PALAVRAS & VÍRGULAS – UMA: LIÇÃO SUPERCENTENÁRIA: Estava eu no meio das minhas leituras quando
me deparei com uma revista aberta e lá constava uma matéria sobre a pediatra
supercentenária estadunidense, Leila Denmark (1898-2012),
que expressava: Qualquer coisa na terra
que você queira fazer é jogar. Qualquer coisa na terra que você tem que fazer é
trabalho. O jogo nunca vai te matar, o trabalho sim. Nunca trabalhei um dia na
minha vida... Ôpa, lição valiosa essa. Principalmente porque vinha da única
mulher a graduar-se na Escola Médica e, ao se casar, foi morar com o marido na
ilha de Java, onde as esposas não eram permitidas. Entre as suas grandes
façanhas está a desenvolver a vacina da tosse convulsa, afora ter dedicado à
pediatria grande parte da sua vida nos mais diversos hospitais, até festejar
sues longos 114 anos de idade. Vida longa e exemplar. DUAS: DO DESTINO & DA
POESIA – Não foi à toa que, depois de ler grande parte da biografia da média,
logo em seguida, me caiu às vistas as palavras do escritor e dramaturgo
islandês, Halldór Laxness (1902-1998): A esperança e o destino são irmãos, e ambos repousam no mesmo coração...
Pois o homem está essencialmente sozinho, e deve-se ter pena dele, amá-lo e
sofrer com ele... Quem não vive na poesia não pode sobreviver aqui na terra...
(Veja mais dele aqui e aqui). TRÊS: PRA QUÊ LEVAR TUDO TÃO A SÉRIO – Fiquei um
tempo meditando a respeito, no meio da confusão dos pensamentos, eis que me
surgem as palavras da escritorapresentadora estadunidense Ina Garden, que falava das suas proezas com receitas culinárias: Diversão é o mais importante. Se você fizer
coisas por dinheiro, nunca funciona. Eu tenho hora para tudo. Eu sou um
cientista no coração... De fato, fazer o que gosta é fundamental para não
se martirizar na vida. E vamos aprumar a conversa!
DITOS & DESDITOS - A ideologia do trabalho e a ética do
esforço tornam-se assim disfarces para o egoísmo e o carreirismo
ultracompetitivos: os melhores triunfam, os outros só podem culpar a si
próprios; o trabalho árduo deve ser incentivado e recompensado, o
que significa que não devemos subsidiar os desempregados, os pobres e todos os
outros 'preguiçosos'... Diante
dessa sociedade que se tornou estranha a sí mesma, temos dois tipos de
rebeliões em todos os países. Por um lado, as pessoas culturalmente equipadas
para assumir sua autonomia, elas exigem do poder do estado e do dinheiro a
criação de espaços de solidariedade autogerida, por outro lado, temos a reação
regressiva daqueles que gostariam de reencontrar a segurança de uma ordem
pré-moderna, estável, hierarquizada, fortemente integradora, na qual, desde o
nascimento, cada um tem seu lugar garantido e determinado pelo fato de
pertencer a sua nação ou raça... Pensamento do filósofo austro-francês André Gorz (1923-2007). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: O homem não está satisfeito
em ser o animal mais estúpido da criação; Além disso, ele se permite o luxo de
ser o único ridículo... Você sofre de uma das doenças mais normais da raça
humana: a necessidade de se comunicar com seus semelhantes... Um
leitor aborrecido é o fracasso do escritor... Pensamento recolhido das obras do escritor hondurenho Augusto
Monterroso Bonilla (1921-2003). Veja mais aqui.
TRÂNSITO DE VÊNUS - [...]
Quando você percebe que alguém está tentando te machucar,
dói menos... A menos que você os ame. [...] Eu nunca
tive, ou desejei, poder sobre você. Isso não é verdade, claro. Eu queria o maior poder
de todos. mas não vantagem ou autoridade. [...] Mas, com uma nostalgia ininteligível de uma vida que ela nunca viveu,
sabia que tudo teria sido sutil e profundamente diferente se seu marido a
amasse muito. [...] Ela estava
começando a olhar para homens e mulheres como companheiros de sobrevivência:
bons dissimuladores de seus infortúnios, que, com poucos sinais de pesar,
haviam contido, assimilado ou colocado em uso sua própria destruição. Daqueles que suportaram
o pior, nem todos se comportaram de maneira nobre ou consistente. mas todos,
involuntariamente, tornaram-se parte de alguma afirmação mais profunda da vida. [...] No outro extremo da sala, os três velhos discutiam enfermidades; trocando sintomas em voz
baixa, como os meninos podem falar de luxúria. [...] Seus olhos estavam arregalados e desbotados com a descoberta do que, de
comum acordo humano, é melhor não divulgar. [...] A doçura que todos ansiavam noite e dia. Alguma tragédia pode ser
imaginada à toa - perda ou doença. Ela tinha a luminosidade de quem está prestes a morrer. [...]. Trechos extraídos da obra The Transit of Venus (Virago, 1995), da escritora australiana Shirley
Hazzard (1931-2016), autora de frases lapidares como: Os seres humanos precisam de infelicidade pelo menos tanto quanto eles
precisam de felicidade... A tragédia
não é que o amor não dure. A tragédia é o amor que dura... Nada cria tal inverdade em você como o
desejo de agradar... Para a maioria
das pessoas é mais fácil apoiar uma pessoa eminente em desgraça merecida do que
um obscuro que foi injustiçado...
DOIS POEMAS - A MAMÃ: África \ Mamã África\ Geraste-me no teu ventre\ nasci sob o
tufão colonial\ chuchei teu leite de cor\ cresci\ atrofiada mas cresci\ juventude
rápida\ como a estrela que corre\ quando morre o nganga.\ Hoje sou mulher\ não
sei já se mulher se velhinha\ mas é a ti que venho\ África\ Mamã África.\ Tu
que me geraste\ não me mates\ não praguejes um rebento teu,\ senão\ não tens
futuro.\ Não sejas matricida\ Sou Angola, a tua Angola.\ Não te juntes ao
opressor\ ao amigo do opressor\nem a teu filho bastardo.\Eles caçoam de ti.\ Caíste
na ratoeira\ enganada\ não distingues o verdadeiro do falso\ no teu candidato e
secular vigor\ cegaste,\ e agora és tu\ África\ Mamã África\ que dás força ao
irmão bastardo\ para asfixiar-me\ azagaiar-me pelas costas.\ O opressor, o
amigo do opressor \ o teu filho bastardo\ (também tu, Mamã África?)\divertir-se-ão\
\ao ouvir-me expirar. \Mas África\Mamã África\ P’lo amor de coerência\ Inda
quero crer em ti. INQUIRINDO: Carrascos de upistas\ espia de tugas\ prostituta\
mulher metida em política\ aqui estou etiquetada disso\ inquirindo o fim deste
pesadelo\ inquirindo\ cada vez que soa o passo bruto,\ ronca o jeep militar,\ a
corneta toca formatura geral.\ Colam-me o guarda à porta.\ Será o pelotão do
talho,\ a minha vez, a dele\ um camarada na margem direita\ o capitão conga vem
levar-nos\ agora ou nunca?\ Aqui estou eu inquirindo\ sempre inquirindo\ Na
ilha do inferno não há túnel.\Vietname acabou abuso yankee.\ Colômbia retomou
caminho da dignidade.\ Outra mina rebentou em Pretória.\ Acima de tudo\ Ripanzu\(com
Cienfuegos, Kamy e o outro)\avança.\ Consertando o estragado\ varrendo o
colonialista\ edificando o lógico.\Brazza transmitiu a marcha do Kamy?\ Inquirindo\
inquirindo p’ra manter\ a luta constante\ entre o suicídio à espreita\ e este
louco redemoinho\ até a manhã chegar,\ sair viva do campo da morte\ e poder ser
útil\ na liberdade de escolha\ da responsabilidade a tomar\ a liberdade de ação\
para realizá-la. Poema da poeta e socióloga angolana Langidila - Deolinda Rodrigues Francisco de Almeida
(1939-1967), cognominada Mãe da Revolução e autora das obras como "Caxicane”
(1956), "Luanda – Já não és a Luanda de então” (1956) e "Estrela de
Belém” (1957), que foi capturada, torturada e executada pela União dos Povos de
Angola (UPA), mais tarde denominada Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA),
no contexto da luta fratricida que opunha o MPLA à UPA/FNLA. Um documentário
sobre a sua vida foi realizado em 2014 e seus poemas foram recolhidos da obra Antologia
da poesia feminina dos PALOP - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – (Laiovento, 1998), organizada por Xosé Lois
Garcia.