LAVRATURA – Eu lavrei a minha vida
com sangue e lágrima, luzes e trevas, sementes de nada e de tudo. E o insidioso
surpreendente mais acrescentou sangue e lágrima, luzes e trevas e muito mais
sementes de nada e de tudo. E o bom é surpreendente, tudo é surpreendente no
meu coração, Hy Breazil. Eu lavrei como quem planta chuvas no coração e recolhe
terras secas da carne de guerra no meio das decepções. Eu lavrei o meu canto
entre acenos de adeus e recepções no meio do meu momento futuro em plena
pretérita agonia. E restou tudo e nada. E eu fiquei ruminando nas pedrarias de
Pirangi onde as águas borbulham nos meus olhos e fazem a correnteza braba que
deságua de mim no incerto preciso. Eu lavrei o meu poema no quebrar da barra
quando eu varria os sonhos que as borboletas levavam do meu coração incerto. E
quadro cruzaram o arco-íris trouxeram meus sonhos com as tormentas da vida
queimando meus pés na hora chegada em Pirangi. Eu lavrei o meu canto e o meu
poema no aceno dos rostos presos na tarde da província onde a noite é
insidiosa, as pessoas são insidiosas, tudo é insidioso e a pressão da vida é
imperativa nas mortes que desabam para não fornecer vantagem para quem fala na
calada da noite queimando o pavio da esperança. Eu lavrei o meu canto e o meu
poema queimando o pavio da esperança quando eu perdia os sentidos no meio dos
diálogos sombrios com as minhas estrelas que quedavam muitas na minha cabeça
pela estrada de volta. Eu lavrei o meu canto no poema que se estirou na estrada
do canavial onde eu estava perdido no meu coração, Hy Breazil, e planalto
central dos anhangás vociferavam a morte de sempre nas palavras suaves que não
são a tônica para quem vagueia errante. Eu lavrei o meu canto no poema do
silêncio de armas, o silêncio de vida, o silêncio capaz de revolver luzes
porque não conhece a primavera na confusão de inverno e verão quando maio é uma
estrada empoeirada com os filhos do barro são incólumes escravos que não sabem
o calor das pedrarias solidárias na fineza de Pirangi. Eu lavrei o meu canto
que caiu no chão como um poema de chaga aberta no meio do esconjuro que o vento
soprou no suor do meu dedo sem direção. E no meu canto o poema exorcizou a
América do meu peito e conheci a direção de nada porque os sonhos de Bolívar
estavam na América do Soul dessas paragens que são a viela da América do Sul
que sou. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
A arte
do pintor italiano Mino Maccari (1898–1989). Veja mais abaixo.
DITOS & DESDITOS - O desejo de ser outro, diferente daquilo que
somos: não pode arder um desejo mais doloroso no coração humano. Pensamento
do escritor e jornalista húngaro Sándor Márai (1900-1989). Veja mais
aqui.
ALGUÉM FALOU: O amor que desabrocha tão rapidamente
esvai-se com a mesma rapidez. Pensamento do escritor turco e Prêmio Nobel
de 2006, Orhan Pamuk. Veja mais aqui.
AS DORES DO MARXOFEMINISMO – [...]
O sujeito moderno,
como é sabido, está tão morto pelo menos como Deus, mas ainda parece viver uma
existência zombie, tão irreal
como triste e mecânica. Pois afinal também ele faz parte, naturalmente, da
constituição vudu da sociedade fetichista ocidental e da sua razão iluminista.
E em lado nenhum esse carácter patético do sujeito ilusório há muito falecido
parece tornar-se mais evidente do que no debate de gênero. [...] A
libertação sexual apenas se tornou um peep
show ou um nudismo inibido na televisão familiar; a pseudo-emancipação
capitalista acabou por nos trazer a empresária ou a juíza de comarca em minissaia
e meias de rede. O debate feminista sobre "igualdade" e "diferença"
move-se neste círculo vicioso do mecanismo de dissociação e, portanto, da
lógica da mercadoria. A "igualdade" é precariamente realizada nas
formas de subjetividade feminina do mercado, e ao mesmo tempo desmente-se
precisamente nesta "instrução para a produção feminina de signos no meio
que é a corporeidade". Inversamente, a "diferença"
fetichistamente constituída e assim socializada, que aparece no mesmo
"meio", não pode constituir uma alavanca para a sua superação [...]
não só os homens, mas também as mulheres
se transformaram em pós-modernos cadáveres de autovalorização, hedonistas e
pseudo-soberanos, em cujos contorcidos sorrisos urbanos permanentes já não se
encaixa nenhuma crítica da sociedade das mercadorias. É claro que daqui ninguém
vai sair de maneira tão barata). Não se pode voltar à comunidade pré-moderna de
homens e mulheres, à produção social da cultura agrária do quotidiano [...].
Trechos de Fetichismo Sexual: Notas sobre a lógica de feminilidade e masculinidade (Krisis, 1992), do
filósofo alemão Robert Kurz (1943-2012). Veja mais aqui.
2666 – [...] Fizeram
amor no quarto de Ansky e quem os houvesse visto teria dito que fodiam como se
dali a umas horas fossem morrer. Na realidade, Nádia Yurenieva fodia como fazia
grande parte das moscovitas durante aquele ano de 1936, e Boris Ansky fodia
como se de repente, e já perdia toda a esperança, houvesse encontrado seu único
e verdadeiro amor. Nenhum dos dois pensava (ou queria pensar) na morte, mas
ambos se mexiam, ou se trançavam, ou dialogavam, como se estivessem à beira do
abismo [...] As metáfora são a maneira
de nos perdermos nas aparências ou de ficarmos imóveis no mar das aparências.
Nesse sentido, uma metáfora é como um salva-vidas. E não se deve esquecer que
há salva-vidas que boiam e salva-vidas que vão direto para o fundo. É bom nunca
esquecer isso. [...] Tentou dizer
alguma coisa num par de ocasiões, mas não conseguiu, o silêncio dela, porém,
não era desagradável nem implicava rancor ou tristeza. Não era denso mas
transparente. Quase não ocupava espaço. Inclusive, pensou Espinoza, você
poderia se acostumar a esse silêncio e ser feliz. Mas ele não se acostumaria
nunca, isso ele também sabia. [...]. Trechos extraídos da obra 2666 (Companhia das Letras, 2010), do
escritor chileno Roberto Bolaño Ávalos (1953-2003).
CANTIGA
DO MUNDO - O vento
não nasce de nada. / Também ninguém sabe onde finda. / Cheguei com esse vento
na estrada. / E vou muito mais longe ainda. / Eu moro no meio da rua, / Do rio,
do mar e do mundo. / Se a brisa passar, ela é sua. / Se é o vento, eu mergulho
no fundo. / Pra mim não tem vento bravio / Que venha apagar minha brasa, / Pois
é com a corrente do rio / Que eu tranco o portão lá de casa. / Tem gente que
ouve o meu nome / Gravado em rajada de vento / Porque furacão e ciclone / Me
servem de cama e assento. / O vento que faz rodopio / Desata o cordão da
sacola. / E uso do seu assovio / A fim de afinar a viola. / Por isso é que eu
sou vagabundo. / E o vento que quer que eu prossiga. / Que eu faço a cantiga do
mundo / E o vento é que canta a cantiga. Poema do poeta, letrista
e compositor Paulo César Pinheiro. Veja mais aqui.
A arte
do pintor italiano Mino Maccari (1898–1989).
A MULHER NO
BRASIL IMPÉRIO - No Império, segundo Bauer (2001) se deu o cenário de profundas
mudanças econômicas, políticas e sociais, nas quais a situação social da mulher
praticamente manteve-se inalterada na sociedade brasileira durante todo
período. Para ele, “[...] operaram-se pequenas e pouco visíveis transformações.
Houve, inclusive, mulheres que destacaram-se e enfrentando toda sorte de
dificuldades, inscreveram o seu nome na história do país” (BAUER, 2001, p, 127).
É que o reafirma Teles (2003), ao considerar que nesta fase histórica, a
condição da mulher permaneceu imutável no seu papel de mãe, esposa e
dona-de-casa. Os centros de decisão política eram exclusivos dos homens. Mesmo
assim, houve mulheres que se destacaram, ao lado de escravos e intelectuais, em
lutas sangrentas pela Independência e pela abolição da escravatura. Foi no séc.
XIX que as mulheres começaram a reivindicar seu direito à educação. Isso porque
em 1827 só era admitido para as meninas a escola de 1º grau, proibida de níveis
mais altos. Estas meninas eram preparadas para trabalhos de agulha só podendo
aprender as 4 operações. As professoras ganhavam sempre menos. O ingresso da
primeira mulher no curso superior se deu em 1881, quando foi graduada doutora
em medicina Rita Lobato Velho Lopes, contrariamente a este evento, a mulher
competia o papel de dona-de-casa, esposa e mãe. Neste cenário é devido destacar
o papel da revolucionária brasileira Anita Garibaldi, que lutou na Guerra dos
Farrapos e tombou, ao lado do seu marido Giuseppe, combatendo pela Unificação
Italiana, transformando-se em heroína e glorificada naquele pais. É
considerável também destacar a figura de Nísia Floresta Brasileira Augusta que
defendia a abolição da escravatura ao lado de propostas como educação e a
emancipação da mulher, e instauração da República. Dedicou-se ao magistério,
publicou e traduziu livros, fundou um colégio para meninas no Rio de Janeiro,
mudou-se para Europa, tornando-se adepta e amiga de Auguste Comte. Merece também
registro neste período, segundo Teles (2003), o aparecimento do primeiro jornal
feminino no Brasil: foi o Jornal das Senhoras, lançado em 1852, editado pela
argentina Joana de Paulo Manso, em Santos. Depois outra publicação denominada Belo
Sexo, em 1862, editada por Julia Albuquerque Sandy Aguiar. Deu-se também o
surgimento da publicação O Sexo Feminino, dirigido por Francisca Senhorinha da
Motta Diniz, em Minas Gerais, em 1873, que era destacada lutadora pelo direito
ao voto e pela abolição da escravatura. Em 1889, Sexo Feminino vira Quinze
Novembro do Sexo Feminino. Veja mais aqui, aqui e aqui.







