DE COISAS &
BLÁBLÁBLÁ – UMA: O QUE É DE CHUVA NUM DIA DE
SOL – Já fui menino de chapinhar em poça de lama, pisunhar descalço pelos
escorregadios e sair no meladeiro. O tempo passa e a gente muda de gênio. A minha
herança indígena fala mais alto: respeito às coisas da terra e do céu. Dia
chuvoso sou da quietude, aconchego do lar. O inverno me deixa mais contido. Mas
sou tal e qual a ativista espanhola Elena
Huelva (2002-2023): Meus
desejos vencem... Sua vontade de fazer as coisas tem que ser maior que o seu
medo. Você tem que viver, e viver no presente, você tem que aproveitar... E
aproveito dias de sol, esgueirando pelo mundo; dias de chuva, agarro um livro e
faço outras viagens. Vamos nessa! DUAS: DO PÉ NA
ESTRADA PELA VIDA – Já fiz de tudo, teimei que só. Quando quebrei a cara, não
deu outra: rabinho entre as pernas e recomeçar outra vez. Muito aprendi relando
a venta no chão. Mas guardei as lições, como a do poeta, ator e vocalista
alemão, Till
Lindemann: Você é o que você come!Deus sabe que não quero ser anjo
algum! Perigoso é aquele que conhece a dor do fogo que queima a alma, perigosa
é a criança consumida pela chama do fogo que da vida separa um grito ardente!...
(Veja mais dele aqui). Hoje não marco bobeira, parto pra outra ligado em todas
possibilidades e suas adversidades. TRÊS: ARTE E
TRAQUINAGEM: Quando pinta um verso me aposso logo do violão para ver se dá canção.
Rascunho e dedilho, os garranchos vão tomando forma e nem sempre sai o
esperado. Às vezes toma caminhos outros, melhor preparação. Não dou por
vencido, a gaveta é como a memória, fica para depois. Aí ouço o escritor
estadunidense Max Eastman
(1883-1969): A função
do artista é conceder a consciência. Um sorriso é a recepção universal... Vou
nessa: há sempre um momento propício & vamos aprumar a conversa!
DITOS &
DESDITOS - O cérebro que recebe carinho funciona melhor.
Pensamento da neurocientista e professora Suzana Herculano-Houzel, que também, expressa que: Decisões inteligentes são aquelas que ao
contrário de fechar portas mantém portas abertas para outras decisões no
futuro. Animais inteligentes são aqueles capazes de formular mentalmente
estados futuros possíveis e então decidir pelo caminho que mantém mais opções
abertas. Um hipocampo que permite usar memórias recentes para projetar estados
futuros é fundamental para a inteligência além do mais óbvio, algo que atue
como córtex pré-frontal que represente objetivos e selecione entre
alternativas. Se decisões inteligentes são aquelas que maximizam alternativas é
inevitável pensar então no que é ciência inteligente: não aquela que resolve
detalhes e fecha portas, mas a que abre novas questões e possibilidades.
Ela é autora dos livros O Cérebro Nosso
de Cada Dia (Vieira & Lent, 2002), Sexo,
Drogas, Rock and Roll... & Chocolate (Vieira & Lent, 2003), O Cérebro em Transformação (Objetiva,
2005), Por que o Bocejo É Contagioso?
(Jorge Zahar Editor, 2007), Fique de Bem
com seu Cérebro (Sextante, 2007) e Pílulas
de Neurociência para uma Vida Melhor (Sextante, 2009). Veja mais aqui e
aqui.
ALGUÉM FALOU: As piadas
são como a vida. Coisas que começam mal, terminam mal. Tudo está bem na metade,
é com o fim que você deve se preocupar. Pensamento do escritor e roteirista húngaro
László Krasznahorkai.
A
VISITA DO ESQUADRÃO - [...] Redenção, transformação - Deus, como ela
queria essas coisas. Todos os dias, todos os minutos. Todo mundo não? [...] Seu
único pensamento era fugir, como se estivesse carregando uma granada viva de
dentro de casa, para que quando ela explodisse, destruísse apenas ela mesma. [...] Eu
penso, o mundo é realmente enorme. Essa é a parte que ninguém pode realmente
explicar. [...] Existem tantas maneiras de dar errado. Tudo o
que temos são metáforas, e elas nunca estão exatamente certas. Você nunca pode
apenas dizer. O. Coisa. [...].
Trechos extraídos da obra A Visit from the
Goon Squad (Anchor, 2011), da escritora
estadunidense Jennifer Egan. Veja mais aqui e aqui.
DOIS POEMAS - UMA
VIDA: Que as estrelas são inflexíveis \ todo mundo entende— \ mas não desisto
de buscar alegria em cada onda azul \ ou paz abaixo de cada pedra cinza. \ Se a
felicidade nunca chega, o que é uma vida? \ Um lírio murcha na areia \ e se sua
natureza falhou? A maré \ lava a praia à noite. \ O que a mosca está procurando
na teia de aranha? \ O que uma mosca faz com suas horas? \ (Duas asas dobradas
sobre um corpo oco.) \ O preto nunca se tornará branco— \mas o perfume da nossa
luta persiste \ como cada manhã flores frescas \ brotar do inferno. \ O dia
chegará \ quando a terra se esvaziar, os céus desabarão \ e tudo continua— \ quando
nada resta além da mosca do dia \ dobrado em uma folha. \ Mas ninguém sabe
disso. AGORA É OUTONO: quando todos os pássaros dourados \ voe para casa
através das águas profundas e azuis; \ Na praia eu sento extasiado em sua
dispersão \ purpurina; \ a partida sussurra por entre as árvores. \ Esta
despedida é vasta e a separação aproxima-se, \ mas a reunião, isso também é
certo. \Com a cabeça apoiada no braço, adormeço com facilidade. \ Em meus olhos
a respiração de uma mãe, \ da sua boca para o meu coração: \ durma, criança, e
sonhe agora que o sol se foi. Poemas da
escritora finlandesa Edith Södergran (1892-1923).
JOAN NIEUHOF: MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL – O livro “Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil”, de Joan Nieuhof (1618-1672), escrito em 1682, traduzido por Moacir Vasconcelos e com notas de José Honório Rodrigues, traz descrições do Brasil holandês, com ilustrações, mapas, fauna, flora e registros que são de suma importância para o estudioso brasileiro. Veja mais aqui.
FONTE:
NIEUHOF, Joan. Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil. São Paulo: Livrara Martins, 1942.
PERNAMBICO NOS
SÉCULOS XVI & XVII - “(...) Diga apenas que Mauricio de Nassau
introduziu a cultura do fumo, da mandioca e de outras plantas que não adianta
citar porque eles não conhecem. Diga que há algo mais do que cana para se
colher. Escrivão! Diga à Companhia das Índias Ocidentais que a monocultura é um
atraso de vida” (Maurício de Nassau, da peça teatral Calabar: o Elogio da Traição, de Chico Buarque e Ruy Guerra). O
cenário do séc. XVI é visto a partir do achamento e invasão dos portugueses das
terras brasileiras. Assumiram a colônia, escravizaram os índios e negros para o
cultivo da cana-de-açúcar até desembocar na guerra com os nativos e as fugas
dos africanos que fugiam das pesadas tormentas e durezas da imposição lusitana.
Nesse ínterim, todo território brasileiro era molestado por invasores europeus,
desde os franceses, ingleses e espanhóis, como também os holandeses que já se
insinuavam pelas correntes atlânticas. Por outro, outras ocorrências desembocam
nas brigas por poder e corrupções que envolvem o bispo Sardinha e o governador
geral, Duarte da Costa, resultando em conflitos que sacodem Salvador, findando
com a morte do religioso após um naufrágio pouco explicado e culpando os índios
num incidente que deixam dúvidas e levam a se insinuar de que, na verdade, os
caetés foram vítimas da exterminação portuguesa pelo fato. Neste período o predomínio
da cana-de-açúcar cada vez mais chama atenção. E em Alagoas, conforme Suruagy e
Wanderley Filho (2000, p. 17), a realidade é vista como sendo: A cana de açúcar
foi a grande responsável pela viabilidade econômica da colônia (...). As
grandes propriedades, a monocultura e a produção gerada para o mercado externo
requeriam muitos trabalhadores para atender à escala exigida pela expressiva
demanda. (...) A solução inicial foi apresamento dos indígenas e a sua utilização
no trabalho escravo. E, nesta direção, se expressa Lira (2007, p. 1), que (...)
as sesmarias doadas aos futuros senhores de engenhos localizavam-se nas
melhores terras. Favorecida por solos de massapé, várzeas, encostas e rios
todos caudalosos e navegáveis, a atividade açucareira encontrou, nessa
província, condições excelentes para a implantação e expansão dos engenhos de
açúcar. Segue a observação feita por Diegues Júnior, conforme Azevedo (2004, p.
29) ao entender que: É no desenvolvimento da agricultura da cana de açúcar que
se assenta a organização de cada um desses núcleos fundamentais do povoamento
das Alagoas. É através da economia açucareira que se expande a colonização do
território alagoano. Na visão de Lindoso (2000, p. 43), se efetivou a
ocorrência de dois modelos de colonização na história regional, quais sejam: (...)
Criaram-se no território hoje de Alagoas dois processos históricos de
colonização: um baseado nos pastoreios e na ausência de escravidão, o
penedense; outro baseado na plantation
açucareira, com a presença da escravidão negro-africana, o porto-calvense. Um,
o penedense, com traços democráticos em sua organização social de fraca
estruturação; outro, o porto-calvense, com forte e perversa estruturação social
com a ausência de elementos democráticos. O boi sendo um elemento de democracia
pastoril. A cana de açúcar sendo um elemento de autoritarismo agrário. Com
isso, o autor em suas análises, tem contribuído significativamente, como
poucos, para a compreensão da realidade local e induzem, entretanto, a uma
breve reflexão sobre alguns aspectos importantes da origem alagoana. É nessa
direção que Almeida (1999, p. 30) avalia a realidade alagoana no séc. XVI: A
monocultura da cana-de-açúcar voltada para a exportação causava problemas para
a população, que se ressentia da escassez de outros gêneros agrícolas, pois as
roças de subsistência eram pequenas e, conseqüentemente, insuficiente para
atender as necessidades da Colônia. E mais adiante, ela explicita: As bases da
economia implantada em Alagoas vão ser o trabalho escravo e o latifúndio, e
essas bases naturais é que vão definir ou expressar o tipo de organização social,
a cultura e a ideologia que, por muito tempo, justificarão o modo de agir, de
se relacionar socialmente, de pensar e de se fazer política em Alagoas. O
latifúndio, o engenho, além de darem riqueza, asseguram poder e prestígio ao
seu proprietário, senhor de engenhos e de escravos (ALMEIDA, 1999, p. 33). Tal
condição levou Tenório (2006) a expressar que: (...) Até parece ao observador
incauto que nada mais brota da terra e pergunta-se o porquê da preferência
quase absoluta. Essa mesma interrogação foi feita quatro séculos atrás, pelos
louros neerlandeses invasores, como Gaspar Barléus, encantado com o território
que denominou ´os mais férteis campos do Brasil`. Seria uma espécie de sina, um
fadário lançado por Tupã ou Rudá, contra os importunos colonizadores que
invadiram as matas úmidas, cheias de terra massapé, para instalar uma ordem
nova, onde eles não seriam invocados. E os usurpadores não se contentaram
apenas com os vales úmidos e as matas do tombo real, chegaram também aos
tabuleiros, tidos como terra ruim, onde só a mangaba, o ouricuri e araçá eram
apreciados. (...) Plantações que tomaram o lugar de outro verde, o da Mata
Atlântica, abatida pelos colonizadores pioneiros, desbravadores de terras que
chegaram aqui trazidos pelas caravelas do almirante Cabral. Desbravadores que
se tornaram senhores de engenho. (...) Deixaram também uma alta conta social a
pagar pela falta de diversificação econômica e baixíssimo grau dos indicadores
de desenvolvimento humano. Com esta realidade, Alagoas atravessa os séculos XVI
e XVII, quando neste último, duas ocorrências influenciam diretamente a vida
alagoana: a invasão holandesa e os quilombos dos Palmares. Com o êxito da
empreitada açucarocrata, os holandeses, a exemplo do que observou Nieuhof
(1942) de que aqui era “(...) uma região
magnificamente prendada pela natureza, para a produção de tudo quanto se
encontra nas Índias Ocidentais, em climas iguais ou afins, à exceção do ouro e
prata”, adiantando mais que: “(...) Entretanto,
à parte esses metais preciosos, o açúcar apresenta-se, aí, como a principal
produção do país”. Por esta razão os batavos enfrentaram com seu aparato
naval a supremacia luso-galaica e se instalando em terras pernambucanas em
1630, na praia de Pau Amarelo. Seus propósitos eram a Holanda Nova ampliando os
projetos da Companhia das Índias Ocidentais, ocupando desde Sergipe-d´El-Rei, passando
por Alagoas, Pernambuco, Itamaracá – que pertencia à Goiana -, Paraíba, Potigí
– mais tarde Rio Grande do Norte -, e Siará – mais tarde Ceará. Os holandeses
obtiveram simpatias dos que se encontravam no Brasil, por várias razões, dentre
elas a promessa da liberdade de explorar a terra com impostos baratíssimos,
ofertas de compradores certos, direito de ir e vir e liberação religiosa. Tais
sinalizações se confrontavam com o ordenamento português totalmente carregado
de sedições, deserções, corrupções e traições, e que, via de regra, conforme
registrado por Barbalho (1982), espoliavam a indiada tratada como inferior,
prostituíam as mulheres, tomavam as terras, enfim, preados e reduzidos à
escravidão através das infames guerras justas, levando, por isso, todas as vítimas
a bandearem para as propostas flamengas que os tratavam como criaturas humanas
dignas de respeito e consideração, instruindo, dando-lhes assistência médica e
social, não escravizando nem jamais invadindo as suas aldeias e muito menos tomando
ou invadindo as suas terras. É preciso mencionar que os holandeses contaram com
o apoio do mulato ativo, sagaz e astuto, Domingos Fernandes Calabar, natural da
Paróquia de Porto Calvo, empreendedor e conhecedor das matas e terras, antes
colaborador da dominção lusitana que caiu na insatisfação pelo espezinhamento e
desconsideração do conde de Bagnuolo, que era o chefe das tropas mercenárias
napolitanas enviadas pelos espanhóis, fazendo com que este brasileiro aderisse
em 1632 às fileiras flamengas, sendo, portanto, acolhido por eles, proclamado e
apoiado, aceitando, apenas, conforme registros históricos fartos, apenas o
posto de major e exigindo informações acerca do futuro dos brasileiros depois
da contenda. Por esta sua opção fora acusado de traidor pelas hostes
hispano-portuguesas. Por esta razão foi Calabar perseguido, traído e entregue
ao inimigo Matias de Albuquerque, em 22 de julho de 1635, sendo executado
sumariamente em praça pública, enforcado e esquartejado como traidor da pátria.
Desse fato, contam que, de garroteado, seu corpo foi retalhado e seus restos
expostos à curiosidade pública, espetados em estacas. A respeito da conduta de
Calabar, ao contrário da pecha oficial de traidor, vários historiadores são
convergentes à idéia de que ele traiu o colonizador português e o espanhol pela
liberdade e pela pátria, nunca o Brasil. Há, inclusive, o registro que em
virtude disso, José Bonifácio de Andrade e Silva declarou a deserção de Calabar
como patriótica. Após tal incidente, dois anos depois chega ao Brasil o Conde holandês
Maurício de Nassau-Siegen, defendendo a luta de Calabar, a liberdade e
alardeando a diversidade na agricultura com um programa de desenvolvimento de
50 anos em 5. A gestão nassoviana, no entanto, durou até 1644, quando, então,
um Conselho Supremo iniciou uma administração extremamente severa, cobrando
dívidas e confiscando propriedades dos luso-brasileiros, pondo fim na
tolerância religiosa, dentre outras rígidas conduções, provocando tensões que
redundaram em constantes conspirações concorrendo para agravar a insatisfação
geral. A caçada aos devedores pelo Supremo Conselho, levou Joan Nieuhof a
relatar: “Depois quando já se tinha
sentença e mandado de execução contra os devedores, o difícil era descobrir
onde e como cumpri-lo, pois a maioria dos portugueses reclamava a proteção real”.
E a insatisfação foi desencadeando rebeliões que resultaram na Insurreição
Pernambucana, que teve início em 1645 e só findou com a derrota dos holandeses
em 1654, pela frente comandada pelo negro valente Henrique Dias, o índio servil
Felipe Camarão e toda a tropa de Mathias de Albuquerque, os lideres como André
Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira que foram acumulando vitórias como a
do monte das Tabocas, de 1645, bem como a primeira e segunda batalhas de
Guararapes, de 1648 e 1649, respectivamente, com devastações, prisões, delações
e envenenamento dos poços onde os batavos bebiam água. Enfim, em 1653,
finalmente, Portugal decidiu armar uma frota para lutar até a capitulação
holandesa da Campina da Taborda, que se dá exatamente em 26 de janeiro de 1654,
chegando à formalização diplomática da vitoriosa insurreição pernambucana,
ocorrida só em 1661, com a assinatura da Paz de Haia. E um detalhe: depois de
expulsos, os batavos restabeleceram as relações com Portugal e se estabeleceram
nas Antilhas provocando a decadência do açúcar, vez que passaram a produzir a
matéria-prima em situação mais competitiva. Acerca do Brasil Holandês, baseado em
narrativas e estudos de Nieuhof (1942), Dusen (1944), Altavila (1965), Azevedo
(2002), Costa (1981) e Silva (2003), dentre outros, deixa claro que os
holandeses mantinham interesse especial pelas terras alagoanas. É o que se
encontra nos estudos realizados por Silva (2003), notadamente no período
nassoviando, quando “(...) perceberam que
a região sul da Capitania de Pernambuco se prestava ao papel de celeiro e
apresentaram, em seus relatórios ao comando da WIC (Companhia das Índias
Ocidentais), propostas de repovoamento desse território, com incentivos à
produção diversificada”. Isto quer dizer que, segundo o autor mencionado,
no século XVII, antes e durante a ocupação holandesa, Alagoas era um celeiro de
vários produtos. Observa, ainda, o autor, que mesmo após a expulsão dos batavos
e com a opção voltada para a economia canavieira, impediu-se o desenvolvimento
diversificado da produção de alimentos, a ponto de, no final do século XIX e
início do XX, o Estado tornar-se um importador até mesmo de farinha de mandioca
e outros produtos agrícolas. A respeito disso, Sant´Anna (1970, p. 181) observa
que: Se existiu algum dia em Alagoas agricultura diversificada, foi em passado
remoto, quando no Distrito da Vila de Santa Maria Madalena da Lagoa Sul (...)
havia somente 5 ou 6 engenhos de fabricar açúcar, de pequeno porte, que nem
todos os anos safrejavam, ocupando-se os moradores daquelas paragens
principalmente em criar gado e plantar mandioca em Larga Escala, a ponto de A.
Verdonck, (...) informar que daquela região procedia a maior parte da farinha
exportada para Pernambuco. Entretanto (...) muitos outros gêneros alimentícios
cultivavam, plantando também o fumo e preparando considerável porção de peixe
seco, que toda é trazida para aqui (Recife) e prontamente vendida. Na mesma
época em Porto Calvo (...) plantavam fumo em grande quantidade. Mediante isso,
vê-se que a vocação alagoana não é a cana-de-açúcar que é responsável desde
essa época até os dias atuais pela miséria, pobreza e injustiça social. E, sim,
a diversidade. Além do mais, tal declaração leva a crer que Alagoas teve sempre
a imposição da monocultura da cana-de-açúcar, condicionante social, política e
econômica concentrada nas mãos de poucos senhores de engenho que faziam uso da
mão-de-obra escrava, proporcionando latifúndios e dependência. Nessa direção,
relata Diegues Júnior (2006, p. 101) que, em 1641, com Alagoas quase
completamente despovoada, Nassau tentou fazer da região a “(...) fonte de produção para Pernambuco, já
entregue à monocultura açucareira”. É evidente que ocorre a revolta dos
portugueses contra os holandeses, que segundo Nieuhof (1942, p. 326), se deve
aos fatos de que: (...) os motivos e as causas que moveram os residentes
portugueses a se levantarem contra os nossos e entrar novamente em guerra,m
diz-se que são vários: entre os quais aqueles que, geralmente, movem e incitam
povos dominados a apoderar-se de seus castelos e quartéis e a libertarem-se.
Acrescente-se a isso a diferença de religião, de língua e de costumes, que os
nossos quiseram introduzir, não obstante a sua fraqueza relativamente aos
portugueses. Nesta direção, Nieuhof (1942) oferece as razões porque o Brasil
não foi povoado pelos holandeses, elegendo, entre outras, a permissão por meio
de um pacto dos portugueses permanecerem na posse dos seus engenhos, os
engenhos de açúcar e fazendas confiscadas foram vendidas sem distinção e, além
disso, foram vendidas a preço alto para holandeses, bem como os produtos
explorados foram sobrecarregados por impostos e foros, preço elevado dos negros
escravos e, entre outros, nenhum auxilio destinado às pessoas livres. O
escritor Mário Sette, segundo Gama (2002), apelidou às lutas contra os
holandeses no Brasil de “Guerra dos Engenhos”. Depois da Restauração, a
atividade canavieira consolidou-se e os senhores de engenho fortaleceram-se na
Bacia. Os padres Jesuítas chegaram para a catequese dos escravos vindos da
África e dos índios. Outros estudos sobre a formação da sociedade alagoana,
principalmente a partir de Diégues Júnior (2006), procuram mostrar que há uma
vocação para o açúcar na terra alagoana. De fato, observa os estudos de Silva
(2003), indubitavelmente que a teia das relações sociais, políticas, culturais
e econômicas foi tecida a partir do núcleo central do engenho de açúcar. Embora
esta tenha sido uma característica de grande parte do Nordeste, parece que em
Alagoas foi mais forte e dominante. No entanto, constata-se que nos primeiros
tempos, pelo menos até a terceira década do século XVII, se delineava uma
situação diferente: o sul da Capitania de Pernambuco mostrava uma tendência
para se tornar uma fonte permanente de abastecimento, com o desenvolvimento de
uma economia diversificada. Tal panorama se evidenciava ao mesmo tempo em que
ocorriam os conflitos entre holandeses e português, sendo que um outro crescia
que era a formação dos Quilombos dos Palmares, determinando a influência negra
na formação brasileira e, conseqüentemente, alagoana. Convém dimensionar que quando
a cana-de-açúcar chegou, por volta de 1535, às terras brasileiras, o braço
escravo passou a ser mais que necessário. Primeiro o indígena e, depois, o
negro africano traficado. Dá-se, portanto, uma escravidão que vai durar mais de
400 anos na história brasileira. O
negro escravo que fora traficado sendo trazido à marra para o Brasil, segundo
as regulações das Ordenações Filipinas vigente, era tratado talqualmente bicho,
ou seja, um antropóide de cor, tido no mesmo capítulo destinado aos animais. E
sacudidos numa senzala amargavam a desgraça de adoçar o mundo. Era, segundo
vários relatos de historiadores e estudiosos, justamente essa desgraça que os
fraternizava para sublevar, causando a criação de quilombos. O nascimento dos
quilombos recebera uma significação para o rei de Portugal, conforme registrado,
“(...) toda habitação de negros fugidos
que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados
nem se achem pilões neles”. E, para o autor mencionado, a fuga era a única
forma de libertação e representava um perigo: a tentativa de aqui repetir a
façanha da ilha de São Tomé onde os negros revoltosos expulsaram os
portugueses. Com as fugas dos escravos nasce, então, Palmares, o mais
importante acontecimento do século XVII. Palmares era localizada numa imensa
selva entre o rio São Francisco e o Cabo de Santo Agostinho, abrigo para os
negros fugitivos, índios, mamelucos, mulatos e brancos, bem como fugitivos do
serviço militar, criminosos e todos os perseguidos e deserdados da sociedade
colonial. Este reduto resistiu a todas as expedições punitivas de 1630 até
1695. É neste período, conforme registrado por Freitas (2004) e Andrade (1965),
quando ocorre a maior revolta de escravos ocorrida no País, promovendo a
organização dos Quilombos dos Palmares, que representou, na verdade, uma
confederação de quilombos organizada sob a direção de Zumbi, o chefe guerreiro
dos escravos revoltosos. Segundo os
autores, Palmares chegou a ter população de 30 mil habitantes, distribuídos em
várias aldeias, onde plantavam milho, feijão, mandioca, batata-doce, banana e
cana-de-açúcar. Também criavam galinhas e suínos, conseguindo extrair um
excedente de sua produção, que era negociado nos povoados vizinhos. A fartura
de alimentos em Palmares foi um dos fatores fundamentais para a sua resistência
aos ataques dos militares e brancos em geral, durante 65 anos, quando foi
destruído em 1694. Sua destruição culmina com a fuga e morte, em 1695, de Zumbi,
acabando assim o sonho de liberdade daqueles ex-escravos, que só viriam a
conhecer a sua libertação oficial em 1888. As investidas contra os negros
rebelados findavam infrutíferas por várias razões, dentre elas, segundo Freitas
(1982), pelo fato de: “(...) em grande
parte motivada pela desbragada corrupção que lavrava nos altos escalões
administrativos da colônia. Governadores, magistrados, oficiais das câmaras e
outros funcionários se apropriavam regular e impunemente das rendas da coroa”.
E isto quer dizer que as ordens da coroa eram sempre acatadas, mas raramente
cumpridas. Os quilombos se multiplicavam e chegaram a 11 no Amazonas, 04 no
Maranhão, 09 em Minas Gerais, 11 em São Paulo, 12 na Bahia, 08 em Sergipe e 11
em Pernambuco, destes Palmares foi primeiro comandado por Ganga-Zumba que,
depois de um acordo com os portugueses, findou sitiado em Cucaú, Pernambuco, e,
depois, assassinado. Surge então Zumbi, o Espártaco Negro dos Palmares, nascido
no começo do ano de 1655, numa das inúmeras povoações palmarinas. Esse
guerreiro chegou a ponto de ter a patente de capitão reconhecida pelo rei D.
Pedro II, de Portugal, que perdoou “seus crimes” na tentativa de selar a paz.
Resultado: Zumbi não morreu como conta a lenda de um suicídio se jogando no
despenhadeiro. Na verdade, ele morreu atraiçoado no dia 20 de novembro de 1695,
pelo negro Antonio Soares, numa cilada armada pelos paulistas que transportaram
seu corpo para Porto Calvo, lavrando-se o auto de decapitação do negro Zumbi.
Ou como registra Rodrigues (2008, p. 63) “Foi
assassinado com quinze ferimentos de bala e muitos de lanças, vendo-se ainda
que o membro da virilidade do dito negro havia sido cortado e enfiado na boca,
também lhe faltando um olho, além de lhe cortarem a mão direita”. Segundo Freitas
(1982) e Andrade (1965), no século XVIII, grupos esparsos de escravos fugidos
continuavam homiziados na região palmarina em conflito com as autoridades coloniais.
E os conflitos explodem em todo território colonial até a exigência por força dos
acontecimentos internacionais da extinção do tráfico negreiro em 1850. O Estado
Negro de Palmares resistiu até o fim do séc. XVIII. Foram ao todo 35
expedições. Logo vieram leis, a exemplo da Lei do Ventre-livre, de 1871,
tornando livres os filhos dos escravos e, logo após, a lei dos Sexagenários de
1885 que contemplava os negros de mais de 65 anos. Por fim, a Lei Áurea de
1888, declara livre todos os escravos, sendo, pois, o Brasil o último país do
mundo a abolir a escravidão negra depois de quase 400 anos de regime escravista
e que: “A lição que fica dessas revoltas
todas é que se adoçava o mundo com o sangue da desgraça humana”. A respeito
de tais acontecimentos, comenta Moura (1983, p. 8): (...) Não foram os escravos
testemunhos mudos de uma história para a qual não existem senão como uma
espécie de instrumento passivo, como quer Fernando Henrique Cardoso (...)
Nestes esquemas o escravo é apresentado como simples componente passivo da
dinâmica histórica e social, isto para que se possa estabelecer um conceito de
estrutura sem contradições. Desta forma, chama atenção o autor para o fato de
que “(...) o negro, através das suas
lutas, conseguiu entrar na história ou ficou, por não obedecer ao sentido da
colonização, jogado nos socavões de uma não história”. Sobre isso, Freitas
(1982, p. 97) menciona de forma reiterada que: Enquanto houve escravidão no
Brasil, os escravos se revoltaram e marcaram a sua revolta em protestos
armados, cuja interação não encontra paralelo na historia de qualquer outro
país do Novo Mundo. Os antropólogos que, com Artur Ramos à frente, se
empenharam em valorizar e dignificar a contribuição negra no Brasil”. Em Alagoas,
segundo Almeida (2003, p. 11), a presença africana foi decisiva na formação do
seu povo: “(...) a dialetação de Alagoas
foi o quimbundo, tudo como uma língua dos negros do norte e do sul. (...) Mas a influência africana foi além da
linguagem. Alagoas ficou negra também em sua culinária. Na religião”. Merece,
também, menção os estudos realizados por Brandão (1935), Freitas (2004) e Araújo
(2006) a respeito da saga dos escravos no Brasil e em Alagoas, constituindo-se,
portanto, ao lado do branco e do índio, a matriz de formação da civilização
brasileira. Veja mais aqui, aqui e aqui.
REFERÊNCIA
ALMEIDA, Leda Maria. Ruptura e permanências em Alagoas.
Maceió: Catavento, 1999.
ALTAVILA, Jayme de. Notas sobre os holandeses no Brasil.
Maceió: Dep. Est. Cultura, 1965
ANDRADE, Manuel Correia. Usinas e destilarias das
Alagoas: uma contribuição ao estudo da produção do espaço. Maceió: EDUFAL,
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