sexta-feira, janeiro 25, 2019

TAO TE CHING & LAO TSÉ, MANUEL CASTELLS, MAG MAGRELA & MANÉ TONHO


A RIQUEZA DE MANÉ TONHO – Mané Tonho era pobre de Jó, também não servia para nada, nem pai tinha, mãe muito menos, era um enjeitado. Um braquelo franzino, vixe, Deus meu, mais parecia uma tabica graúda, daquela meia troncha, de chega dava pena de vê-lo. Quem criou essa trepeça? Quem sabe! Isso é um desacerto da vida. Parecia mesmo. Desengonçado, todo desligado, andava assim, quase avoando, espinhaço envergado, pálpebras arriadas de quase nem falar, nem coragem tinha para tanto. Ao chamá-lo, demorava que só pra voltar e responder, lá distante de si e de tudo dava um hem qualquer, de ninguém nem mais aparecer pra falar. Esse menino num tem serventia mesmo, diziam na cara lavada. E ele nem nem. Só no de seu. Onde essa alma penada mora? Quem sabe, ora! Um dia lá falavam duma casa malassombrada que havia no oitão defronte do arruado longe. Aquela ali? Apontavam: Aquela mesma. Num diga. Quem é doido de ir lá? Ara, ali é a casa do coisa-ruim, quem vai lá, num volta. E num é que Mané Tonho num dia de ter tomado umas e outras inventou de encarar o pávido recinto? Pois foi. Num vai lá, abestalhado, quem vai num volta. Ele foi, nem nem. Bicado como estava, abriu o ferrolho enfurrajado do resto de portão, entrou pela calçada interna e foi bater na porta. Ninguém abriu. Ele, então, empurrou com força e abriu-se com o maior rangido amedrontador. Sabe-se que ele entrou no meio da escuridão. E o povo do lado de fora: E num é que o danado entrou mesmo? Ora, quem fica é que é besta, quero lá ver maldição braba pra cima de mim, vou-me embora. Eu também. E foram todos. Lá dentro Mané Tonho tateava pelas paredes à procura dalguma coisa para clarear o recinto. Tropeçou numas coisas, topou em outras, quase cai, se segurou como podia. Foi aí que ele bateu nuns candelabros que tremularam emitindo sons horríveis. Meio lá, meio cá, sacou da caixa de fósforos: velas enormes diante de oratório grande, cheio de castiçais. Acendeu uns dois pavios e se assutou com o que viu: era a imagem dele próprio no espelho, pensou que fosse assombração. Não era. Até se riu com a leseira do susto. Pegou um castiçal, iluminou tudo e percebeu umas tranqueiras num canto da parede, ajeitando direitinho pra fazer uma fogueira. Tudo pronto tocou fogo e ficou olhando em volta. Admirou-se com um sofá velho encostado na parede oposta, lá mesmo foi e se arranchou alisando a pança. Lá pras tantas, quase cochilando ouviu alguém dizer: Caio? Hem? Caio? Ah, destá, caia, ora. Caiu uma perna. Depois um grito: Caio? Hem? Caio? Oxe, caia, desgraçado! Caiu a outra perna. Quase dois minutos depois: Caio? Caia, fidumégua! Caiu um braço. Ih, esse negócio é de rosca! Pouco depois: Caio? Caia, fidapeste! Caiu um quarto e outro braço! Pronto, essa assombração é uma lorota mesmo. Larga de pinoia, oxente! Não demorou muito: Caio? Por que num cai tudo logo, remoento! Teibei. Caiu a cabeça com tudo e juntou-se tudinho. Pronto, agora quero ver que malassombro é esse. Fez-se um zoadeiro, a poeira cobriu e quando assentou, era uma lagartixa e das grandes. Oxe! É isso é que é malassombro? Ridículo! Num mangue de mim. Agora deu, mangar de tu, a-há! Já disse, não mangue de mim! Aí ele fez menção de pegá-la, ela correu pelos cantos e foi subindo na parede, ele pegou uma vassoura e tei, ela caiu. Pegou-la, segurou-la e enfiou num espeto, ela aos gritos. Cala a boca que vou assá-la. Não, não me asse. Ele enfiou o espeto do furico até sair pela boca, ela engasgada. Aí, quanto mais botava o espeto no fogo, mais ela gritava: Não me asse, rapaz. Foi aí que ao assoprar o fogo, a lagartixa pulou de um jeito extraordinário, escapuliu e saíram ambos no maior pega-pega, até se agarrarem numa briga medonha e bem demorada. Depois de um sassaricado poeirento, ele conseguiu amarrar a lagartixa que dizia: Me solte, rapaz. Solto não, amanhã quero mostrar a todo mundo quem é o malassombro daqui. Ah, me solte que eu lhe amaldiçoo. Solto nada! Me solte que sou o marido da dona daqui, enterrei muito dinheiro nesse chão e não quero ninguém por perto. Solto nada, amanhã você vai ver. Ah, me salve, rapaz? Salvar como? Arranque a botija, está ali. Onde? Ali, arranque, vá! Quem enterrou num foi você? Foi. Pois, então, arranque você, eu não. Arranque, rapaz. Arranco nada, arranque você. Então me dê o escavador. Vá pegar. Me solte! Deixe de presepada. Me solte, como eu vou tirar a botija amarrado? Não vai aprontar comigo, vai? Não, me solte que eu vou trazer a botija. Promete? Juro por minha morte! Jura? Juro! Então, tá. Aí soltou e ela foi cavando, cavando, até bater em dois baús. Pronto, taí. E foi desaparecendo. Quando ela sumiu, ele foi dormir, ronco solto noite adentro. O dia amanheceu e ao despertar ouviu uma barulhada grande na rua, foi aí que viu que o povo todinho estava lá reunido esperando o desfecho. Que é que é, mundiça? Eita, ele tá vivo! Vão-se embora que quero dormir. O cabra é corajoso mesmo, vai morar de vez aí. Será? E lá se foi um dia, dois, uma semana e ele lá. Daí mais um tempo passado, só se via trabalhadores aumentando o muro, ajeitando as coisas lá pra dentro e o que era uma casa abandonada ficou todas nos trinques na posse de um dos homens mais ricos hoje em dia. Não é mentira não, na vera mesmo. Quem diria que o Mané Tonho dava pra alguma coisa que prestasse? De onde menos se espera é que acontece. Hoje ele é um buchudo ricaço, cheio das gaitadas e nove horas, e dono de quase tudo na redondeza de Alagoinhanduba. Achar botija, malassombro dá nisso. Pois é. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS
Ninguém esperava. Num mundo turvado por aflição econômica, cinismo político, vazio cultural e desesperança pessoal, aquilo apenas aconteceu. Subitamente, ditaduras podiam ser derrubadas pelas mãos desarmadas do povo, mesmo que essas mãos estivessem ensanguentadas pelo sacrifício dos que tombaram. Os mágicos das finanças passaram de objetos de inveja pública a alvos do desprezo universal. Políticos viram-se expostos como corruptos e mentirosos. Governos foram denunciados. A mídia se tornou suspeita. A confiança desvaneceu-se. E a confiança é o que aglutina a sociedade, o mercado e as instituições. Sem confiança nada funciona. Sem confiança o contrato social se dissolve, e as pessoas desaparecem, ao se transformarem em indivíduos defensivos lutando pela sobrevivência. Entretanto, nas bordas de um mundo que havia chegado ao limite de sua capacidade de propiciar aos seres humanos a faculdade de viver juntos e compartilhar sua vida com a natureza, mais uma vez os indivíduos realmente se uniram para encontrar novas formas de sermos nós, o povo. [...] Começou nas redes sociais da internet, já que estas são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas, que, ao longo da história, haviam monopolizado os canais de comunicação como alicerces de seu poder. Compartilhando dores e esperanças no livre espaço público da internet, conectando-se entre si e concebendo projetos a partir de múltiplas fontes do ser, indivíduos formaram redes, a despeito de suas opiniões pessoais ou filiações organizacionais. Uniram-se. E sua união os ajudou a superar o medo, essa emoção paralisante em que os poderes constituídos se sustentam para prosperar e se reproduzir, por intimidação ou desestímulo – e quando necessário pela violência pura e simples, seja ela disfarçada ou institucionalmente aplicada. [...] Esses movimentos sociais em rede são novos tipos de movimentos democráticos, movimentos que estão reconstruindo a esfera pública no espaço de autonomia constituído em torno da interação entre localidades e redes da internet, fazendo experiências com as tomadas de decisão com base em assembleias e reconstituindo a confiança como alicerce da interação humana. Eles reconhecem os princípios que se anunciaram com as revoluções libertárias do Iluminismo, embora distingam a permanente traição desses princípios, a começar pela negação original da cidadania plena para mulheres, minorias e povos colonizados. Eles enfatizam as contradições entre uma democracia baseada no cidadão e uma cidade à venda pelo lance mais alto. Afirmam seu direito de começar tudo de novo. Começar do começo, após chegar ao limite da autodestruição graças a nossas instituições atuais. Ou assim acreditam os atores desses movimentos, cujas palavras apenas tomei de empréstimo. O legado dos movimentos sociais em rede terá sido afirmar a possibilidade de reaprender a conviver. Na verdadeira democracia. [...].
Trechos extraídos da obra Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet (Zahar, 2013), do sociólogo espanhol Manuel Castells. Veja mais aqui e aqui.

TAO TE CHING & LAO TSÉ
DA LEI DA COMPENSAÇÃO HUMANA: O que é imperfeito será perfeito; / O que é curvo será reto; / O que é vazio será cheio; / Onde há falta haverá abundância; / Onde há plenitude haverá vacuidade. / Quando algo se dissolve, algo nasce. / Assim, o sábio, / Encerrando em si a alma do Uno, / Se torna modelo do Universo. / Não dá importância a si mesmo, / E será considerado importante. / Não se interessa por si mesmo, / E será venerado por todos. / Nada quer para si, / E prospera em tudo. / Não pensa em si, / E é superior a tudo. / E, por não ter desejos, / É invulnerável. / Por isto, há muita verdade / No velho ditado: / Quem se amolda é forte. / É esta a meta suprema / Da vida humana.
VIVÊNCIA PELAS LEIS CÓSMICAS: O que está em repouso é fácil conservar. / O que é insignificante pode facilmente ser influenciado. / O que é frágil pode ser quebrado facilmente. / O que é leve pode ser levado pelo vento. / A ordem deve ser mantida, antes que surja a desordem. / A árvore mais gigantesca nasceu de uma raizinha fina como um cabelo. / Uma torre de nove andares repousa sobre uma pequena área de terra. / Uma viagem de mil léguas começou com o primeiro passo. / Quem faz algo contra a lei tem de falhar. / Quem se apega a algo o perderá. / Por isto, o sábio não é egocêntrico, e por isto nunca falha. / Não se apega a nada, e por isto não perde nada. / Outros falham antes de chegar à meta, / Porque não esperaram pelo momento oportuno. / Quem enxerga o início e o fim, esse não falha. / O único desejo do sábio é não ter desejos. / Não deseja nada o que a outros é desejável. / Nem deseja inteligir objetos de inteligência. / O que a outros é insignificante o sábio o considera importante. / Assim estabelece ele a reta ordem em si e nos outros, / Não agindo jamais em desacordo com as leis cósmicas.
Poemas extraídos do Tao Te Ching (Mauad X, 2011), do antigo filósofo e escritor chinês Lao Tsé que viveu por volta de 1300aC. Veja mais aqui.

A ARTE DA MAG MAGRELA
A arte da multiartista Mag Magrela. A paulistana é poeta, ilustradora, desenhista e artista de rua e grafite. Veja mais aqui
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