O ESQUISITO LUSTRICÍDIO - Desidério tornou-se o melhor partido
de Alagoinhanduba. As mulheres suspiravam quando ele dava o ar da graça. Pudera,
cinquentão bem-vistoso, solteirão abastado, médico de renome e mais todos os
predicados para enfeitiçar o mulheril, fosse casada ou desimpedida, enjeitadas
ou reprimidas, devotadas ou desvalidas. Respeitoso com as folgazãs pacientes
que acorriam aos montes para o atendimento, escolhia a dedo entre as
visualizadas, dispensando todas ao final de um criterioso processo avaliatório.
Queria por que queria apenas uma Galateia, rigorosamente sem o mínimo defeito,
fútil que fosse, havia de ser assim, como ele mesmo batia no peito e dizia:
lindeza escandalosa, dócil e domável, ao seu inteiro e exclusivo dispor,
calada, prestativa servil e que o tivesse como o rei-deus sobre todas as
coisas. Só. Muitas entraram no páreo de sua preferência, nenhuma delas, até então,
chegara ao pódium do seu coração. Depois de muito andar pelos quatro cantos do
mundo, num dia em que estava prestes a desistir definitivamente de se casar –
pensava mesmo em assumir definitivamente sua solidão, de tão desapontado por
não ter encontrar quem estivesse á altura de esquentar seus pés nas noites de
frio -, pois é, como quem cospe pra cima e não sai de baixo, apareceu,
justamente, assim do nada, a Naldinedita. Foi uma abalroada! Pense num
desmantelo! Pois foi, ele perdeu o senso e a razão, todos os seus métodos
avaliatórios foram pro espaço: É essa a escolhida. Simples assim: bonitona de
arrasar quarteirão, nada discreta no balanço voluptuoso de suas carnes
apetitosas, seios abundantes e empinados no decote, cinturinha de pilão sobre
as ancas explêndidas, quadris realçados nas coxas roluças e pernas carnudas,
quase dois metros de exibição gasguita e gesticuladora de tão espalhafatosa, um
exagero da natureza, do cabra ficar abestalhado com o coração a bater ligeiro
de quase sair pela boca aberta da baba escorer e do queixo cair, dos olhos quase
pularem fora e arrear na gamação de não enxergar mais nada pela frente. Pronto,
estava feito, fim de carreira. Desarrumando tudo, o homem endoidou de querer
casar e já, fato que chamou a atenção de toda população que já se acostumara
com a sua solteirice mormaçada. Oxe, ele virou um afoito de passar às
carreiras, tudo na hora da urgência e sair desembestado como quem estava
prestes a perder o trem. De uma hora para outra comprou terreno de não sei
quantos alqueires de terra, fez construir palacete magnificente no meio e
iluminado até o céu, recheado de lustres que encomendou dos mais caros para dar
ar de luxo, riqueza e felicidade, um estrupício na maior gastadeira. Quando ele
passava portão adentro, demorava muito para reaparecer. O comentário era um só de
boca em boca: O homem está gastando o pau no brinquedinho, vai findar morrendo
disso. É que de uma hora para outra ele emagreceu, encurtou, ficou corcunda, com
olheiras fundas e bebendo mais que o habitual: Ué, ele tá usando máscara é? E
bêbado demais, meu! Parece que não dava vencimento na coisa, e foi mesmo. Visitas
furtivas foram flagradas invadindo o seu terreiro enquanto ele dava expediente
na cidade. Ah, depois de muito maloqueiro pular o seu muro, botou ele pra
quebrar: pipocos ecoaram de lá de dentro. E o povo do lado de fora só: Viva São
João! Não era, primeira quinzena de agosto, ora. E depois setembro, outubro,
verões e outonos. Só viam no outro dia ele carregando novos lustres. Vixe, o
homem tá fazendo girândolas com as gaias nos lustres é? E alta noite, teibei:
disparos muitos na maior quebradeira. No dia seguinte, o repetido: novos
lustres. Assim, passou o tempo. A-rá! O povo já estava careca de matar a
charada: Ah, quando coça a gaia, é hora diária do lustricídio! © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS
Não basta ensinar ao homem uma especialidade.
Porque se tornará assim, uma máquina utilizável, mas não uma personalidade. É
necessário que adquira um sentimento, um senso prático daquilo que vale a pena
ser empreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto. [...] A
não ser assim, ele se assemelhará, com seus conhecimentos profissionais, mais a
um cão ensinado do que a uma criatura harmoniosamente desenvolvida. Deve
aprender a compreender as motivações dos homens, suas quimeras e suas angústias
para determinar com exatidão seu lugar exato em relação a seus próximos e à
comunidade. Estas reflexões essenciais, comunicadas à jovem geração graças aos
contatos vivos com os professores, de forma alguma se encontram escritas em
manuais. É assim que se expressa e se forma de início toda a cultura. Quando
aconselho com ardor "As Humanidades", quero recomendar esta cultura
viva, e não um saber fossilizado, sobretudo em história e filosofia. Os excessos
do sistema de competição e de especialização prematura, sob o falacioso
pretexto de eficácia, assassinam o espírito, impossibilitam qualquer vida
cultural e chegam a suprimir os progressos nas ciências do futuro. É preciso,
enfim, tendo em vista a realização de uma educação perfeita, desenvolver o
espírito crítico na inteligência do jovem. Ora, a sobrecarga do espírito pelo
sistema de notas entrava e necessariamente transforma a pesquisa em
superficialidade e falta de cultura. O ensino deveria ser assim: quem o receba
o recolha como um dom inestimável, mas nunca como uma obrigação penosa.
Trechos de Educação em vista de um pensamento livre,
extraído de Como vejo o mundo (Nova
Froteira, 1981), do físico teórico alemão Albert Einstein
(1879-1955). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
A ARTE SEBASTIÃO SALGADO
[...] Minha
fotografia não é uma militância, não é uma profissão. É minha vida [...] Adoro conviver com as pessoas, observar as
comunidades – e agora também os animais, as árvores, as pedras. Minha fotografia
é tudo isso, e não posso dizer que são decisões racionais que me leba, a olhar
para isto ou aquilo. O desejo de fotografar está constantemente me levando a
recomeçar. A tirar novas fotografias, ainda e sempre.
Trecho extraído da obra Da minha terra à Terra (Paralela, 2014), do
fotógrafo Sebastião Salgado. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
TENTATIVA & TATIANA SCHUNCK
A peça teatral Tentativa (2012), da escultora e escritora Tatiana Schunck & Henrique Schafer, conta a história da
angústia por conta da espera de uma mulher levando-a a repassar sua exist~encia
num fluxo de ações, pensamentos e lembranças. Dessa forma, ela tenta superar a
irritação para não explodir diante da constatação de que a vida incomoda. Veja mais aqui, aqui, aqui,
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