sexta-feira, novembro 23, 2018

DINAH SILVEIRA DE QUEIROZ, GONZAGUINHA, EUGENIA LOLI & MAIS OUTRAS COISAS.


CARTA INÚTIL – Imagem: arte da artista grega Eugenia Loli - Sempre o que pensei de mim era quase nada diante da imensidão do universo e do que há por trás das menores coisas: do horizonte ao céu sem fim a inacessível compreensão, por trás do mínimo grão de areia há muito mais invisível, eu sei. Das lições, a de Pessoa - a tabacaria de Álvaro -, o apelo de Drummond, os ocos de Eliot e por aí vai, muitas. Não servi a nenhuma religião, outra é a minha fé. Fui apenas batizado sem ninguém me consultar, crianças seguem à vontade dos pais. Até simpatizei os quakers, o zen-budismo, o taoísmo, contudo prevaleceu minha raiz caeté e me fiz pela espiritualidade: o Todo sou eu e tudo. Comecei a trabalhar cedo, logo aprendi responsabilidades e fugia de todas elas, até ser capturado em nome da moral e dos bons costumes que nunca aceitei. Adolescente, não servi às forças armadas, pudera, um franzino batoré não possuía estatura para se enquadrar nos moldes exigidos e jamais conseguiria sustentar o peso de uma bandeira patriótica no meio do maior negrume: fui reservado por não atender às exigências e excesso de contingente. Das leituras me vi no labirinto das palavras, não sabia sequer o que falava, a escrita seduzia e queria aprender: não era pro meu bico, quem não teimoso. Meus estudos nunca serviram para nada, as paralelas seguem Letras, Pedagogia, Direito, Psicologia, ciências, artes, quanta seriedade, ideias e perfumarias, múltiplos tentáculos para muita coisa, tudo balela que se amontoou na cachola. Na educação optaram pela privada e fizeram disso a pública: aprender a negociar, o resto é letra morta. No direito, nunca consegui dispor do interesse de dois senhores, lá e loa, e só há justiça na decisão de escolher o menor prejuízo. A psicologia tem teste pra tudo, o que importa é cuidar da doença, nunca a saúde. Vi-me completamente inútil, aliás, o cúmulo da inutilidade: o mercado é a lei. E eu: não! Na minha ascese, por anos me imolava na inquebrantável vontade de ser alguém na vida e só consegui ser talqualmente isolado no hospício de Van Gogh e no exílio voluntário de Rimbaud. Na verdade, tornei-me um proscrito e o que fiz tudo de apócrifo. Quando olho pra trás, um rol interminável de experiências e mais nada. Outras tantas coisas aprendi e guardo comigo, só valem mesmo pra mim. O que fiz do amor? Cultivei o que sempre senti – ser-me todo coração -, tanto sofria como fui feliz de nem saber as dores e tormentos que causei. O que fiz da amizade? Tantos amigos ao longo da jornada, hoje apenas lembranças e solidão. O que fiz da vida? O futuro no instante de agora e nunca mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] aquela graciosa figura que sobressaía das outras mulheres, como se ela fosse uma fidalga menina de paço, ali encontrada, não sabia por que espécie de acontecimento. Até o vestido era diferente. Enquanto tôdas as outras usavam saias de algodão e corpetes soltos, também de algodão, Margarida estava com uma linda blusa de sêda, e uma saia de chamalote. Além disso, trazia jóias, brincos, colares e o cabelo louro penteado irrepreensivelmente. Parecia injusto ver, na mesma fazenda, uma tão chocante regalia de luxo. [...] enquanto falava as cunhadas a olhavam com interesse e uma espécie de ternura, como se fosse o orgulho de todas. [...] Eu não sou filha de minha mãe no sacrifício. Vá vosmecê escarafunchar na cozinha, no quintal e aí por fora, que há de ver nosso sangue misturado aos desses macacos. [...] Vosmecê não se impressione mal com Rosália. Tem língua solta, foi mal educada e mimada por todas nós. Eu lhe deveria ter, como mana velha, aplicado a palmatória, mas nem Mãe Cândida a corrige. E o resultado é este: uma menina sem modos, dizendo toda espécie de inconveniências. Eu lhe peço Cristina. Não dê trela para suas conversas e, como pessoa mais velha, a censure e a corrija quando for oportuno. [...] Leonel olhou atentamente Isabel, naquela sua mistura de mulher e de homem. Os pés sujos de pó, calçavam grosseiras sandálias. As mãos estavam cheias de terra, na ponta das unhas. E, no entanto, o rosto de Isabel, com fiapos de cabelo arrebentado caindo pela testa, era o de uma criança pálida e talvez doente [...] Doença de mulher é coisa que não conta. Quantas vezes eu já me senti indisposta? Só que não bambeei como desta. Tive força e acompanhei vosmecê. Mas isso não vai se repetir. [...] Triste amor – se é que aquilo pudesse ter um nome assim bendito. Sempre Cristina ouvira falar em almas que se compreendiam, quando se desentendiam os corpos. Ali mesmo, naquela terra tão nova, não conhecera já tantos casos em que as mulheres abnegadamente criavam os filhos de seus maridos – os filhos da depravação ou da lonjura dos matos? Esses eram o casamento das almas. E o seu? Haveria então outra história igual a sua? [...] Pela manhã, moradores do arraial chegavam, medrosos, às proximidades do capão de mato. À noite ainda ouviram gemidos, uns débeis gemidos, mas agora se via – estavam todos mortos. Mulheres se abraçavam aos maridos e tinham crises violentas de choro. Um habitante teve tanta emoção, que saiu a correr, endoidecido, ao ver aquêle amontoado da monstruosa matança. [...].
Trechos extraídos da obra A muralha (José Olympio, 1956), da escritora Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982). Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE EUGENIA LOLI
A arte da artista grega Eugenia Loli.

AGENDA:
O qaue é isso o negro? – 26/11, 19hs, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) – UFPE – Recife – PE & muito mais na Agenda aqui.
&
A escritura do visinvisível, Eduardo Galeano, Flora Purim, Rolando Boldrin, Adoniran Barbosa, Joseph Campbell, Jaci Bezerra, Ingrid Pitt & Arthur Braginsky, Resiliência & Quipapá aqui.
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Como quem espera e já foi, Ahmadou Kourouma, Baruch Espinoza, Henri de Toulouse-Lautrec, Psicanálise & Direito de Renata Vescovi, Lajedo, Ovídio Poli Júnior, Gerusa Leal, Clara Redig, Toninho Horta, Badi Assad, Max Richter & Charlotte Gainsbourg aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música do cantor e compositor Luiz Gonzaga Júnior – Gonzaguinha (1945-1991): Coisa mais maior de grande – Pessoa, Da vida, De volta ao começo & Alô, alô, Brasil & muito mais nos mais de 2 milhões & 900 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.


PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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