AS VOLTAS QUE ESSA VIDA DÁ – Imagem: Transitory ghosts and angels (2007), da fotógrafa estadunidense Francesca Woodman (1958-1981) - Nadilianinha foi à luta.
Depois de assediada pelo padrasto, esporros da mãe ocupada na feira com a venda
das verduras, sozinha e sem esperanças, foi no voo do namorado, promessas de
paraíso. No caminho pra São Paulo fizeram farra, uma filha e um monte de
dívidas. Ao chegarem lá, o namorado saiu pra procurar emprego e nunca mais
voltou. Sozinha, grávida e entre desconhecidos, caiu na vida. Manicure,
pedicure, ajudante de cabelereira, faxineira diarista, babá de crianças e
animais, vendedora porta-a-porta de todo tipo de brebotes, rifas e quitutes,
virava o dia pra cima e pra baixo, até o dia de não aguentar mais, deu à luz e
ficou feliz com a filhinha nos braços. Ninguém para ajudar, improvisou uma
tipoia na caixa dos peitos e saiu varrendo a rua, biscates e um trocado pra
comer no final do dia. Ano após ano, pretendentes, afazeres e vaidade na ponta
do nariz, dias e noites a fio, carregava a carga, amealhando algum trocado graúdo
pra voltar com a cara lisa pra casa da mãe. O padrasto havia morrido, a
genitora com uma mão na frente e outra atrás, atendeu o pedido. Com o retorno,
reformou a casa e montou salão de beleza. Não era São Paulo, era a decepção de
uma cidade interiorana nordestina. O dinheiro acabou, o salão quase às teias de
aranha, precisava mudar. Ou arrumava um bom partido pra casar, ou caía na
prostituição. Nenhum dos dois. Homem, pra ela, estava fora de questão.
Recomeçou varrendo a rua e oferecendo serviços com todas as suas aptidões. Os
olhares da cobiça masculina rondaram sua formosura, cada oferta de quase cair
dura de tanta fortuna. Não foi na lábia dos enrolões, mandou ver, retomou a
vida, correu atrás, fez de tudo virando noite na cozinha, varrendo chão, lavando
banheiros, a cara com dignidade, nenhum amor-próprio, o desemprego, a carestia,
a penúria. Partiu pro campo, um dia, dois, das cinco da manhã ao por-do-sol,
não aguentou o corte da cana mais uma tarde, dores nas costas, impaciente,
desesperada, a filha adolescia rebelde, a mãe caducando comia-lhe o juízo,
prestes à loucura, para tudo. Chega. Olhou-se no espelho e se perguntou: Quem
sou eu? As lágrimas lavaram as faces, já não era tão jovem quanto estimava, nem
tão bela como pensara, cabelos grisalhos, rugas, cansada. As dores roubaram o
seu sorriso. Refletida no espelho a cara da morte, nada mais. Sabia das
escolhas: enlouquecer de vez ou mudar de vida. Há anos tanto fizera pra nenhum
horizonte. Sentiu-se fracassada. Optou pela loucura. Lá vai ela doida
levantando a saia como quem festeja os ventos. ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor, cantor e ator Jards Macalé: Amor, ordem e progresso, Ao vivo & Real grandeza; da
cantora & atriz Cida Moreira: Summertimes, Abolerado blues & Álbum; & muito
mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA –[...] Estamos, portanto na encruzilhada dos
caminhos. Ou tomaremos a estrada da paz, ou a estrada já freqüentada da força
cega, indigna de nossa civilização. É esta nossa escolha e por ela seremos
responsáveis! De um lado, liberdade dos indivíduos e segurança das comunidades
nos esperam. Do outro, servidão dos indivíduos e aniquilamento das civilizações
nos ameaçam. Nosso destino será aquele que escolhermos. [...]. Trecho da obra Como vejo o mundo (Nova
Fronteira, 1981), do físico teórico alemão Albert Einstein
(1879-1955). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.
VER & VER - [...] Ao
tentarem maximizar os lucros, as pessoas, as empresas e as instituições
procuram ‘exteriorizar’ todos os custos sociais e ambientais [...] Sgnifica que elas excluem esses custos de
seus balanços e os empurram para outros, transferindo-os para o sistema, para o
meio ambiente e para as gerações futuras. [...]. Pensamento da economista
futurista e iconoclasta inglesa, Hazel
Henderson, extraído de Sabedoria incomum: conversas com pessoas notáveis
(Cultrix, 1995), de Fritjof Capra. Veja mais aqui.
SANTA MISÉRIA - [...] Durante
muito tempo, Jussi foi presa de ligeira perplexidade. A fazenda possuía salas
vastas e limpas, havia mesmo aposentos nos quais nunca se entrava. Ele recebia
suficientemente uma boa almentação. Mas, enquanto bebia café varias vezes por
dia em Kinnila, aqui nunca lhe ofereciam, embora preparassem com frquencia. Com
este regime, seu corpo anêmico fortificou-se muito rapidamente; ao contrario,
sua inteligência ficava meio embotada, uma sonolência particular, expressão de
saúde excessiva,prostrava todo o seu ser. Seus tendiam a arregalar-se com um ar
embrutecido e frequentemente nada compreendia, quando se mandava ir aqui ou
ali. Quando devia desincumbir-se de um encargo, lugares lhe eram estranhos e
ninguém lhe ensinava, apenas lhe davam a ordem de ir. Não ousava pedir
explicações, apenas acontecia-lhe ficar plantado no pátio até que a fazendeira
se cansasse de esperar e saísse prontamente para ver “quanto tempo ele ia levar
para procurar esta selha”. Jussi tê-la-ia levado de boa vontade numa corrida se
soubesse e compreendesse a ordem da patroa. Foi a partir dessa época que ele
foi marcado pela reputação de ser vagaroso e bronco, um pouco idiota. [...].
Trechos extraídos da obra Santa miséria
(Delta, 1966), do escritor finlandês Frans
Eemil Sillanpää (1888-1964), Prêmio Nobel de Literatura de 1939.
POEMA – Foi, talvez, uma só, uma vez, apenas: /
encontramo-nos ambos, no caminho, / tu eras o pardal solitário num telhado /
eu, a pandoleja erma, com a mesma plumagem. / Tua tarefa era repetida entre os
gravetos e o barro, / e trabalhavas com os dedos, jogando a argula,
amassando-a, esmerando-a, / depois riste: “Estes verão qualquer dia, / Smitg
construído e Gibson demolido. / Minha missão era cantar, canta e cantar; /
chilrei, trinei, trilei, e gorjeei, / “Kate Brown aqui estará, dentro em breve,
/ e a existência de Grisi amargurada!” / Não apanhei mais, por um gorjeio, / do
que tu, ao riscares no barro; / querias um pedaço de mármore / e eu precisava
dum mestre de música. / Muito meditamos, à nossa manieira, / bicamos uma
migalha de pão, como os hindus, / pois o ar, envolvendo as telhas, / vinha
zombeteiro, até às nossas janelas. / Brincavas como um menino do Sul / de boné
e blusa – e ainda com uns tracinhos de barba / que arranjaste, esfregando o teu
bico e os dedos / onde o barro aderira. / E não demorei a divisar / pequenos
pontos que, na cerca florida, / me espreitavam, / forçando-me a cerrar a
cortina, / para, assim tranqüila, atar os cordões do espartilho. / Não houve
malícia! Nem foi miinha a culpa / se nunca volveste teus olhos para o alto. /
Enquanto eu emitia um “mi” agudo, / que corria a escala cromática. / A
primavera era uma súplica aos pardais em par, / moços e moças se entretinham em
adivinhações, / e o alimento, em nosso caminho, era escasso: / havia, apenas,
junco e agrião. / Por quê não atiraste, espetada / numa bolinha de barro, uma
flor? / por quê não revelei a força / da gratidão num olhar nem a exaltei num
canto? / Eu parecia livre de receios como um lince, / (e todavia, a recordação
ainda dói). / Quando os modelos chagaram, uma menina / viva, subiu, correndo, a
escadaria. / Mas, acredito que te considerei bondoso: / “Aquele estranho
companheiro – como pode saber / que ela paga, com tanta alegria, / a afinação
do seu piano?” / Poderia falar assim, mas não o faças nunca, / “Imaginemos que
juntamos as nossas mãos, e as nossas fortunas / eu trago do caminho o teu piano
/ e tuas canções longas ou curtas”. / Não, não; nem serias diligente, / nem eu
mais célebre – alguma coisa mais: / ainda tens de matar Gibson, / e Grisi ainda
vive na opulência. / Mas tu encontrarás o Príncipe à mesa, / eu sou rainha nos
bailes à fantasia, / casei-me com um lorde rico e velho, / e tu és um cavalheiro
armado, da Real Academia. / Ambas as vidas ainda imperfeitas, como vês, /
mostram-se em tudo desartucaladas, / não suspiramos profundamente, / nem rimos
livremente nem sofremos fome, / não banqueteamos nem afligimos em busca da
felicidade. / Ninguém te considera inculto, / e todos me acreditam inteligente:
/ isso teria acontecido uma única vez, / e, perdendo o ensejo, nós o perdemos
para sempre. Poema do poeta e dramaturgo inglês Robert Browning (1812-1889).
A ARTE DE FRANCESCA WOODMAN
A arte da fotógrafa estadunidense Francesca Woodman
(1958-1981).
&
Das
manchetes ao inútil tudo é vendido e consumido, a literatura de Paulo Mendes Campos, a música de Art Farmer, Lee
Morgan & Benny Golson, a fotografia de Ramses Marzouk,
a pintura de Maurice de Vlaminck & Maria Áurea Santa Cruz aqui.