SOLILÓQUIO
MATINAL - Imagem da artista chinesa Jia Lu. - Ouço os pássaros na manhã e
sou tons no voo da alegria de plantas, brisa, cores, campos, céus e chão. Nada mais
ameno respirar o amanhecer para quem vivo. Daí a pouco um instantinho e a
cidade emerge com estrépitos emergentes das algaravias aos ventos de quantas línguas
e vozes irreconhecíveis. Nem parece e estou só nesse instante, nada pra dizer,
nem ninguém me diz nada além de banalidades, lamúrias, padecimentos. Os gestos longínquos
me dizem dos afobamentos e a ganância fala mais alto entre ninharias, sem que
nada tenha significado, mesmo que preste atenção, é tudo muito lamentável,
quantos restos amontoados, desperdício, ódio, chancelas. Há muito as linhas na
palma das mãos guiaram o meu olhar e exprimiu de mim o que nem sei que sou. Sei:
só posso conhecer-me com o outro e só serei se o outro existir, do contrário
serei ermo ambulante, noite sem dia, cor sem luz. Também ouço o reluzir das
flores, as árvoes trabalham e me lembram o oxigênio e isso eu sou vida inteira,
a sentir as moléculas nas paredes como as células no corpo. Olhares avessos me
falam, sou o que acontece ao meu redor e até o que não sei se deu certo ou não,
se passou do ponto e gorou, se era pra chegar e não veio, se do visinvisível
não percebesse nada e me diz respeito porque respiro e faço parte do que vai
acontecer. Não me confesso perdido nesse momento, tateio um tanto deslocado por
frentes frias, cargas de ar, correntes e rotas. As águas ensinam tão bem: tudo
passa. A lição da chuva passageira e logo estiou para que eu fosse além pra me
molhar de vida como as aves e todos os bichos que não sabem nada além de viver.
Se não há mais calmaria no meio da algazarra das ferragens dos motores, do
rangido das portas, do alarido das coisas, o riso cancela a tristeza porque o
Sol é sempre maior e eu sei, os caminhos se comunicam e aprendo nos galhos as
múltiplas possibilidades de sorrir, sonhar e ser feliz, basta que eu pise a
Terra pra saber ali ao abrigo e fazer por onde merecer o entendimento do
paradoxo, nada mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Minha história se conta em duas palavras.
[...] não sou nenhum mestre da narração:
vai sair seca e curta, ou então prolixa e falsa; no entanto, se me permitirem,
escreverei num caderno tudo de que me lembro... e lerei para os senhores. [...]
A poucos passos de mim, numa clareira,
entre arbustos verdes de framboesas, estava uma menina alta e formosa, num
vestido de listras cor-de-rosa e com um lencinho branco na cabeça; em torno
dela se aglomeravam quatro jovens, e ela batia alternadamente na testa deles
com pequeninas flores cinzentas cujo nome ignoro, mas que são muito conhecidas
das crianças: essas flores possuem uns saquinhos miúdos que se rompem com um
estalo quando batemos com eles em algo mais duro. Aqueles jovens se revezavam
com tanta boa vontade para oferecer sua testa — e nos movimentos da menina (eu
via tudo de lado) havia algo tão encantador, cativante, carinhoso, engraçado e
meigo que quase dei um grito de admiração e de prazer e tive a impressão de
que, naquela hora, daria tudo no mundo só para que aqueles dedinhos
encantadores também batessem em minha testa. [...] Senti vontade de lhe contar tudo, mas me contive e apenas sorri por
dentro. Antes de me deitar para dormir, sem que eu mesmo soubesse para quê,
rodopiei três vezes num pé só, passei pomada no cabelo, deitei e dormi a noite
inteira como uma pedra. Antes de amanhecer, acordei por um instante, ergui a
cabeça, olhei à minha volta, em êxtase — e adormeci outra vez. [...].
Trechos
extraídos da obra Primeiro amor
(Companhia das Letras, 2015), do escritor,
tradutor e dramaturgo russo Ivan
Turguêniev (1818-1883). Veja mais aqui.
A ARTE DE JIA LU
A arte da artista chinesa Jia Lu. Veja mais aqui.
AGENDA:
&
Os quinze anos de Clarinha, Confúcio, Jim Peters, Arnaldo Tobias, Mulheres no Mundo de Rosemary Evaristo
Barbosa, Escravidão e abolição de Ignez de Almeida Pessoa, Belém de Maria, Carl Orff, Chloë Hanslip, Nelson Freire & Mitsuko Uchida aqui.
&
Respeite o santo, Jiddu Krishnamurti, Claude Lévi-Strauss, Ernst Fuchs,
Roseli Nascimento, Sebastião Vila Nova, Riachão do Gama & Cachoeirinha, Igor
Stravinsky, Maria João Pires, João Guilherme Ripper & Martha Angerich aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio
Tataritaritatá a
música da banda Ayreon, um projeto do
multi-instrumentista holandês Arjen Anthony Lucassen: The Source, The Theory of
Everything, Isis and Osiris & The dau that world breaks down & muito
mais nos mais de 2 milhões & 800 mil acessos ao blog & nos 35 Anos
de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui.