VAMOS
APRUMAR A CONVERSA? - Eu
sonhava olhando pros trilhos do arruado de lá pertinho da usina que não era
sonhar enquanto espanto. Era ganido da vida, dos lêmures açucareiros e dos
vultos insones que o una bramia atrás da prefeitura. (eu não era Armstrong, mas
vivia na lua ou no jazz catando furo no meio do mundo). A gente cantava as
vidraças gratuitas do pequeno comércio no meio da feira com jeans e bugingangas
e balangandãs. Incerteza no bolso, mas candomblés cabarés e tino misturando besouros
e motos na Praça Maurity, onde ontem teve uma briga de galo sob um sol enorme.
E isso custa a sair da moldura da memória. Bora gente, bora, bora, vamolá. Bora
gente, bora, nosso mundo conquistar. A conquista era utópica não cabia no
verão. Estendia-se vida adentro, tinha ânimo de aguentar quantas peripécias
doidas a gente inventasse permitir depois de um arco-íris ou depois, bem
depois, infernalém. Além. Nessa alma toda dentro desse bailar de vida verde
inventei canções, cartões postais do universo mágico dos meus rios e seus
bicheiros, calungas e meretrizes, hierofantes, farrapos, feirantes, rabecas e
pastoris, num oxigênio pálido e clandestino, num resplandecer de vultos
viciados de vida e que as correntes geram e geram em vida breve pelos currais,
urgências, penitenciárias, nosocômios, cartórios e cemitérios para logo
incandescerem e assim pertencerem aos episódios do éter. Ainda escuto o barulho
do trovão. É provável que mais tarde ouça a efervescência radioativa de luniks,
sputinicks, progress life, napalms, tudo se rasgando apocalipse, gênesis e a
emancipação do homem e seus subterrâneos desvarios cravados nos mandamentos da
tábua da sorte, sei lá que mais etc e tal. E ouvindo o barulho do trovão, só –
a solidão é o hábito da noite – no meu mal secreto, “capaz de ouvir e entender
estrelas”, sonhei caindo nos olhos de Clarice na “via crucis da alma”, nos
“laços de família”. Foi aí que perguntou-me: “Onde estiveste esta noite?”. E eu
ouvi Clarice no meu silêncio inatingível. E ela me contou a “paixão segundo
gh”, “a hora da estrela” na nossa “felicidade clandestina”, no centro de nossa
“cidade sitiada”. E eu vivo voluntariamente nesta terra em que o sol jamais
reconhecerá o acaso. E o meu espólio é ter eternamente dores para ter palavras.
Ter palavras para acalentar as dores. Nas palavras eternamente a dor da
palavra. Na fúria dos anos. Na minha paixão whitemiana. A noite desabou. O dia
desabou. Acendi a vela e o vento baniu a luz. E Lennon dizia “Imagine”. E eu
nem imaginava nada porque havia uma bomba no telhado suspendendo os meus
sentidos que estavam entre os gatos na noite. E me diziam que o sonho havia
acabado que Lennon desiludido o sonho acabado e Lennon e o sonho e nem se
falava mais na Era de Aquário nem de paz e amor porque havia deflagrado uma
guerra na América Central e a paz estava comprometida, o amor comprometido e o
céu ainda estava quase azul. E havia uma provisão de sonhos na tiracolo. Mas
não é de sonhos que precisamos, é de punhos! Ponto final. (Poucas palavras e uma dor. Primeira Reunião: Bagaço, 1992). Veja
mais aqui e aqui.
Imagem: Vênus ao espelho (Vênus Rockeby, 1644-1648), do pintor e retratista do Barroco espanhol Diego Velázquez (1599-1660)
Curtindo o álbum Duetos x 16 (Atração/Brazilmusica, 2009), da cantora e compositora portuguesa Eugénia Melo e Castro.
A
DOMINAÇÃO MASCULINA – O
livro A dominação masculina (Bertrand
Brasil, 1999), do sociólogo francês Pierre
Bourdieu (1930-2002), aborda acerca da temática da dominação masculina
sobre o feminino, demonstrando que o fato marca presença no processo evolutivo
histórico do ser humano e exercida por meio de uma simbólica violência,
inconscientemente compartilhada entre o dominador e o dominado, na determinação
dos esquemas práticos do habitus. Da obra destaco o trecho: […] O efeito da dominação simbólica (seja ela de
etnia, de gênero, de cultura, de língua etc) se exerce não na lógica pura das
consciências cognoscentes, mas através dos esquemas de percepção, de avaliação
e de ação que são constitutivos dos ‘habitus’ e que fundamentam, aquém das
decisões da consciência e dos controles da vontade, uma relação de conhecimento
profundamente obscura a ela mesma. Assim a lógica paradoxal da dominação
masculina e da submissão feminina, que se pode dizer ser, ao mesmo tempo e sem
contradição, espontânea e extorquida, só pode ser compreendida se nos
mantivermos atentos aos efeitos duradouros que a ordem social exerce sobre as
mulheres (e os homens), ou seja, às disposições espontaneamente harmonizadas
com esta ordem que as impõem. […] É
na lógica da economia das trocas simbólicas – e, mais, precisamente, na
construção social das relações de parentesco e do casamento, em que se
determina às mulheres seu estatuto social de objetos de troca, definidos
segundo os interesses masculinos, e destinados assim a contribuir para a
reprodução do capital simbólico dos homens -, que reside a explicação do
primado concedido à masculinidade nas taxinomias culturais. O tabu do incesto,
em que Lévi-Strauss vê o ato fundador da sociedade, na medida em que implica o
imperativo de troca compreendido como igual comunicação entre os homens, é
correlativo da instituição da violência pela qual as mulheres são negadas como
sujeitos da troca e da aliança que se instauram através delas, mas reduzindo-as
à condição de objetos, ou melhor, de instrumentos simbólicos da política
masculina: destinadas a circular como signos fiduciários e a instituir assim
relações entre os homens, elas ficam reduzidas à condição de instrumentos de
produção ou de reprodução do capital simbólico e social. […] Veja mais
aqui.
TÔNIO
KROEGER – A novela Tônio Kroeger (1903), do escritor alemão
e Prêmio Nobel de Literatura de 1929, Thomas
Mann (1875-1955), narra a história de um homem dos seus dias de colegial
até a vida adulta, envolvido em conflitos interiores e sentimentos
conflitantes, até tornar-se um escritor famoso entendendo que para ser artista
tem que morrer para a vida cotidiana, um exilado da realidade. Da obra destaco
os seguintes trechos: [...] Aquele que
mais ama é o subjugado e tem que sofrer. Esta lição simples e dura sua alma de
catorze anos já recebera da vida [...] Havia
Madalena Vermehren, a filha do advogado Vermehrem, com a boca suave e grandes
olhos escuros, serenos, sonhadores. Caia muitas vezes durante a dança, mas
procurava-o quando era escolha de damas; sabia que ele fazia versos, pedira por
duas vezes que lhos mostrasse, e muitas vezes olhava-o de longe com a cabeça
inclinada. Mas de que lhe servia isso? Ele, ele amava Inge Holm, a loura e
alegre Inge, que por certo o desprezava por escrever coisas poéticas... Olhava
para ela, via seus olhos azuis e oblíquos cheios de felicidade e ironia, e uma
saudade invejosa, uma dor acre, oprimente, sabendo-se excluído e eternamente
estranho a ela, se aninhava no seu peito e ardia... [...] Ele evitava-a como podia e mesmo assim se
encontrava constantemente em sua proximidade: proibia os seus olhos de se
aproximarem dela e mesmo assim seu olhar constantemente caía sobre sua pessoa...
Agora ela se aproximava pela mão do ruivo Ferdinand Matthiessem, deslizando e
correndo [...] Ela se movimentava na
sua frente para lá e para cá, para frente e para trás, andando e girando; um
aroma, que vinha do seu cabelo ou da delicada fazenda branca de seus vestido,
tocava-o de vez em quando, e seus olhos se turvavam mais e mais. “Eu amo você,
querida, doce Inge”, dizia intimamente, e punha nestas palavras toda a dor que
sentia por ela estar tão zelosa e alegre em dançar e não lhe dar atenção. Um lindo
poema de Storm lhe ocorreu: “Queria dormir, mas você precisa dançar”. Era
atormentado pelo paradoxo humilhante que existia no fato de ter que dançar
quando amava... [...] Tonio Kroeger
contraiu-se dolorosamente com este pensamento. Sentir como forças maravilhosamente
tocantes e melancólicas se movem dentro de você e ao mesmo tempo saber que
aqueles por quem você sente atração as confrontam com alegre hostilidade. Mas,
apesar de estar isolado, excluído e sem esperanças em frente de uma persiana
fechada, e de, na sua mágoa, fazer como se pudesse olhar através delas, assim
mesmo era feliz. Pois naquela ocasião seu coração vivia. Quente e triste batia
por você, Inge Holm, e a alma dele envolvia sua loura, clara e travessa pequena
personalidade vulgar, em ditosa abnegação. [...] Veja mais aqui.
LE
CID – A tragicomédia em
cinco atos Le Cid (1636), do
dramaturgo do Neoclassicismo francês Pierre
Corneille (1606-1684) tem como referente El cantar de mio Cid e Las
mocedades del Cid, de Guillén de Castro, tratando da paixão do herói por uma
mulher, quando se vê numa situação inusitada para salvar sua honra ter de matar
seu futuro sogro num duelo. O seu grande amor torna-se então vingativa para
honrar o pai morto. A obra se configura na representação de um protótipo
ideológico: o homem em conflito entre o dever e a paixão, a honra e a aspiração
à gloria. Da obra destaco o trecho da Cena VIII do Ato Quinto: D. FERNANDO, INFANTA, D. DIOGO, D. ÁRIAS, D.
RODRIGO, D. AFONSO, D. SANCHO, XIMENA, LEONOR, ELVIRA. INFANTA As lágrimas
enxuga; recebe sem tristeza O caro vencedor das mãos da tua princesa. D.
RODRIGO E desculpai, Senhor, se o tendes por ofensa, Ver-me aos pés de Ximena
na vossa real presença. Não venho a que me façam boa a fatal promessa, De novo
oferecer venho a minha cabeça. Ximena, em meu abono valer nunca farei, Nem já
leis de combate, nem palavras de rei. Se inda a vingança justa reputas
imperfeita, Declara o que lhe falta, e serás satisfeita. Se queres que combata
com mil, e mil guerreiros, Que vá nos fins da terra plantar os meus loureiros; Xue
de Hércules se esqueçam trabalhos gloriosos, Que iguale, e exceda a fama dos
heróis fabulosos; Se a mancha do meu crime se pode assim lavar; Ousado
empreendo tudo, e tudo hei-de acabar. Porém se o teu rancor coa morte do
culpado, E não com outras vítimas, deve ser expiado, Não armes contra mim, cara
Ximena, não, Estranho braço; vinga-te, morra pela tua mão. Só ela tem direito
de vencer o invencível, As mais, que o tentarem, tentam o impossível. Mas com a
minha morte acabe a tua vingança: Bastar-me-á não ser-te de odiosa lembrança. E
já que ela conserva, Ximena, a tua glória, Conserva em recompensa minha triste
memória; E dize tal qual voz maviosa, e enternecida: Se ele me não amara, inda teria vida. XIMENA Levanta-te, senhor,
fingir é escusado: Para me desdizer, disse-vos demasiado. A virtude aborrece
quem o aborrecer; E quando pede um rei, é pouco obedecer. Não sou rebelde, não:
Rodrigo não é réu. Mas podem vossos olhos ver um tal himeneu? E quando me
obrigais, senhor, a tal fazer, Credes que vão de acordo a justiça, o poder, Dando
Ximena ao mundo o escândalo imortal De haver manchado as mãos no sangue
paternal? D. FERNANDO Costuma o tempo às vezes legitimar, Ximena, O que à
primeira vista se estranha, e se condena: Rodrigo te ganhou, e tu és de Rodrigo
Desde que triunfou do último inimigo: Mas sê-lo-ia el-rei também da tua glória,
Se lhe entregasse logo o prêmio da vitória. A posse deferida não vai contra
essa lei, Sem determinar tempo, tua mão lhe destinei. As armas é preciso que
ele de novo tome, Que nossos inimigos persiga, vença, e dome. Que atalhe os
mais desígnios, assim como atalhou Aquele com que o mouro nossas praias buscou.
Que vá levar às suas o terror, e a guerra; Queimar no porto as quilhas, e
assolar-lhe a terra. Do Cid ao nome invicto de medo tremerão, Senhor te
nomearão, seu rei te quererão. Conserva-te fiel sempre a Ximena bela: E volta,
se puderes, inda mais digno dela: E por teus grandes feitos faze de ti falar, De
sorte que ela faça glória de te esposar. D. RODRIGO Por possuir Ximena, por vos
servir, Senhor, Que deixarão de obrar meu braço, e meu valor! Se longe de seus
olhos me demora a vitória, O poder esperar me basta para glória. D. FERNANDO Em
teu valor confia, e na minha promessa, E na fé, que Ximena te guarda, e te
professa. E por salvar do pejo a melindrosa lei, Verás o que obra o tempo, o
teu nome, e o teu rei. Veja mais aqui.
SAGARANA – O drama Sagarana, o Duelo (1973), dirigido pelo cineasta Paulo Thiago Ferreira
Paes de Oliveira, baseado no conto O
duelo, do livro Sagarana, do
escritor, médico e diplomata João Guimarães Rosa (1908-1967), contando a
história do marido que flagra a sua mulher com o amante, um caçador de
cangaceiros. Tramando uma tocaia por vingança, ele acaba matando o homem
errado, dando inicio a uma caçada pelo sertão onde se trava uma luta entre o
forte e o fraco. O destaque da película é a consagrada e sempre maravilhosa
atriz Ítala Nandi. Veja mais aqui,
aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Todo dia é dia da memorável cantora, compositora e
atriz Maysa (1936-1977)
Veja mais sobre:
Tunga: toro imaginário no interior de uma
rocha, a poesia de
César Vallejo, a estética do teatro de Redondo Junior, João Pessoa, a arte de
Sônia Braga, a música de Ná Ozzetti & Os sapos da política de Edson Moura aqui.
E mais:
Vamos aprumar a conversa: segunda-feira, As conseqüências da modernidade de
Anthony Giddens, Fedra de s Jean Racine, o cinema de Arnaldo Jabor & Sônia
Braga, a literatura de Marguerite de Yourcenar, a música de Robert Schumann, a pintura de Francisco Ribalta &
a arte de Ary Spoelstra aqui.
A personologia de Henry Murray aqui.
Literatura de cordel: A quadrilha junina
de Francisco Diniz aqui.
Precisamos discutir sobre os próximos 20
anos, Vitórias e
derrota de Zygmunt Bauman, A humanidade do estranho diário de Carolina de
Jesus, o teatro de Tennessee William, o cinema de Jules
Dassin & Melina Mercouri, Brincarte & Literatura Infantil, A
vida íntima & privada de Fernanda Bruno, a coreografia de Janice Garrett
and Dancers Heidi Schweiker, a pintura de Alessandra Tomazi, a entrevista de
Rejane Souza, a arte de Arlinda Fernandes & Luciah
Lopez, a música de Irina Costa & Canção de quem ama além da conta aqui.
Aprendi a voar nas páginas de um livro, O homem e seus símbolos de Carl Gustav
Jung, O homem e a sociedade de Wilfred Ruprecht Bion, A atualidade de Georg
Simmel, a escultura de Wilhelm Lehmbruck, Assombrações de Eduardo Caballero
Calderón, o teatro de Oduvaldo Vianna Filho & Helena Varvaki, O direito de
viver e deixar viver, a fotografia de Rebeka Barbosa, a arte de Karen Robinson
& Luiz Paulo Baravelli, a música de Tarita de Souza, Tracey Emin & Samuel Szpigel, a entrevista de Katia Velo, Por mais que a gente
faça nunca será demais & Do que fui e o que não sou mais aqui.
Para viver o personagem do homem, Educação e escolarização de Ivan
Illich, Vínculo, afeto & apego de Edward John Bowlby, Platão, o teatro de
Nelson Rodrigues, a entrevista de Geraldo Azevedo, a pintura de Cândido
Portinari, a escultura de Georg Kolbe, o cinema de Shohei Imamura & Misa Shimizu, a música de Zap Mama & Marie Daulne,
a coreografia de Katherine Lawrence, a fotografia de Ryan
Galbrath & Mario Testino, Bastinha Job, A Notícia & Jamilton Barbosa Correia, a arte de Rachel Howard, Depois das eleições, De cara pro
futuro, levando tudo nos peitos, munheca em dia & pé na tábua & O que
deu, deu; o que não deu, só na outra aqui.
Quando o futuro chega ao presente, Escritos de Michel Philippot, A bússola
dobrada de Phillip Pullman, A física do horizonte de Gilles Cohen-Tannoudji, A
música de Antonín Dvořák & Alisa Weilerstein, a arte de Willow
Bader & Lorenzo Villa, a fotografia de Katyucia Melo & a poesia
de Bárbara Sanco aqui.
Mais que tudo o amor, Confesso que vivi de Pablo Neruda, o
pensamento de Pierre Gringore, O teatro e seu duplo de Antonin Artaud, a música
de Ana Rucner, a fotografia de Daniel Ilinca, a poesia de
Mariza Lourenço & a arte de Luciah Lopez aqui.
Fecamepa –
quando o Brasil dá uma demonstração de que deve mesmo ser levado a sério aqui.
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