BRIGITTE
SEMPRE OU NUNCA MAIS! – Desde que nasceu já era foco nos closes da
paternidade burquesa - o pai cinéfilo e poeta, a mãe apreciadora de música,
dança e todas as artes. Os rígidos padrões comportamentais impostos pelo pai,
boas maneiras e roupas apropriadas, a vigilância da mãe seletiva a fez durante a
guerra para a dança e dali pro balé: eis uma modelo adolescente para coleção
infantil e capa de revista, até estrelar um filme que não vingou: "Les
lauriers sont coupés. Mas estreou logo Le Trou normand, com o
casamento à revelia da família. Vieram as cenas arrasadoras de biquini no Manina,
la fille sans voile, o que levou seu pai à justiça para impedi-las. Tarde demais, nada impediu de trilhar seu
caminha na alma de Helena de Troia, para se tornar a rainha de Saint Tropez, a ninfeta
desejada até a explosão em “E Deus criou a mulher”, tornando-se ícone parisiense
do pós-guerra para instaurar a Bardotmania sob estrondoso sucesso e enormes
escândalos. O fenômeno passou a ser censurado por conta da Liga da decência
católica, só porque dançava descalça sensualmente sobre as mesas para delírio
da marmanjada. Tornou-se a deusa sexual dos anos sessenta, a femme fatale
do estrelato em Babette vai à guerra, o alvo dos paparazzi, choques, mudanças
de rumo. Seguram-se A verdade, Vida privada, O desprezo, Viva Maria! – Quantas homenagens
rendi em minhas mãos adolescentes ao vê-la incendiando minha concupiscência. Foi
por pouco tempo e retirou-se da vida agitada: sentia-se como um animal caçado. Passou
a denunciar a matança das focas, a caça às baleias, SOS Animaux, tornou-se a vegetariana
de La Madrague sob a ameaça de organização terrorista e paramilitar, afora
antipatias por suas posições políticas e ofensas racistas, homofóbicas,
xenófobas. Foi como disse Beauvoir: Uma locomotiva da história das mulheres.
Mas, como ela nunca virou à esquerda, perdi a chance – manteve-se na sua
cruzada em defesa dos animais e contra a islamização da França, a polêmica pela
recusa da Legião de Honra, ícone fashion hedonista e símbolo da Orla Bardot de Búzios
repisada pela canção do Tom Zé, o diário vendido pelas adulações, levada pela
depressão, já colapsada e suicida, vítima da própria celebridade e que ninguém suporá
o que será depois. Veja mais aqui, aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Estar em silêncio e meditando no som é algo
completamente diferente e será descoberto muito em breve por muitas pessoas que
sentem que o mundo visual não alcança mais sua alma. Novos métodos mudam a experiência, e
novas experiências mudam o homem. Sempre que ouvimos sons, mudamos,
não somos mais os mesmos, e isso é mais verdadeiro quando ouvimos sons
organizados; música. E
quando eles encontrarem obras de arte que mostram que o uso de novas mídias
pode levar a novas experiências e a uma nova consciência, e expandir nossos
sentidos, nossa percepção, nossa inteligência, nossa sensibilidade, eles se
interessarão por essa música. Creio na descoberta perpétua
das formas musicais, quero fazer a viagem cósmica. Sou um
aventureiro. Eu gosto de invenção, eu gosto de descoberta.
Pensamento do compositor alemão Karlheinz
Stockhausen (1928-2007). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM
FALOU: O difícil é achar o caminho da simplicidade, menos
convencional.... No meu caso, é fundamental ter ouvido sensível à música e se
permitir certa liberdade de movimentos... Causam-me preguiça as pessoas que se
identificam como artistas, como se fossem eleitas... Pensamento do
bailarino e coreógrafo Rodrigo Pederneiras.
ALGUÉM
DISSE MAIS: Quando o rio é lento e se conta com uma boa bicicleta
ou um cavalo, aí sim é possível banhar-se duas vezes (e até três,
dependendo das necessidades higiênicas de cada um) no mesmo rio...
Pensamento do escritor hondurenho Augusto
Monterroso (1921-2003). Veja mais aqui e aqui.
LITERATURA
NAZISTA - [...] Sua cabeça ferve de projetos: quando
regressar a Buenos Aires, planeja fundar uma nova editora que traduzirá
pensadores e romancistas europeus, sonha em estudar arquitetura e
projetar grandes escolas que construirá nos territórios argentinos aonde
a civilização ainda não chegou, deseja criar uma fundação que leve o
nome de sua mãe para mocinhas de parcos recursos e inquietações artísticas.
Pouco a pouco, vai tomando forma em seu espírito um novo livro.
[...] Trecho sobre a vida de Edelmira Thompson de Mendiluce (Buenos
Aires, 1894 — Buenos Aires, 1993), extraído da obra La Literatura
Nazi en América (Biblioteca Nacional de Chile, 1996), do escritor chileno Roberto
Bolaño Ávalos (1953-2003). Veja mais aqui, aqui e aqui,
ICONOCLASTAS – [...] Segundo
Charles Carroll de Saint Louis, autor de O negro é uma besta (The Negro a Beast, 1900) e de Quem seduziu Eva? (The Tempter of Eve, 1902), o negro foi criado por Deus juntamente com os
animais com um único objetivo: que Adão e os seus descendentes não se
tornassem garçons, lavadores de pratos, engraxates, adeptos às latrinas
e fornecedores de serviços semelhantes no Jardim do Éden. Assim como os
outros mamíferos, o negro manifesta uma espécie de mente que se encontra entre
a do cão e a do macaco, mas é completamente desprovido de alma. A
serpente que seduziu Eva era, na realidade, a garçonete africana do
primeiro par humano. Caim, forçado pelo pai e pelas circunstâncias a se
casar com sua irmã, fugiu do incesto e preferiu casar-se com um desses
macacos ou com alguma das criadas de pele escura. Desse matrimônio
híbrido se originaram as várias raças da terra... [...].
Trecho extraído da obra La sinagoga de los iconoclastas (Anagrama, 1981), do escritor argentino Juan Rodolfo Wilcock (1919-1978),
apresentando uma galeria singular de retratos sobre a vida imaginária de trinta e seis
personagens, teóricos, utópicos, estudiosos, inventores, todos eles heróis
abnegados do absurdo, seres que, apoiados nos sólidos fundamentos da ciência ou
de alguma disciplina apresentada como rigorosa, ou, ao menos, movidos por uma
intuição inescapável, levam suas consequências até o fim e se encaminham com
calma e, talvez, com argumentos convincentes rumo à loucura, ou beirando a
genialidade. Essas vidas monstruosas, que a
história tenta em vão, por modéstia, esquecer, são resgatadas por um
enciclopedista que inexoravelmente registra, Plutarco dos incongruentes,
impassível como Buster Keaton, suas peculiaridades mais memoráveis.
LÍNGUA – 1- no
princípio \ toda língua é estrangeira\ acerca-se do seu corpo como de uma
cidade \ até tomá-lo\ fazê-lo chamar-se a si mesmo pelos nomes\ que lhe dá \pé
perna barriga dentes \ fazer a língua chamar-se língua \ chamar-se a si mesma
pelo nome dela \ língua \ acerca-se até domá-la\ para ensinar-lhe uma
coreografia sua \ que ela, língua, por sua vez \ ensina ao pensamento \ cantando\
estar na língua como numa \ casa louca \ que obriga ao abrigar\ ela pensa o seu
sexo\ ela pensa o seu \ coração \ abrindo-o \ ela é música\ e combate\ ela fala
na sua boca\ com a boca dos mortos\ ela é a eletricidade\ dos cadáveres\ daqueles
cuja boca ela encheu \ antes da terra \ ela cria raízes no seu corpo\ dela não
é possível se livrar \ você é livro \ dela \ e se aprende outra\ é contra ela \
contra sua memória\ excessiva \ e em viagem\ com ela\ que te cobra e cobre \ como
um mar – 2 - Ou é um dueto \ uma dança\ muito antiga\ dela você também
se acerca\ toma as palavras emprestadas\ e empresta-lhes também\ sua energia\ sua
coragem ou doçura\ e talvez seja mesmo possível\ descartá-la \dissolver-se num
mar que não o seu \ livrar-se dela \ trocá-la por outra \ mais nova ou versátil
\(meus únicos heróis \ são os tradutores) \ ou pouco importa a língua \mas
o dizer as coisas \ que ao serem ditas \ extinguem-se\ mas com que fulgor\ (escrever
poemas: \ não se contentar com as línguas que se sabe \ nem mesmo com as
línguas que há) \ as línguas são meios \ de viagem, são meios\ de
transporte as palavras:\ carrega consigo o camelo o arranha-céu\ a baleia\ não
só a baleia\ todas as baleias\ não só o amor\ todo o amor. Poemas da poeta Ana Martins Marques.