pedindo as coisas e exigindo mais. Até que era bonita pra ele, mas do jeito que ela ficava não dava pra bater sequer uma bronha. Assim não dava e devolveu-la ao chantagista. Trancou-se no quarto e passou dias meditando. Semanas depois estourou no noticiário: roubaram a santa sem nome da igreja. E ele: E foi? Que coisa! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] À minha frente, Zilda, com um vestido que procura dissimular o volume do ventre, pousou as mãos no regaço e olha a paisagem. “Nunca cheguei a imaginá-la com um vestido desse – dizia-lhe há pouco. Só pensava em você trepando em árvores, jogando bola, atirando de baladeira e coisas assim. Talvez foi por isso que tive ciúme, quando soube que ia casar-se”. [...] Não é isso – expliquei. É que possuímos tantas lembranças comuns! Além do mais, o fato de me haver separado de você e, durante tantos anos, não ter notícias suas, conservou-a imutável. Era como nos contos: um Reino Encantado. A notícia rompeu o encanto, foi isto. Você não era mais aquela menina de quem eu me lembrava. [...] Por um inexplicável pudor, abstive-me de revelar que, até então, contara com a possibilidade de reencontrá-la solteira, ideia essa mesclada com uma infinidade de anseios. (E que, deste modo, o sentido que ela atribuíra à palavra ciúme, não era de todo modo inexato). Mas não contive o desejo de confessar que durante certo período da infância, meu primeiro pensamento era dedicado a ela e que as noites, eu só as suportava por ter certeza de que o dia seguinte nos reuniria outra vez. [...] Sua voz cantante, um pouco áspera e mesmo assim agradável, tornou-se pausada; o riso é menos vibrante; e os olhos, embora conservando o brilho antigo, já não possuem a mesma vida: de alegres que eram, têm agora um quê de melancólica serenidade. [...] Frágil e alto muro dividia nossos quintais. Mas não era tão alto nem frágil que que nos impedisse de escalá-lo e aí ficarmos empoleirados: eu sonhando, contando histórias, declamando versos, inventando projetos; ela escutando, tornando meus planos mais ousados, minhas histórias mais excitantes, erguendo-se, sentando-se, levantando-se outra vez e seguindo ao longo do muro, com uma segurança que ainda hoje me espanta. [...] Uma barreira pedregosa ergue-se aos lados do trem. Arestas lívidas se sucedem. Súbito, o panorama se abre. Descortinamos uma pastagem ampla, que se estende até o cume de um monte, ultrapassa-o. [...] Somos, não resta dúvida, temperamentos díspares. Está visto que essas evocações não têm igual valor para nós. Ela tem uma visão imparcial do que lhe sucede na vida. Sua memória, demasiado fiel, não transmuda nem escolhe. E se esqueceu alguma coisa, não é por nenhum motivo. Esqueceu-a, apenas. [...]. O tesouro que eu supunha comum, é unicamente meu – verifico. Apesar de havermos vivido durante muito tempo as mesmas aventuras, cada um recolheu o que elas continham de si próprio. Evocá-las, jamais repetirá o milagre de fazer com que sejam um elo entre nós – se é que mesmo naquele tempo estivemos unidos algum dia. [...] Olho para fora. A linha férrea margina agora a estrada de rodagem. A máquina desprende vapor, ruidosamente, atirando para trás uma poalha líquida, iluminada pelo sol. Através da iridescente neblina, num cabriolé de rodas vermelhas, segue uma jovem de azul. O cavalinho baio tem uma papoula na testa. A moça sorrindo, leva uma rosa na mão e acena para o trem com a sua flor. Respondo ao seu adeus.
Trechos extraídos do conto Reencontro (Melhores contos de Osman Lins - Global, 2003), do escritor e dramaturgo Osman Lins (1924-1978). Veja mais aqui.

A ARTE DE NICK ALM
A arte de Nick Alm

AGENDA:
Com os olhos de náufrago ou onde fica o próximo ponto – exposição de Alice Vinagre & muito mais na Agenda aqui.
&
Baticum & teibei, Marilena Chauí, Elias Canetti, Matsuo Bashô, Lúcio Cardoso, Bruna Beber, Rocco Forgion, Marcus Viana & Ibirajuba aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música da premiada cantora, compositora e artista celta-canadense Mary Jane Lamond: É horò, A mhairi bhoidheach, Oran a' mheirlich & Oran luaidh & muito mais nos mais de 2 milhões & 900 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja aqui e aqui.


terça-feira, novembro 27, 2018

TRISTAN BERNARD, GUERRA-PEIXE, MERVE OZASLAN & MOSTRA SURURU DE CINEMA ALAGOANO


O AMOR DE ZINHAZINHA & CALANGUINHO ZÉ – Imagem: arte do fotógrafo e artista visual Merve Ozaslan. - Não fosse o embuchamento de Bezinha de Carrinho Calango e o de Nega Conça e João Buchudo, não haveria compadrio mais estreito, daqueles tipo fábula de La Fontaine: juntos prosperavam. A prenhez de ambas levou ao pacto de que seguiriam ali, haja o que houvesse, para sempre, encangados um no outro. E selaram com um peido quádruplo. As mulheres refugaram: Não pode haver outro jeito? Não. E foi: poin, poin... poin... e.. poin. É que Bezinha quase caga fora do caco, não esperava a bosta pronta pra sair naquela hora. O acordo mútuo só não rebentou na mesma hora, por causa do vexame de Calanguinho Zé nascer quase antes do tempo, por conta de uma escapulida de um pum fora de hora da mãe, de agilizar o parto e o menino sair quase melado de merda com um berreiro maior do que aquelas igrejas de crentes que pensam que Deus é surdo, pense no maior zoadeiro. Não demorou muito e Zefinhazinhazinha abria a porteira do mundo depois de uma ajeitada nas pregas do cu, pra lançar uma menina ao coro ao avexado, numa felicidade geral. Com o passar do tempo ninguém nem mais sabia quem era filho de quem, o casalzinho de filhos pra lá e pra cá, tudo tratado como se tivesse dupla paternidade e quase se tornavam siameses de tão unidos que eram. Brincavam, comiam, aprontavam, largavam peidação e só não adolesceram juntos, porque João Buchudo teve que mudar de cidade, levando a mulher e a filha na cacunda peidorrenta. A tragédia não foi maior porque se prometeram visitas mútuas de tempos em tempos, o que não se deu devido situação periclitante que ficaram depois da separação: fedidos juntos não precisavam de mais ninguém. Anos se passaram e Calanguinho Zé já rapaz quase homem feito, topou com aquela que buliu no seu coração, assim do nada. Quem seria? Ela também ao vê-lo sentiu que as coisas iam mais pra desmantelo que para simples saudação, e de lá ficou naquele pisca-pisca olha-não-olha. Ambos tímidos, não saíram do lugar. Foi preciso um incidente para que se aproximassem. Ele: Que coisa, né? Ela: É. Que terá sido? Quem sabe. Será que vai dar certo? Sei não, tomara. E assim ficaram bom tempo, até a hora um gás surgiu assim inadvertidamente. Hum? Nem ele nem ola ousou acusar um ao outro, mas logo se identificaram. Ambos sem jeito, resolveram ir embora, despedindo-se. Você vem amanhã por aqui? Pode ser. Na mesma hora? Sim. Tá certo. No dia seguinte, lá estavam. Não tinham o que dizer, ela tomou a dianteira: Você veio pela estrada ou pelo atalho? Pelo atalho. Viu um tolote raçudo na curva do pé de abacate? Vi, caprichado, hem? Fui eu. Mesmo? Sim. Menina, você é corajosa de botar um daquele, quase não acredito. Quer apostar quem faz maior de nós dois? Vixe! Agora? Agorinha, ora. Onde? Vamos pegar o atalho de volta. Só se for agora. E foram. Chegando no local combinado, ela disse: Comece. Ah, ele se servia da ética profissional: Primeiro, as damas. Com todo prazer. Ela acocorou-se, ajeitou a saia pra que não visse o que fazia e dali a pouco a inhaca comeu no centro. Ao levantar-se, disse: Pronto! Inacreditável! Faça melhor. Agora? Vá, mande ver. Assim? Ora. Calanguinho não teve dúvidas, arriou as calças, fechou os olhos, fez força e deu um estalo: poin. Menino, cê tá podre! O seu não foi nada cheiroso, menina. E se riram. Conferiram, o dela era mais compacto, o dele meio espalhado. Pra tirar a dúvida, apostaram no número de flatulências. Ah é? Vamos? Era só tocar no bucho e tome borborigmos: A gente vai terminar envenenando o ar, hem? Destá. Na risadagem se conheceram melhor: Sou Calanguinho Zé e você? Sou Zefinhazinha, pode me chamar de Zinhazinha. Filha de João Buchudo e Nega Conça? Sim. Sou Calanguinho de Bezinha e Carrinho! É mesmo? Quanto tempo, hem? A gente é quase irmão! E saíram com o peidorreiro rua acima, vila abaixo, até encontrarem os pais dele, darem as novas e reatarem a amizade de antes, afinal compadres da família. Eles não ligavam a mínima em queimar a reputação por conta das suas brincadeiras. Foram até os pais dela e no meio do caminho, bastou soar a campainha, ela desoprimia o peito e poin. Ele não ficava por baixo, levantava a perna esquerda e soltava o traque. Quando não, apostavam no meio do caminho no quem é quem. Aí paravam numa bodega qualquer, se fartavam duma dieta arretada e fechavam com a ingestão de pimenta malagueta para o maior baile. Se há uma coisa que apreciavam era um se amostrar pro outro. E pegaram a estrada ensaiando umas bufas. Ela recomendou: Não se deve passar fósforos nos pés de quem tem cócegas. E se riam, chegou a hora da aposta e totalmente triunfante ela soltou o gás: Eita, cagou! Nada, sua vez. E lá vinha a bombacha: toin. Lascou-se. Nada. E ficaram poin toin até se esvaírem juntos cu ardendo na bacia d’água fria. Ela olhou pra ele e disse: suas pernas são zambetas. E ele que as dela eram cambitos. Vamos nessa? Vamos. Ela levava a mão ao ventre, encarcava do estômago estremecer, fazia força na alavanca da tripa gaiteira e tome rajada. Ele levantava a perna direita e tome trovão. Ela rebolava os quadris e: Vixe, melei a calcinha. Ele empinou a bunda: oxe, tá na cueca. Findavam lívidos, olho no outro: coisas tristes não devem ser pensadas – e sorriam. Vamos aguar as plantas? A maior risadagem. Quem se habilita? Ele abriu o zíper da calça e mandou ver na mijada. Ela admirando o pênis dele disse: Bonito pau, mas ganho docê. Ajeitou a calcinha de lado, espremeu o bico da vagina e lançou um jato mais longe que o dele. Danou-se! Ele ficou abestalhado e ela com aquele esgar irônico, sapecava: Quem é capaz de beber o próprio mijo, desafiou. Como ele não era adepto da urinoterapia, abriu do pau com um peraí e ela se ria: Deixe de leseira. Tenha fé, não vamos estragar. E se abraçaram pela primeira vez, exultantes, deixando no ar aquela catinga nauseante, até perderem os sentidos numa capoeira: já não são tão bons quanto imaginavam que fossem, desfaleceram. Eram mesmo uns peidões sob qualquer ponte de vista. E assim foram felizes para sempre, pelo menos até agora, né? © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Conheci em Londres, dois destes gêmeos ligados, chamados comumente de irmãos siameses e denominados cientificamente de xifópagos. Edward-Edmond possuíam fortuna considerável, o que os dispensava de exibir-se como fenômenos. [...] Na adolescência, se pareciam de maneira extraordinária, a tal ponto que as pessoas, que não diferençavam a sua esquerda de sua direita, não conseguiam distingui-los. Porém, com o advento da idade, surgiram entre eles, diferenças morais, muito profundas. Edward era dado aos estudos e tinha pontos de vista severos, ao passo de Edmond tinha instinto plebeu. [...] Edward fez-se erudito conhecido. Mas não podia ser convidado frequentemente a banquetes de sociedades cientificas, pois o inconveniente Edmond, a partir da sopa, principiava a contar histórias obscenas, que as pessoas decentes reservam, em geral, para a sobremesa. No ano passado Edward pediu a mão de uma jovem bela e rica. O matrimonio realizou-se com grandes pompas. Não houve outra solução senão convidar Edmond, que, aliás, se portou bastante bem a cerimonia. Teve a impressão de que a cunhada o intimidava ligeiramente. No cortejo nupcial, a esposa de Edward, o dito Edward, Edmond e sua dama de honra, desfilaram, os quatro em fila, em meio a admiração geral. Edmond na noite de núpcias, foi muito delicado e discreto. Adormeceu antes que os outros e, na manhã seguinte, aparentou despertar muito tarde. Durante a lua de mel de seu irmão, bebeu com menos frequência, cuidou do vocabulário e vestiu-se decentemente, pois que deveria sair em companhia de uma senhora. A jovem esposa – já lhes disse que se chamava Cecily? – exercia enorme influência sobre Edmond. Ao fim de certo tempo, aconteceu, o que acontece muito a miúdo, quando se introduz um rapaz solteiro em seu lar. Cecily e o pérfido Edmond encetaram relações culposas. Durante seis meses, Edward de nada se apercebeu. Porém, tudo se acaba por saber. Edward encontrou, em uma caixa mal fechada, umas cartas e soube de maneira insofismável que sua mulher e seu irmão o traíam diariamente. Que partido tomar? Bater-se em duelo com Edmond, seria entrar em conflito com os costumes ingleses. Temia também as soporíferas discussões dos padrinhos. O duelo, com pistolas, resultaria impossível, bem como o com espadas, dada a proibição do corpo a corpo. Além do mais que sucederia se matasse o irmão? Poderia continuar a vida em comum com sua mulher? Sempre haveria um cadáver entre eles! Chamou Cecily. – A partir de hoje – disse-lhe – não mais profanarás o domicilio conjugal. Vai-te. – Está nem – disse ela. - Está bem – disse Edmond – eu a acompanho. O marido não teve outro remédio que segui-los. Edmond instalou Cecily num apartamento deveras confortável. E, como entre xifópagos, tudo termina por acomodar-se, os três viveram muito felizes.
Trechos do conto História de dois irmãos siameses (Cultrix, 1969), do dramaturgo, novelista, jornalista e advogado francês Tristan Bernard (pseudônimo de Paul Bernard, 1866-1947).

A ARTE DE MERVE OZASLAN
A arte do fotógrafo e artista visual Merve Ozaslan.

AGENDA:
Mostra Sururu de Cinema Alagoano & muito mais na Agenda aqui.
&
Certo, errado?, Raduan Nassar, Eugene O’Neill, Camilo José Cela, Coral Bracho, Pierre Bourdieu, John Keynes, Vera Fischer, Esther Gracia Marques, Jupi, Edu Lobo, Chiquinha Gonzaga, Renato Borghetti & Zélia Duncan aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música do compositor, arranjador e estudioso César Guerra-Peixe (1914-1993): Sinfonia Brasilia, A retirada da Laguna, Suíte Pernambucana & Luis Gonzaga Sinfônico & muito mais nos mais de 2 milhões & 900 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja aqui, aqui e aqui.


segunda-feira, novembro 26, 2018

VAN GOGH, RYONEN & ZEN, SILKE AVENHAUS & ESTAÇÃO DO BEM CATENDE


A TRISTEZA DURA PARA SEMPRE – Imagem: Autorretrato de Vincent Van Gogh (1853-1890) - Ser Vincent entre outros Cent e de Zundert, a sina: substituir o irmão natimorto em homenagem ao avô, o começo da infelicidade ao abandono. Ele era o outro, a sua vida. Graças à mãe e Huysmans, captura as coisas entre a frieza e austeridade, era tudo tão estéril. O lugar não é o ponto certo, nunca foi, seja ali, acolá, antes Goupil em Haia até Londres e a rejeitada paixão por Eugénie Loyer, para lecionar num internato de Ramsgate, se mandar para Isleworth e findar no seio da mãe em Etten, devotado na livraria de Dordrecht a reconhecer o fracasso recorrente. Era a vida dele. Missionário, troca aposento confortável para dormir entre as palhas de uma cabana, ruía a sua fé pela incomprenssão e a ameaça do internato no manicômio na frustração de todos. Eis Cornelia Vos-Stricker, a amada Kee, sete anos mais velha, a declaração de amor e o pedido de casamento. Doeu dela o não, nunca, jamais, a paixão doída. Valeu-se de Mauve com carvão e pastéis: os outros e suas dores. A persistência era repugnante para todos, teve de colocar a mão sobre o fogo da lamparina, queria ver Kee e ela não. Restaram modelos colhidos nas ruas e quase mendigar no cenário outonal, vontade e testamento de um desencaixado: a feiura, a sombra da escuridão, a desolação. Servia do tosco e as impressões, o espinhoso sombrio e todos de costas pro Sol radiante. Ao se arranjar com Clasina Hoornik, a sua amada Sien, uma irreconciliável vida familiar até ela se matar no rio Escalda. A paixão por Margot Begemann e, pela recusa das famílias, a perturbação de uma overdose de estricninia, e consegue salvá-la e não dá certo nada. A vida prossegue entre os comedores de batata e vê-se enrolado com a gravidez de uma modelo camponesa, a proibição pelo padre dos paroquianos posarem para ele: os portais do inferno e o desespero da loucura, o corpo ao fogo da paixão e os pinceis de sangue. Era o temperamento ingovernável levando aos seus golpes preciosos que ninguém enxergava, a criação que a mente inquieta exigia além do que se via para onde seus pés iam ao alcance da mão nos tesouros do sentimento. E o vento soprava quantas pancadas de rejeitado pela mediocridade, as batidas entre moribundos, todos os fracassos tantos e os girassóis. A pobreza na Rua das Imagens de Antuerpia, dentes soltos e doloridos nas xilogravuras japonesas, as cores: o verde-esmeralda, o carmim, o azul-cobalto, a sífilis, a bebida, o fumo, brigas e incompreensões, era a vida. A Paris e o irmão que sofria dele tudo quase insuportável, Bernard, Anquetin, Lautrec, Gauguin. Cansado, a Casa Amarela e da solidão do seu quarto Arles e suas criaturas de outro mundo, a luz e a paisagem, as colheitas, os campos de trigos, a tensão excessiva. A crise com Gauguin e a orelha cortada de presente para a criada de um bordel, Gabrielle Berlatier. Era o louco ruivo e um abaixo assinado para internação no hospício de Saint-Rémy-de-Provence e a obra que consertou o galinheiro de Rey, isso valia. A noite estrelada no hospício de Saint-Paul-de-Mausole e as oliveiras, os ciprestes, a estrada, o trigal, a depressão e as reminiscências do Norte, as camponesas de sempre. Era o gênio de Albert Aurier, os melhores de Monet, a Madame Ginoux da Arlesiana, os insultos de Groux, os ramos de uma flor de amêndoa branca contra um céu azul pro sobrinho. Ali agora era Auvers-sur-Oise e o homeopata Gachet que se parecia mais doente quanto seus pacientes, o Jardim de Daubigny e absorto com o delicado amarelo da imensa planície contra as colinas de maio e os vastos campos de trigo sob céus turbulentos, a tristeza e a extrema solidão. A vida era em cores dramáticas e impulsivas pinceladas, a conquista de Anna Bock, quando os sonhos desaparecem para impermanência e o tiro no próprio peito, o coração, a arte e a vida pelas recaídas, a humanidade adoecida no seu corpo, o gesto simples e o carteiro amigo único, tudo distante na dor dos solitários da alma nas mãos, os fulgores arriscando a própria vida pela amada e a tristeza de tudo quando sorriam os equivocados. Sabia da dor que sequer sentiam, sabia da tristeza dissimulada, sabia tão denso o que levavam na superficialidade, percebia o imperceptível, o agudo olhar e vivia a vida em todas as vidas, reclamando para si esta que não era dele, mas nela era; o espaço que não era seu, mas nele estava, isso era ser Vincent num tempo que não era o seu: tormentos, melancolia, raiva e absinto - uma vida de dois mil trabalhos reduzidos a uma venda. Era o louco fracassado salvo apenas pela generosidade de Johanna e as cartas para Theo na infecção do adeus: a tristeza vai durar para sempre. A vida não era outra, era a sua. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
A monja budista conhecida como Ryonen [...] Ela era neta do famoso guerreiro japonês Shingen. Seu gênio poético e beleza encantadora eram tais que aos dezessete anos ela estava servindo a imperatriz como uma das damas da corte. Mesmo numa idade tão jovem a fama a aguardava. A amada imperatriz morreu repentinamente, e os sonhos esperançosos de Ryonen desapareceram. Ela se tornou dolorosamente consciente da impermanência da vida neste mundo. Foi então que ela desejou estudar Zen. Seus parentes, entretanto, não concordaram e praticamente a forçaram a casar. Com a promessa de que ela poderia tornar-se uma monja depois de ter três filhos, Ryonen concordou. Antes de completar vinte e cinco anos, tinha cumprido esta condição. Então o seu marido e seus familiares não puderam mais dissuadi-la do seu desejo. Ela raspou a cabeça, adotou o nome de Ryonen, que significa compreender claramente, e começou sua peregrinação. Ela chegou à cidade de edo e pediu a Tetsugyo que a aceitasse como sua discípula. Num só olhar o mestre a rejeitou porque era muito bonita. Ryonem foi então a outro mestre. Hakuo a recusou pela mesma razão, dizendo que sua beleza criaria problemas. Ryonem conseguiu um ferro quente e o colocou contra a sua face. Em poucos momentos sua beleza tinha desaparecido para sempre. Hakuo a aceitou como discípula. Comemorando esta ocasião, Ryonen escreveu um poema atrás de um pequeno espelho:
No serviço de minha Imperatriz eu queimei incenso
Para perfurmar minhas belas roupas
Agora como uma mendicante sem lar
Eu queimo meu rosto
Para entrar num templo Zen.
Quando Ryonen estava para deixar este mundo, ela escreveu um outro poema:
Sessenta e seis vezes estes olhos contemplaram
A cena mutável do outono.
Eu disse o suficiente sobre o luar,
Não peça mais nada.
Apenas escute a voz dos pinheiros e cedros
Quando nenhum vento sopra.
A clara compreensão de Ryonen, recolhido de Histórias zen: uma coleção de escritos zen e pré-zen (Teosófica, 1999), compilada por Paul Reps e traduzida por Pedro Oliveira.

A ARTE DE VAN GOGH
A arte do pintor pós-impressionista neerlandês Vincent van Gogh (1853-1890). Veja mais aqui e aqui.

AGENDA:
Estação do Bem – Vem danado pra Catende & muito mais na Agenda aqui.
&
Fazer e bem feito, José Paulo Paes, O engole cobra de Ascenso Ferreira, Sema Lao, Norman Lindsay, Ignacy Sachs, Sema Lao, A popular e a sustentabilidade de Genebaldo Freire Dias, Jurema, Egberto Gismonti, Flora Purim, Yes & Rick Wakeman; Toquinho, Rosa Passos, Paula Morelenbaum & João Bosco; Keith Jarret, Sueli Costa, Eumir Deodato & Rita Lee aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música da pianista alemã Silke Avenhaus: Lieders de Schubert & Liszt, Pendulum de Glass & Sonata de Corigliano, A Ray of light de Liehtstrahl & Sonata de Silvestron & muito mais nos mais de 2 milhões & 900 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja aqui e aqui.


KARIMA ZIALI, ANA JAKA, AMIN MAALOUF & JOÃO PERNAMBUCO

  Poemagem – Acervo ArtLAM . Veja mais abaixo & aqui . Ao som de Sonho de magia (1930), do compositor João Pernambuco (1883-1947), ...