quinta-feira, março 07, 2013

DEOLINDA ALMEIDA, LAXNESS, GORZ, MONTERROSO, SHIRLEY HAZZARD, DENMARK, INA GARDEN & XENÓFANES

 


PALAVRAS & VÍRGULAS – UMA: LIÇÃO SUPERCENTENÁRIA: Estava eu no meio das minhas leituras quando me deparei com uma revista aberta e lá constava uma matéria sobre a pediatra supercentenária estadunidense, Leila Denmark (1898-2012), que expressava: Qualquer coisa na terra que você queira fazer é jogar. Qualquer coisa na terra que você tem que fazer é trabalho. O jogo nunca vai te matar, o trabalho sim. Nunca trabalhei um dia na minha vida... Ôpa, lição valiosa essa. Principalmente porque vinha da única mulher a graduar-se na Escola Médica e, ao se casar, foi morar com o marido na ilha de Java, onde as esposas não eram permitidas. Entre as suas grandes façanhas está a desenvolver a vacina da tosse convulsa, afora ter dedicado à pediatria grande parte da sua vida nos mais diversos hospitais, até festejar sues longos 114 anos de idade. Vida longa e exemplar. DUAS: DO DESTINO & DA POESIA – Não foi à toa que, depois de ler grande parte da biografia da média, logo em seguida, me caiu às vistas as palavras do escritor e dramaturgo islandês, Halldór Laxness (1902-1998): A esperança e o destino são irmãos, e ambos repousam no mesmo coração... Pois o homem está essencialmente sozinho, e deve-se ter pena dele, amá-lo e sofrer com ele... Quem não vive na poesia não pode sobreviver aqui na terra... (Veja mais dele aqui e aqui). TRÊS: PRA QUÊ LEVAR TUDO TÃO A SÉRIO – Fiquei um tempo meditando a respeito, no meio da confusão dos pensamentos, eis que me surgem as palavras da escritorapresentadora estadunidense Ina Garden, que falava das suas proezas com receitas culinárias: Diversão é o mais importante. Se você fizer coisas por dinheiro, nunca funciona. Eu tenho hora para tudo. Eu sou um cientista no coração... De fato, fazer o que gosta é fundamental para não se martirizar na vida. E vamos aprumar a conversa!

 


DITOS & DESDITOS - A ideologia do trabalho e a ética do esforço tornam-se assim disfarces para o egoísmo e o carreirismo ultracompetitivos: os melhores triunfam, os outros só podem culpar a si próprios; o trabalho árduo deve ser incentivado e recompensado, o que significa que não devemos subsidiar os desempregados, os pobres e todos os outros 'preguiçosos'... Diante dessa sociedade que se tornou estranha a sí mesma, temos dois tipos de rebeliões em todos os países. Por um lado, as pessoas culturalmente equipadas para assumir sua autonomia, elas exigem do poder do estado e do dinheiro a criação de espaços de solidariedade autogerida, por outro lado, temos a reação regressiva daqueles que gostariam de reencontrar a segurança de uma ordem pré-moderna, estável, hierarquizada, fortemente integradora, na qual, desde o nascimento, cada um tem seu lugar garantido e determinado pelo fato de pertencer a sua nação ou raça... Pensamento do filósofo austro-francês André Gorz (1923-2007). Veja mais aqui.

 

ALGUÉM FALOU: O homem não está satisfeito em ser o animal mais estúpido da criação; Além disso, ele se permite o luxo de ser o único ridículo... Você sofre de uma das doenças mais normais da raça humana: a necessidade de se comunicar com seus semelhantes... Um leitor aborrecido é o fracasso do escritor... Pensamento recolhido das obras do escritor hondurenho Augusto Monterroso Bonilla (1921-2003). Veja mais aqui.

 

TRÂNSITO DE VÊNUS - [...] Quando você percebe que alguém está tentando te machucar, dói menos... A menos que você os ame. [...] Eu nunca tive, ou desejei, poder sobre você. Isso não é verdade, claro. Eu queria o maior poder de todos. mas não vantagem ou autoridade. [...] Mas, com uma nostalgia ininteligível de uma vida que ela nunca viveu, sabia que tudo teria sido sutil e profundamente diferente se seu marido a amasse muito. [...] Ela estava começando a olhar para homens e mulheres como companheiros de sobrevivência: bons dissimuladores de seus infortúnios, que, com poucos sinais de pesar, haviam contido, assimilado ou colocado em uso sua própria destruição. Daqueles que suportaram o pior, nem todos se comportaram de maneira nobre ou consistente. mas todos, involuntariamente, tornaram-se parte de alguma afirmação mais profunda da vida. [...] No outro extremo da sala, os três velhos discutiam enfermidades; trocando sintomas em voz baixa, como os meninos podem falar de luxúria. [...] Seus olhos estavam arregalados e desbotados com a descoberta do que, de comum acordo humano, é melhor não divulgar. [...] A doçura que todos ansiavam noite e dia. Alguma tragédia pode ser imaginada à toa - perda ou doença. Ela tinha a luminosidade de quem está prestes a morrer. [...]. Trechos extraídos da obra The Transit of Venus (Virago, 1995), da escritora australiana Shirley Hazzard (1931-2016), autora de frases lapidares como: Os seres humanos precisam de infelicidade pelo menos tanto quanto eles precisam de felicidade... A tragédia não é que o amor não dure. A tragédia é o amor que dura... Nada cria tal inverdade em você como o desejo de agradar... Para a maioria das pessoas é mais fácil apoiar uma pessoa eminente em desgraça merecida do que um obscuro que foi injustiçado...

 

DOIS POEMAS - A MAMÃ: África \ Mamã África\ Geraste-me no teu ventre\ nasci sob o tufão colonial\ chuchei teu leite de cor\ cresci\ atrofiada mas cresci\ juventude rápida\ como a estrela que corre\ quando morre o nganga.\ Hoje sou mulher\ não sei já se mulher se velhinha\ mas é a ti que venho\ África\ Mamã África.\ Tu que me geraste\ não me mates\ não praguejes um rebento teu,\ senão\ não tens futuro.\ Não sejas matricida\ Sou Angola, a tua Angola.\ Não te juntes ao opressor\ ao amigo do opressor\nem a teu filho bastardo.\Eles caçoam de ti.\ Caíste na ratoeira\ enganada\ não distingues o verdadeiro do falso\ no teu candidato e secular vigor\ cegaste,\ e agora és tu\ África\ Mamã África\ que dás força ao irmão bastardo\ para asfixiar-me\ azagaiar-me pelas costas.\ O opressor, o amigo do opressor \ o teu filho bastardo\ (também tu, Mamã África?)\divertir-se-ão\ \ao ouvir-me expirar. \Mas África\Mamã África\ P’lo amor de coerência\ Inda quero crer em ti. INQUIRINDO: Carrascos de upistas\ espia de tugas\ prostituta\ mulher metida em política\ aqui estou etiquetada disso\ inquirindo o fim deste pesadelo\ inquirindo\ cada vez que soa o passo bruto,\ ronca o jeep militar,\ a corneta toca formatura geral.\ Colam-me o guarda à porta.\ Será o pelotão do talho,\ a minha vez, a dele\ um camarada na margem direita\ o capitão conga vem levar-nos\ agora ou nunca?\ Aqui estou eu inquirindo\ sempre inquirindo\ Na ilha do inferno não há túnel.\Vietname acabou abuso yankee.\ Colômbia retomou caminho da dignidade.\ Outra mina rebentou em Pretória.\ Acima de tudo\ Ripanzu\(com Cienfuegos, Kamy e o outro)\avança.\ Consertando o estragado\ varrendo o colonialista\ edificando o lógico.\Brazza transmitiu a marcha do Kamy?\ Inquirindo\ inquirindo p’ra manter\ a luta constante\ entre o suicídio à espreita\ e este louco redemoinho\ até a manhã chegar,\ sair viva do campo da morte\ e poder ser útil\ na liberdade de escolha\ da responsabilidade a tomar\ a liberdade de ação\ para realizá-la. Poema da poeta e socióloga angolana Langidila -  Deolinda Rodrigues Francisco de Almeida (1939-1967), cognominada Mãe da Revolução e autora das obras como "Caxicane” (1956), "Luanda – Já não és a Luanda de então” (1956) e "Estrela de Belém” (1957), que foi capturada, torturada e executada pela União dos Povos de Angola (UPA), mais tarde denominada Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), no contexto da luta fratricida que opunha o MPLA à UPA/FNLA. Um documentário sobre a sua vida foi realizado em 2014 e seus poemas foram recolhidos da obra Antologia da poesia feminina dos PALOP - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – (Laiovento, 1998), organizada por Xosé Lois Garcia.

 



OS ELEATAS: XENÓFANES DE COLOFÃO – A filosofia eleática representa uma importação grega e precisamente jônica, para a Italia do sul. O fundador da assim chamada escola, do lugar onde ela floresceu, Eléia, é Xenofanes, nascido em Colofão, na Asia Menor, pelos anos 580-75 a.C. ele foi poeta, sábio e rapsodo, cantando seus poemas atra´vés da Grécia. Quando os persas avançaram vitoriosos para a Jonia, fugiu de sua terra natal em 546, e, apos longa peregrinação, estabeleceu-se em Eléia, colonia jonica da Magna Grecia, onde fundou sua escolacom mais de noventa anos. Ele expôs as suas concepções filosoficas em um poema doutrinal A natureza, de que restam fragmentos, onde ele expos idéias filosoficas, narrando fatos sobre a invasão dos medas e sobre sua vida pessoal. Além disso, deixou poemas satíricos, criticando, em nome das novas idéias filosoficas, a mentalidade vulgar, particularmente quanto à concepção do divino, criticando decididamente o politeismo e o antropomorfismo de Homero e Hesíodo – que nada mais representam que a concepção popular, vulgar da religião e do divino – sustenta que há uma unica substancia divida, eterna e imutável, tudo abraçando e governando com o pensamento. Vale dizer, lança as bases do monismo acósmico, a caracteristica dos eleatas. Apoiado na visão do universo como constituido a partir de uma única origem, a arché, que os pensadores jonicos qualificavam de divino, Xenófanes proclamou que “Um deus supremo entre os deuses e os homens; nem em sua forma, nem em seu pensamento é igual aos mortais”. Começava o combate aos deuses antropomórficos, gerdados da tradição homérica. Fez-se famoso pelos ataques contra Tales, Pitágoras e Parmênides.
Xenófanes determinou primeiro o ser absoluto como o um: “O todo é um”. Designou isso também Deus; afirmou que Deus está implantado em todas as coisas, que ele é supra-sensível, imutável, sem começo, meio e fim, imóvel. Em alguns de seus versos diz ele: “Um Deus é o maior entre os deuses e os homens, e não é comparável aos mortais, nem quanto à figura nem quanto ao espírito”. E: “Ele vê em toda parte, pensa em toda parte e ouve em qualquer lugar”. Então, o verdadeiro somente é que Deus é o um – não no sentido de que haja um deus (isto é, uma outra determinação), mas de que ele é apénas este igual a si mesmo; nisto, pois, não está contida outra determinação que na afirmação da Escola Eleática. “É impossíevl que algo venha do nada. Mas quer tudo tenha surgido, quer apenas nem tudo seja eterno, em ambos de casos viria do nada. Pois, se tudo tivesse surgido, antes nada poderia ter sido. E se apenas algumas coisas fossem e delas todo o resto se originasse, então, este um, do qual todo o resto (que aparece) surgiria, tornar-se-ia mais e maior. Mas o mais e o maior se originariam, desta maneira, do nada de si mesmo; pois no menos não está contido seu mais, nem no menor seu maior. Tampouco pode algo surgir do ente, pois o ente já é, e não surge desde o ente”.
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FONTES:
ARANHA, Maria Lucia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1994.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Atica, 2002.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luis. Historia da Filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1978.
PESSANHA, José Américo Motta (Org). Os pré-socraticos. São Paulo: Abril, 1978.
SOUZA, José Cavalcante. Os pré-socrático. São Paulo: Abril, 1978.




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