sábado, junho 06, 2015

BORDIEU, MANN, MAYSA, CORNEILLE, EUGÉNIA, VELÁZQUEZ & SAGARANA.


VAMOS APRUMAR A CONVERSA? - Eu sonhava olhando pros trilhos do arruado de lá pertinho da usina que não era sonhar enquanto espanto. Era ganido da vida, dos lêmures açucareiros e dos vultos insones que o una bramia atrás da prefeitura. (eu não era Armstrong, mas vivia na lua ou no jazz catando furo no meio do mundo). A gente cantava as vidraças gratuitas do pequeno comércio no meio da feira com jeans e bugingangas e balangandãs. Incerteza no bolso, mas candomblés cabarés e tino misturando besouros e motos na Praça Maurity, onde ontem teve uma briga de galo sob um sol enorme. E isso custa a sair da moldura da memória. Bora gente, bora, bora, vamolá. Bora gente, bora, nosso mundo conquistar. A conquista era utópica não cabia no verão. Estendia-se vida adentro, tinha ânimo de aguentar quantas peripécias doidas a gente inventasse permitir depois de um arco-íris ou depois, bem depois, infernalém. Além. Nessa alma toda dentro desse bailar de vida verde inventei canções, cartões postais do universo mágico dos meus rios e seus bicheiros, calungas e meretrizes, hierofantes, farrapos, feirantes, rabecas e pastoris, num oxigênio pálido e clandestino, num resplandecer de vultos viciados de vida e que as correntes geram e geram em vida breve pelos currais, urgências, penitenciárias, nosocômios, cartórios e cemitérios para logo incandescerem e assim pertencerem aos episódios do éter. Ainda escuto o barulho do trovão. É provável que mais tarde ouça a efervescência radioativa de luniks, sputinicks, progress life, napalms, tudo se rasgando apocalipse, gênesis e a emancipação do homem e seus subterrâneos desvarios cravados nos mandamentos da tábua da sorte, sei lá que mais etc e tal. E ouvindo o barulho do trovão, só – a solidão é o hábito da noite – no meu mal secreto, “capaz de ouvir e entender estrelas”, sonhei caindo nos olhos de Clarice na “via crucis da alma”, nos “laços de família”. Foi aí que perguntou-me: “Onde estiveste esta noite?”. E eu ouvi Clarice no meu silêncio inatingível. E ela me contou a “paixão segundo gh”, “a hora da estrela” na nossa “felicidade clandestina”, no centro de nossa “cidade sitiada”. E eu vivo voluntariamente nesta terra em que o sol jamais reconhecerá o acaso. E o meu espólio é ter eternamente dores para ter palavras. Ter palavras para acalentar as dores. Nas palavras eternamente a dor da palavra. Na fúria dos anos. Na minha paixão whitemiana. A noite desabou. O dia desabou. Acendi a vela e o vento baniu a luz. E Lennon dizia “Imagine”. E eu nem imaginava nada porque havia uma bomba no telhado suspendendo os meus sentidos que estavam entre os gatos na noite. E me diziam que o sonho havia acabado que Lennon desiludido o sonho acabado e Lennon e o sonho e nem se falava mais na Era de Aquário nem de paz e amor porque havia deflagrado uma guerra na América Central e a paz estava comprometida, o amor comprometido e o céu ainda estava quase azul. E havia uma provisão de sonhos na tiracolo. Mas não é de sonhos que precisamos, é de punhos! Ponto final. (Poucas palavras e uma dor. Primeira Reunião: Bagaço, 1992). Veja mais aqui e aqui.

Imagem: Vênus ao espelho (Vênus Rockeby, 1644-1648), do pintor e retratista do Barroco espanhol Diego Velázquez (1599-1660)

Curtindo o álbum Duetos x 16 (Atração/Brazilmusica, 2009), da cantora e compositora portuguesa Eugénia Melo e Castro.

A DOMINAÇÃO MASCULINA – O livro A dominação masculina (Bertrand Brasil, 1999), do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), aborda acerca da temática da dominação masculina sobre o feminino, demonstrando que o fato marca presença no processo evolutivo histórico do ser humano e exercida por meio de uma simbólica violência, inconscientemente compartilhada entre o dominador e o dominado, na determinação dos esquemas práticos do habitus. Da obra destaco o trecho: […] O efeito da dominação simbólica (seja ela de etnia, de gênero, de cultura, de língua etc) se exerce não na lógica pura das consciências cognoscentes, mas através dos esquemas de percepção, de avaliação e de ação que são constitutivos dos ‘habitus’ e que fundamentam, aquém das decisões da consciência e dos controles da vontade, uma relação de conhecimento profundamente obscura a ela mesma. Assim a lógica paradoxal da dominação masculina e da submissão feminina, que se pode dizer ser, ao mesmo tempo e sem contradição, espontânea e extorquida, só pode ser compreendida se nos mantivermos atentos aos efeitos duradouros que a ordem social exerce sobre as mulheres (e os homens), ou seja, às disposições espontaneamente harmonizadas com esta ordem que as impõem. […] É na lógica da economia das trocas simbólicas – e, mais, precisamente, na construção social das relações de parentesco e do casamento, em que se determina às mulheres seu estatuto social de objetos de troca, definidos segundo os interesses masculinos, e destinados assim a contribuir para a reprodução do capital simbólico dos homens -, que reside a explicação do primado concedido à masculinidade nas taxinomias culturais. O tabu do incesto, em que Lévi-Strauss vê o ato fundador da sociedade, na medida em que implica o imperativo de troca compreendido como igual comunicação entre os homens, é correlativo da instituição da violência pela qual as mulheres são negadas como sujeitos da troca e da aliança que se instauram através delas, mas reduzindo-as à condição de objetos, ou melhor, de instrumentos simbólicos da política masculina: destinadas a circular como signos fiduciários e a instituir assim relações entre os homens, elas ficam reduzidas à condição de instrumentos de produção ou de reprodução do capital simbólico e social. […] Veja mais aqui.

TÔNIO KROEGER – A novela Tônio Kroeger (1903), do escritor alemão e Prêmio Nobel de Literatura de 1929, Thomas Mann (1875-1955), narra a história de um homem dos seus dias de colegial até a vida adulta, envolvido em conflitos interiores e sentimentos conflitantes, até tornar-se um escritor famoso entendendo que para ser artista tem que morrer para a vida cotidiana, um exilado da realidade. Da obra destaco os seguintes trechos: [...] Aquele que mais ama é o subjugado e tem que sofrer. Esta lição simples e dura sua alma de catorze anos já recebera da vida  [...] Havia Madalena Vermehren, a filha do advogado Vermehrem, com a boca suave e grandes olhos escuros, serenos, sonhadores. Caia muitas vezes durante a dança, mas procurava-o quando era escolha de damas; sabia que ele fazia versos, pedira por duas vezes que lhos mostrasse, e muitas vezes olhava-o de longe com a cabeça inclinada. Mas de que lhe servia isso? Ele, ele amava Inge Holm, a loura e alegre Inge, que por certo o desprezava por escrever coisas poéticas... Olhava para ela, via seus olhos azuis e oblíquos cheios de felicidade e ironia, e uma saudade invejosa, uma dor acre, oprimente, sabendo-se excluído e eternamente estranho a ela, se aninhava no seu peito e ardia... [...] Ele evitava-a como podia e mesmo assim se encontrava constantemente em sua proximidade: proibia os seus olhos de se aproximarem dela e mesmo assim seu olhar constantemente caía sobre sua pessoa... Agora ela se aproximava pela mão do ruivo Ferdinand Matthiessem, deslizando e correndo [...] Ela se movimentava na sua frente para lá e para cá, para frente e para trás, andando e girando; um aroma, que vinha do seu cabelo ou da delicada fazenda branca de seus vestido, tocava-o de vez em quando, e seus olhos se turvavam mais e mais. “Eu amo você, querida, doce Inge”, dizia intimamente, e punha nestas palavras toda a dor que sentia por ela estar tão zelosa e alegre em dançar e não lhe dar atenção. Um lindo poema de Storm lhe ocorreu: “Queria dormir, mas você precisa dançar”. Era atormentado pelo paradoxo humilhante que existia no fato de ter que dançar quando amava... [...] Tonio Kroeger contraiu-se dolorosamente com este pensamento. Sentir como forças maravilhosamente tocantes e melancólicas se movem dentro de você e ao mesmo tempo saber que aqueles por quem você sente atração as confrontam com alegre hostilidade. Mas, apesar de estar isolado, excluído e sem esperanças em frente de uma persiana fechada, e de, na sua mágoa, fazer como se pudesse olhar através delas, assim mesmo era feliz. Pois naquela ocasião seu coração vivia. Quente e triste batia por você, Inge Holm, e a alma dele envolvia sua loura, clara e travessa pequena personalidade vulgar, em ditosa abnegação. [...] Veja mais aqui.

LE CID – A tragicomédia em cinco atos Le Cid (1636), do dramaturgo do Neoclassicismo francês Pierre Corneille (1606-1684) tem como referente El cantar de mio Cid e Las mocedades del Cid, de Guillén de Castro, tratando da paixão do herói por uma mulher, quando se vê numa situação inusitada para salvar sua honra ter de matar seu futuro sogro num duelo. O seu grande amor torna-se então vingativa para honrar o pai morto. A obra se configura na representação de um protótipo ideológico: o homem em conflito entre o dever e a paixão, a honra e a aspiração à gloria. Da obra destaco o trecho da Cena VIII do Ato Quinto: D. FERNANDO, INFANTA, D. DIOGO, D. ÁRIAS, D. RODRIGO, D. AFONSO, D. SANCHO, XIMENA, LEONOR, ELVIRA. INFANTA As lágrimas enxuga; recebe sem tristeza O caro vencedor das mãos da tua princesa. D. RODRIGO E desculpai, Senhor, se o tendes por ofensa, Ver-me aos pés de Ximena na vossa real presença. Não venho a que me façam boa a fatal promessa, De novo oferecer venho a minha cabeça. Ximena, em meu abono valer nunca farei, Nem já leis de combate, nem palavras de rei. Se inda a vingança justa reputas imperfeita, Declara o que lhe falta, e serás satisfeita. Se queres que combata com mil, e mil guerreiros, Que vá nos fins da terra plantar os meus loureiros; Xue de Hércules se esqueçam trabalhos gloriosos, Que iguale, e exceda a fama dos heróis fabulosos; Se a mancha do meu crime se pode assim lavar; Ousado empreendo tudo, e tudo hei-de acabar. Porém se o teu rancor coa morte do culpado, E não com outras vítimas, deve ser expiado, Não armes contra mim, cara Ximena, não, Estranho braço; vinga-te, morra pela tua mão. Só ela tem direito de vencer o invencível, As mais, que o tentarem, tentam o impossível. Mas com a minha morte acabe a tua vingança: Bastar-me-á não ser-te de odiosa lembrança. E já que ela conserva, Ximena, a tua glória, Conserva em recompensa minha triste memória; E dize tal qual voz maviosa, e enternecida: Se ele me não amara, inda teria vida. XIMENA Levanta-te, senhor, fingir é escusado: Para me desdizer, disse-vos demasiado. A virtude aborrece quem o aborrecer; E quando pede um rei, é pouco obedecer. Não sou rebelde, não: Rodrigo não é réu. Mas podem vossos olhos ver um tal himeneu? E quando me obrigais, senhor, a tal fazer, Credes que vão de acordo a justiça, o poder, Dando Ximena ao mundo o escândalo imortal De haver manchado as mãos no sangue paternal? D. FERNANDO Costuma o tempo às vezes legitimar, Ximena, O que à primeira vista se estranha, e se condena: Rodrigo te ganhou, e tu és de Rodrigo Desde que triunfou do último inimigo: Mas sê-lo-ia el-rei também da tua glória, Se lhe entregasse logo o prêmio da vitória. A posse deferida não vai contra essa lei, Sem determinar tempo, tua mão lhe destinei. As armas é preciso que ele de novo tome, Que nossos inimigos persiga, vença, e dome. Que atalhe os mais desígnios, assim como atalhou Aquele com que o mouro nossas praias buscou. Que vá levar às suas o terror, e a guerra; Queimar no porto as quilhas, e assolar-lhe a terra. Do Cid ao nome invicto de medo tremerão, Senhor te nomearão, seu rei te quererão. Conserva-te fiel sempre a Ximena bela: E volta, se puderes, inda mais digno dela: E por teus grandes feitos faze de ti falar, De sorte que ela faça glória de te esposar. D. RODRIGO Por possuir Ximena, por vos servir, Senhor, Que deixarão de obrar meu braço, e meu valor! Se longe de seus olhos me demora a vitória, O poder esperar me basta para glória. D. FERNANDO Em teu valor confia, e na minha promessa, E na fé, que Ximena te guarda, e te professa. E por salvar do pejo a melindrosa lei, Verás o que obra o tempo, o teu nome, e o teu rei. Veja mais aqui.

SAGARANA – O drama Sagarana, o Duelo (1973), dirigido pelo cineasta Paulo Thiago Ferreira Paes de Oliveira, baseado no conto O duelo, do livro Sagarana, do escritor, médico e diplomata João Guimarães Rosa (1908-1967), contando a história do marido que flagra a sua mulher com o amante, um caçador de cangaceiros. Tramando uma tocaia por vingança, ele acaba matando o homem errado, dando inicio a uma caçada pelo sertão onde se trava uma luta entre o forte e o fraco. O destaque da película é a consagrada e sempre maravilhosa atriz Ítala Nandi. Veja mais aqui, aqui e aqui.

IMAGEM DO DIA
Todo dia é dia da memorável cantora, compositora e atriz Maysa (1936-1977)


Veja mais sobre:
Tunga: toro imaginário no interior de uma rocha, a poesia de César Vallejo, a estética do teatro de Redondo Junior, João Pessoa, a arte de Sônia Braga, a música de Ná Ozzetti & Os sapos da política de Edson Moura aqui.

E mais:
Vamos aprumar a conversa: segunda-feira, As conseqüências da modernidade de Anthony Giddens, Fedra de s Jean Racine, o cinema de Arnaldo Jabor & Sônia Braga, a literatura de Marguerite de Yourcenar, a música de Robert Schumann, a pintura de Francisco Ribalta & a arte de Ary Spoelstra aqui.
A personologia de Henry Murray aqui.
Literatura de cordel: A quadrilha junina de Francisco Diniz aqui.
Precisamos discutir sobre os próximos 20 anos, Vitórias e derrota de Zygmunt Bauman, A humanidade do estranho diário de Carolina de Jesus, o teatro de Tennessee William, o cinema de Jules Dassin & Melina Mercouri, Brincarte & Literatura Infantil, A vida íntima & privada de Fernanda Bruno, a coreografia de Janice Garrett and Dancers Heidi Schweiker, a pintura de Alessandra Tomazi, a entrevista de Rejane Souza, a arte de Arlinda Fernandes & Luciah Lopez, a música de Irina Costa & Canção de quem ama além da conta aqui.
Aprendi a voar nas páginas de um livro, O homem e seus símbolos de Carl Gustav Jung, O homem e a sociedade de Wilfred Ruprecht Bion, A atualidade de Georg Simmel, a escultura de Wilhelm Lehmbruck, Assombrações de Eduardo Caballero Calderón, o teatro de Oduvaldo Vianna Filho & Helena Varvaki, O direito de viver e deixar viver, a fotografia de Rebeka Barbosa, a arte de Karen Robinson & Luiz Paulo Baravelli, a música de Tarita de Souza, Tracey Emin & Samuel Szpigel, a entrevista de Katia Velo, Por mais que a gente faça nunca será demais & Do que fui e o que não sou mais aqui.
Para viver o personagem do homem, Educação e escolarização de Ivan Illich, Vínculo, afeto & apego de Edward John Bowlby, Platão, o teatro de Nelson Rodrigues, a entrevista de Geraldo Azevedo, a pintura de Cândido Portinari, a escultura de Georg Kolbe, o cinema de Shohei Imamura & Misa Shimizu, a música de Zap Mama & Marie Daulne, a coreografia de Katherine Lawrence, a fotografia de Ryan Galbrath & Mario Testino, Bastinha Job, A Notícia & Jamilton Barbosa Correia, a arte de Rachel Howard, Depois das eleições, De cara pro futuro, levando tudo nos peitos, munheca em dia & pé na tábua & O que deu, deu; o que não deu, só na outra aqui.
Quando o futuro chega ao presente, Escritos de Michel Philippot, A bússola dobrada de Phillip Pullman, A física do horizonte de Gilles Cohen-Tannoudji, A música de Antonín Dvořák & Alisa Weilerstein, a arte de Willow Bader & Lorenzo Villa, a fotografia de Katyucia Melo & a poesia de Bárbara Sanco aqui.
Mais que tudo o amor, Confesso que vivi de Pablo Neruda, o pensamento de Pierre Gringore, O teatro e seu duplo de Antonin Artaud, a música de Ana Rucner, a fotografia de Daniel Ilinca, a poesia de Mariza Lourenço & a arte de Luciah Lopez aqui.
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PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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