CABEÇA DE BAGRE
- Naquela hora o recém-nascido passou a
ser a menina dos olhos do pai: Esse o rei daqui, macho todo, vai comer todas e
mandar ver. Gabava-se patriarcal com seus princípios rígidos, anacrônicos: Esse
será macho até dizer basta, escreva aí. E paparicou, expôs como um troféu, ele
e a esposa botaram o menino a perder. Na hora do nome, o primeiro litígio. Depois
de muito bate boca o marido bateu na mesa: Joatâncio Filho e ponto final. Na
certidão de nascimento, Florismilton, preferência da mulher. Tanto que o garoto
cresceu ambíguo, chamado de Tanzinho pelo pai e marmanjaria; e Florinho pela genetriz
e quejandas. O tampinha foi crescendo arrodeado de tias, primas, madrinhas e
achegadas. Não demorou muito a macharia botar cada boticão de olhos, de chamar
na responsa o genitor, orelhas na frente das pulgas: Como é que é? Já quase
rapaz, o pai olhou direitinho e nem notara o que denunciavam: que, desde tenra
infância, ele delicadamente desmunhecava, falava escondendo a língua e virava os
olhos. Num brinque comigo! Espie! Veja direitinho! Vá! Mas num é que é mesmo,
rapaz! Esse cabra tá puxando a mãe, talqualzinha. Pode não, vou endireitá-lo
agora. E puxou-lo pelo cangote, aos empurrões, ais e uis, meteu-lo dentro dum
quarto aos esporros e sermões. A vítima com os olhos arregalados, franzia o
cenho de boca aberta: Tome jeito, seja homem! Nem que seja a pulso você vai ser
macho, ouviu? E convocou a parentalha macha que era o cúmulo da chatura para o
coitado e entraram em ação: Isso só se resolve no cacete! E bateram nele que
só, para ver se ele parava com aquilo. Depois de umas tantas lamboradas, pisa
de todo jeito, todo dia e o dia todo, ao cabo de uns dois meses nesse trupé,
parece que tomou jeito e começou a parecer com o pai, falar, andar, pensar e
ter postura do progenitor. O que havia de vigia não permitia a menor delicadeza
nas horas de folga, o que levou na cara: Esse não tem jeito, ou vendo, ou mato
de pau. É um cabeça de bagre! Ao ouvir o apelido, ficou fulo de engicar-se por
dias: Cabeça de bagre, uma ova! Taí, parece que pela pressão ele endireitou-se
e foi se ajeitando pras bandas duma prima assanhada da pá virada que torrava um
sarro da calcinha voar: Agora sim, o compadre vai achar é bom um filho meu pra
sua filha! Fica tudo em família! Entre beijos e amassos, ele se apaixonou pelo
sorriso dela e, segundo as más línguas, cometeu a tolice de levá-la inteira pra
casa: Essa daí não tem macho que sustente, ela quebra o cristão! É mesmo,
comadre, do jeito que ela é fogosa, acho que esse não dá vencimento dela não! E
parece que não deu mesmo, dele vê-se numa trapaça e cobrando dela: Se assunte,
nega! Nega é a sua mãe, seu pau-mole, só sabe pedir arrego. Sou macho! Você é
um cabeça de bagre! Aí, fechou o tempo e, de tanta raiva, deu-lhe um murro que
deixou-la banguela: já eram dos arcos inferior e superior, incisivo, canino e
primeiro molar. Apelidou-a de boca de sovaco, por vingança. Ela não se deu por
vencida e o pau cantou de findar os dois na polícia. Um primo que era araque da
ordem, chegou junto: Tu és doido, macho, além de abusar da tua prima, ainda
bate nela é? Ela me chamou de cabeça de bagre! É isso mesmo que tu és,
desgraçado, um cabeça de bagre! Ele deixou o primo estropiado, de precisar uma
tuia de agente e soldados pra conter a fúria dele, e deixá-lo molinho na frente
do delegado: Que brabeza é essa, hem? Me chamaram de cabeça de bagre! E o que é
que tem, só sendo mesmo um cabeça de bagre para fazer uma merda dessa! Oxe, ele
pulou da cadeira e agarrou-se no pescoço do delegado, de só soltá-lo depois de
lapada de todo jeito no toitiço, findando desacordado. Dias depois conseguiram
a soltura dele, respondendo o processo em liberdade por ser primário. Nem adivinhava
o boato do apelido comendo no centro, entre bocas e ouvidos, aos cochichos. Um menino
atrevido gritou: Cabeça de bagre! Ele correu e arreou a lenha no recalcitrante,
sendo apartado pelo povo. A vítima deu parte na polícia, outra queixa contra
ele. Sabia que ia se lascar dessa vez. Ficou na dele, primeiro encheu a pança,
depois a bronca: Foda-se. Tomou todas na virada de copos e litros. Bebaço cantou
e dançou: Sou cabeça de bagre, larari, laralá. Arreou no meio da rua. Acordou com
o sol quente nas faces, mais do que empulhado, de tão envergonhado pelo
exibicionismo. Sabia que da prima não tinha volta, agora procurado pela
polícia, fugindo da família, desastroso e intragável. Foi aí que desajuizou por
uma protestante: Rapaz, sou tarado nessa crente; católica é tudo hipócrita; as
outras são mais vadias com pelos e cabeça de vento. E travou-se com a religiosa
pela noite enorme. Ao despertar, ela não era tão linda quanto parecia. Ela invocou-se
com a rejeição dele: Cabeça de bagre! A fúria dominou-lo, nem ao menos sabe o
resultado de tão cego de ira. Deu uma de doido e saiu correndo, não havia outra
saída, depois de aprontar foi prum hospício. Lá mesmo foi pego. Saiu mais em
conta ser levado pra cadeia mesmo: Buliu com a moça, tem de casar. Um baque no
coração. Olhou pra ela e com o asco de um misógino, preferiu manter-se preso.
Como é que pode? Familiares e parentes no pé do ouvido: Não fica bem, pense,
reflita! E pei, pou, tei, tá. Matutou e pensou consigo: Vá lá que seja, dou um
jeito. Tomou uma atitude política firme e na frente de todos gritou: Nunca mais
como bagre! Eis uma promessa quebrada. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS
[...] homens e
mulheres têm pelo menos três olhos do saber: o olho da carne, que percebe os
acontecimentos físicos; o olho da mente, que percebe imagens, desejos,
conceitos e ideias; e o olho da contemplação, que percebe experiências e
estados espirituais. E isso, claro, é uma versão simplificada do espectro da
consciência, atingindo desde o corpo até a mente e o espírito [...] Todas as coisas são una com o Fundamento
Divino - ele é, afinal de contas, o Fundamento de todo o ser! Perder a unidade
com esse Fundamento é cessar de existir. Siga meu pensamento: existem apenas
duas posições possíveis perante o Fundamento Divino: já que todas as coisas são
una com o Fundamento, você pode ou estar consciente ou inconsciente de sua
união com o Fundamento Divino: essas são as duas únicas escolhas que você tem.
E já que a visão romântica é que você começa, quando recém-nascido, numa união
inconsciente com o Fundamento, você então não pode perder essa união! Você já perdeu a consciência da união; você
não pode ir ainda mais longe, e perder a própria união, ou deixaria de
existir!Então, se você não tem consciência de sua união, as coisas não poderiam
ser pior, ontologicamente falando. Isso já é o cúmulo da alienação. Você já
está vivendo no Inferno [...] O que
eu mais queria transmitir em One Taste era a ideia de uma vida integral, uma
vida em que houvesse espaço para o corpo, para mente, para a alma e para o
espírito, do modo como eles se revelam no eu, na cultura e na natureza. Em
outras palavras, uma vida que tentasse, num dado momento. Ser ao máximo “todos
os quadrantes e todos os níveis”. Não que eu tenha uma vida integral - jamais
afirmei isso - mas, esse é um ideal que vale a pena ser almejado. One Taste também
dá detalhes da minha versão de uma prática transformativa integral [...].
Trechos extraídos da obra O Olho do Espírito: uma
visão integral para um mundo que ficou ligeiramente
louco (Cultrix, 2001), do filósofo
e pensador estadunidense Ken Wilber.
Veja mais aqui e aqui.
ESTAMIRA, BEIRA DO MUNDO
O monólogo
Estamira – Beira do Mundo, escrito
pela premiada atriz Dani Barros e a diretora
Beatriz Sayad, recriando a história da doente mental crônica e catadora de lixo
Estamira Gomes de Sousa (1941-2011), levada para o cinema pelo cineasta Marcos
Prado, em 2005. A atriz atuou no grupo Doutores da Alegria e participou da peça
Maria do Caritó. Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE RACHEL ROSALEN
A arte
da artista visual, designer e arquiteta Rachel
Rosalen. Veja mais aqui.
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muito
mais na Agenda aqui.