ETERNAMENTE, ANNIE – Ela apareceu
com o redemoinho de sua inquietude e excentricidade, desafios escandalosos: Eu
sou mulher, quero te ver... E era aquela a inglesa que devorou os corações dos salões literários.
Era aquela cosmopolita e inescrupulosa italiana vestida de cantora das virtudes
errantes e ambições líricas. Era aquela sedutora exótica alemã, cultuadora de assuntos impróprios da
nobreza mundana, transitando entre as notícias literárias e as críticas
maldosas dos tablóides. Aquela divorciada estadunidense com o espelho da alma
na escrita errante: Nasci com paixão pelas distâncias... E invocava Deus
uma única graça: por mais longe que fosse, sempre houvesse quem a aguardasse...
E se sentia em casa em qualquer ou nenhum lugar. Invadia com seus malabarismos
salas, cafés-concertos e águas do Tâmisa, festas em jardins e fazendas texanas,
almoços literários e recepções de gala: Sou mulher e venho de longe para te
ver. Não sou italiana, mas sou uma profunda admiradora da sua língua e de
você, o mais forte dos seus poetas. O infortúnio quer que eu escreva versos...
Ah, uma mulher vestida apenas com um conjunto de diamantes, encantadora com seu
ombro nu, seus olhos ameaçavam possuir-me era seu puro capricho, como se Anita,
George, ou tantos cognomes, a sua reinvenção a
me sequestrar como se eu fosse uma casa abandonada na floresta. E voava
me pegando pela mão com a neblina amarrada à cintura, esse era o seu belo gesto,
como quem amava batalhas perdidas e as recriava na sua autoinvenção camaleônica.
E se fez Lirica com a tenacidade vaidosa na espinha dorsal, como se
fosse a operística Marion artista di caffè-concerto, cantando versos da The
Hunt for Happiness, a Perfect, En passant, Houp-là!, A Fad e The
ruby ring, Winning him back e The True Story of a Wunderkind told by its
mother. E era a Nancy do The Devourers, integrando a saga
familiar do I divoratori (1911), ou mesmo a condessa russa Maria Tarnowska, com
sua alter-ego Circe, que contava os trágicos estupros das meninas belgas do L'Invasore,
e das guerras do Vae Victis e Zingaresca, do drama de Le
bocche inutili, e do The Outrage, e da corrupta sociedade perversa de Naja
tripudians. E me contava de Gioia, da Sorella di Messalina,
de Sua altezza e da defesa apaixonada pela Terra di Cleopatra. Mais
encenava na Perdonate Eglantina ou acusava a colonização egípcia no Mea
culpa, e da Fosca, sorella di Messalina, e do Salvate le nostre
anime, e do Il viaggio incantato. E seus olhos de Nereida, ora se
assombravam com seus fantasmas diurnos, mais pronunciava o seu temperamento
lírico para me contar que seu pai era um
revolucionário de Mântua, de ascendência judaica e comerciante de seda; sua mãe
era uma escritora alemã que conheceu Marx e outros intelectuais e que morreu de
tuberculose quando ela tinha quatorze anos; e que teve uma educação pouco convencional
em uma casa igualmente pouco convencional e foi o que lhe concedeu a força e
independência para se recusar à intimidação da misoginia, tornando-se no
mesmo instante Safo, Marcelline Desbordes-Valmore e Elizabeth Browning. Ora tão
destemida como quem conhecesse a vaidade de tudo e não precisava encobrir notas
de fantasia desinibidas com suposta profundidade ou moralidade intrínseca,
mostrando-se tão irredentista
quanto o ex-marido - um pecador ativista pela independência irlandesa, tão
corajosa quanto aquela que defendia sua filha Vivien, uma
violinista prodigiosa, que aos doze anos tocava violino no Albert Hall em
Londres, e aos quarenta e oito suicidou-se. Dane-se a opinião dos outros...
A sua autoconfiança a fazia uma fera tomada por seu temperamento apátrida e multifacetado no seu
sentimentalismo latino. A obstinada fêmea expunha suas ideias
autobiográficas amalgamadas de grande viajeira congênita do próprio chão e o seu itinerário
existencial com o presente desenraizado como moto perpétuo, o frescor
da espontaneidade, sua latejante e desordenada condição de viver sua fascinante
jornada heterogênea e sua última temporada polifônica. Essa era a sua excepcional
experiência de vida: A poesia será divina no dia em que as palavras se
tornarem plásticas... Uma homenagem à escritora Annie Vivanti (1866-1942),
perpétua em minha memória. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Os
seres humanos não são animais racionais; estamos racionalizando animais que
querem parecer razoáveis para nós
mesmos. É possível dominar um problema ou habilidade sem ferir outra pessoa ou
mesmo sem tentar conquistá-lo. Precisamos desafiar o nosso próprio pensamento.
Pensamento do psicólogo estadunidense Elliot Aronson, inventor da Jigsaw
Classroon, uma técnica de ensino cooperativo que facilita a aprendizagem ao
mesmo tempo que reduz a hostilidade e o preconceito interétnicos.
ALGUÉM FALOU: Não
importa o quanto aprendamos, sempre há mais conhecimento a ser adquirido. A
este respeito, lembro-me de um pequeno poema que esteve em minha mente ao longo
dos anos. Diz o seguinte: “Eu costumava pensar que sabia que sabia. Mas agora
devo confessar. Quanto mais eu sei, eu sei, eu sei, eu sei, menos”... Pensamento
da escritora marroquina Malika Oufkir. Veja mais aqui.
LEVE-ME LÁ
– […] Palavras
são como pessoas, eu acho. Coloque muitos
deles muito próximos e eles causarão problemas [...] Enquanto você
respirar, ainda há esperança. [...] Não tente
enganar um mentiroso. [...] Até onde você pode
seguir pelo caminho errado antes de não conseguir voltar ao caminho certo?
[...] Eu carrego uma mensagem que não consigo ler. As palavras podem ser assustadoras ou macio ou doce. Pensei no que diz Não sei, Eu ainda carrego isso comigo, onde quer que eu vá [...] O tempo dá voltas e mais voltas o relógio girando, até o dia fatídico tempo dobra as mãos cansadas e para. [...] A mente só consegue
lembrar o que está disposta a lembrar – porque se você é culpado, então a
verdade não é o que o liberta. É o que deixa você
trancado. [...]. Trechos extraídos da obra Take
Me There (Simon & Schuster, 2010), da escritora estadunidense
Carolee Dean.
UMA CARTA PARA
A PRISÃO - Nos passos ocupados da noite ou do dia eles te levaram \ talvez
eu tenha corrido para o canto da sua sala de aula \ ouvir em silêncio por
algumas horas \ e quando meus pensamentos brilharam por um momento\ Eu vi suas
profundezas. Poema da escritora, professora e ativista chinesa Muyesser
Abdul'ehed, que denunciou publicamente os campos de trabalhos forçados de
civis de etnia uiguire pelas autoridades chinesas, razão pela qual passou a
morar na Turquia, a partir de 2013. Ela é autora da obra Missing you is
painful (2012).
Mas prudente,
Se sentires calores
Sedutores
Embaixo do teu ventre,
Que não entre
Tua flor de donzela
Uma vela,
Pois logo o castiçal
– Por teu mal –
Lhe iria atrás, matreiro,
Quase inteiro.
Em templo tão estreito,
Vá com jeito
Teu dedo em sua gana,
E a membrana
Só rompa, do hímen teu,
O himeneu.
(Tradução José Paulo Paes)