A SOLIDÃO DE ANNE – A
menina foi criada em Weston, filha de empresário nem sucedido, infância confortável
e nem um pouco feliz. A difícil relação com os pais em Boston: era a caçula entre duas irmãs. Quando saía do internato era
a sua tia-avó solteira o seu amparo. Os pais alcoólatras e
a tia-avó distante não parecia louca, apenas doente. Culpou-se pelas
enfermidades de Nana: sua voz irada ecoava na cabeça. Casou-se aos 19
anos: ele na Coréia, ela nas passarelas. Como simples dona de casa teve seu
primeiro filho e um sinal de alerta: vitimada posteriormente por uma depressão
pós-parto. Nasce a filha e sofre um colapso nervoso, internando-se num hospital
neuropsiquiátrico. Ali foi encorajada a escrever durante o tratamento: a escrita
uma terapia. E escrevia sonetos e outros versos, poemas sobre suas lutas
psiquiátricas: To Bedlam and Part Way Back.
E as experimentações: de loucura e quase loucura, do patético e
bem-intencionado... O mundo ao seu redor a desencorajava, juntou-se a
grupos de escritores. Recontava contos de Grimm, usava de fatos e imaginação, ensinava
redação criativa e educava adultos. Manipulava tons, rimas e ritmos, refletia sobre
os seus tormentos, a dependência de drogas e alcoolismo crônico. Era uma mãe
com esgotamento nervoso entre tentativas de suicídio. A filha sai do casulo e
perde o corpo antigo, enquanto ela apodrece a maternidade por dentro,
sentindo-se descartada, com seus episódios maníacos persistentes. Formou um grupo
de jazz com os tons de sua poesia, escrevendo a peça teatral Mercy Street. Seus
temas iam além do isolamento e desespero, também tratavam os dramas de seu
cotidiano, de menstruação e aborto, masturbação e adultério. Separou-se do
marido com uma frase... Como já foi dito: O amor e a tosse não podem ser
disfarçados, nem mesmo a pequena tosse. Nem mesmo o pequeno amor... Ela lutou
contra a depressão, explorou seus mitos, exorcizou seus demônios, sublimou seus
paradoxos. E a vida era a separação, duas filhas, amantes, psiquiatras e
incontáveis tentativas de suicídio. Recriou-se e ganhou prêmios, bolsas e
viagens. Estava desestabilizada, uma espiral de emoções e sentimentos: a poeta!
Enfim, era outubro e retornou para casa depois de uma agenda agitada. Vestiu o
casaco de peles de sua mãe e fechou-se em sua garagem: ligou
o carro e inalou monóxido de carbono, tornando realidade os versos de "Querendo
Morrer": Mas as suicidas têm uma linguagem especial/ como carpinteiros,
eles querem saber 'com que ferramenta'/ jamais perguntam o porquê da obra. Anne
Sexton (1928-1974). Veja mais abaixo, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - O
preconceito é um fardo que confunde o passado, ameaça o futuro e torna o
presente inacessível... Quando você aprender, ensine; quando você receber, dê. Há
um mundo de diferença entre verdade e fatos. Fatos podem obscurecer a verdade. Minha
missão na vida não é meramente sobreviver, mas prosperar; e fazê-lo com alguma
paixão, alguma compaixão, algum humor e algum estilo. Pensamento da
escritora e ativista estadunidense Maya Angelou - Marguerite Ann Johnson
(1928-2014). Veja mais aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Duas
coisas me admiram: a inteligência das feras e a bestialidade dos homens. Todas
as desgraças do mundo advêm do esquecimento e do desprezo que até hoje se tem
demonstrado aos direitos naturais e essenciais de ser mulher. A lei que
escraviza as mulheres e as priva da educação também oprime vocês, homens
proletários. Em nome do seu próprio interesse, homens; em nome da sua melhoria,
da sua, homens. Em suma, em nome do bem-estar universal de todos,
comprometo-vos a exigir os direitos das mulheres. O nível de civilização que
várias sociedades humanas alcançaram é proporcional à independência de que as
mulheres desfrutam. Pensamento da escritora e ativista franco-peruana Flora
Tristan (1803-1844). Veja mais aqui.
A NOIVA DE MESSINA – [...]
Nas montanhas
há liberdade! O mundo é perfeito
em todos os lugares, exceto onde o homem chega com seu tormento. [...]
Não ligue seu
coração aos bens, Que enfeitam a vida de forma fugaz! Quem possui aprende a perder, Deixe quem está feliz aprender a dor! [...]. Trechos
extraídos da peça teatral Die Braut von Messina (Createspace, 2012), do poeta, dramaturgo, filósofo e
historiador alemão Friedrich Schiller
(1759-1805). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
SOBREVIVÊNCIA PROFUNDA – [...]
A
sobrevivência é a celebração da escolha da vida em vez da morte. Sabemos que vamos
morrer. Nós, todos eles. Mas a sobrevivência
está dizendo: talvez não hoje. Nesse sentido, os
sobreviventes não derrotam a morte, eles aceitam-na. [...]
A palavra 'experiente' geralmente se refere a alguém que se safou fazendo
coisas erradas com mais frequência do que você [...] Para
lidar com a realidade você deve primeiro reconhecê-la como tal.
[...] Não entendemos o poder da natureza e do mundo porque não convivemos com
ele. Nosso ambiente foi projetado para nos sustentar. Somos os animais
domésticos de um zoológico humano chamado civilização. [...] O mundo que
imaginamos parece tão real quanto aqueles que vivenciamos. Infundimos o modelo
com os valores emocionais de realidades passadas. E, sob o domínio
dessa visão (chame-a de “o plano”, escreva em letras grandes), seguimos em
frente e agimos. Se as coisas não
correrem de acordo com o planejado, poderá ser difícil rever um modelo tão
robusto. Num ambiente que
apresenta riscos objetivos elevados, quanto mais tempo for necessário para
desalojar o mundo imaginado em favor do mundo real, maior será o risco. Na natureza, a
adaptação é importante; o plano não é. É uma coisa Zen. Temos que planejar. Mas também devemos
ser capazes de abandonar o plano. [...]
Para
sobreviver, você deve desenvolver emoções secundárias que funcionem em
equilíbrio estratégico com a razão. [...] Estou
constantemente cercado por uma exibição de maravilhas naturais... É uma beleza
cercada por um medo horrível. Escrevo em meu
diário que é uma vista do céu de um assento no inferno. (sobrevivente após 53
dias no mar) [...] Perder tudo numa eternidade tão
gloriosa é muito mais doce do que vencer arrastando-se por uma vida cautelosa,
indolor e sem características. [...] Achamos que
acreditamos no que sabemos, mas só acreditamos verdadeiramente no que sentimos.
[...] Todo mundo que morre por aí morre de confusão.
[...] Ajudar outra pessoa é a melhor maneira de garantir sua própria
sobrevivência. Isso tira você de
si mesmo. Ajuda você a
superar seus medos. Agora você é um
salvador, não uma vítima. E ver como sua
liderança e habilidade estimulam os outros lhe dá mais foco e energia para
perseverar. O ciclo se reforça:
você os anima e a resposta deles o anima.Muitas pessoas que sobrevivem sozinhas
relatam que estavam fazendo isso por outra pessoa (esposa, namorado, mãe,
filho) em casa. [...]. Trechos extraídos da
obra Deep Survival:
Who Lives, Who Dies, and Why (W. W. Norton & Company, 2004), do escritor
estadunidense Laurence Gonzales.
TRÊS POEMAS - A BALADA
DO MASTURBADOR SOLITÁRIO - O fim do caso é sempre a morte. \ Ela é minha
oficina. Olho escorregadio, \ fora da tribo de mim mesmo, minha respiração \ descobre
que você se foi. Eu horrorizo \ aqueles que estão por perto. Eu estou
alimentado. \ À noite, sozinho, casei-me com a cama.\ Dedo com dedo, agora ela
é minha. \ Ela não está muito longe. Ela é meu encontro. \ Eu bati nela como um
sino. eu reclino \ no caramanchão onde você costumava montá-la. \ Você me
emprestou na colcha florida. \ À noite, sozinho, casei-me com a cama. \ Tomemos
por exemplo esta noite, meu amor, \ que cada casal reúne \ com um tombamento
conjunto, abaixo, acima, \ os dois abundantes em esponja e pena, \ ajoelhando-se
e empurrando, cabeça com cabeça. \ À noite, sozinho, me caso com a cama. \ Eu
saio do meu corpo dessa maneira, \ um milagre irritante. Posso \ exibir o
mercado dos sonhos? \ Estou espalhado. Eu crucifico. \ Minha pequena ameixa
é o que você disse. \ À noite, sozinho, casei-me com a cama. \ Então veio meu
rival de olhos pretos. \ A senhora das águas, subindo na praia, \ um piano na
ponta dos dedos, vergonha \ nos lábios e um discurso de flauta. \ E eu era a
vassoura com os joelhos dobrados. \ À noite, sozinho, casei-me com a cama. \ Ela
pegou você do jeito que uma mulher leva \ um vestido de barganha fora do rack \
e eu quebrei como uma pedra quebra. \ Devolvo seus livros e apetrechos de
pesca. \ O jornal de hoje diz que você está casado. \ À noite, sozinho,
casei-me com a cama. \ Os meninos e meninas são um só esta noite. \ Eles
desabotoam blusas. Eles descompactam moscas. \ Eles tiram os sapatos. Eles
apagam a luz. \ As criaturas cintilantes estão cheias de mentiras. \ Eles estão
comendo um ao outro. Eles estão superalimentados. \ À noite, sozinho, casei-me
com a cama. ESSE DIA - Esta
é a escrivaninha à qual me sento \ e é a esta escrivaninha que te amo demasiado\
e esta é a máquina de escrever perante mim\ e ontem apenas o teu corpo esteve
perante mim\ com os seus ombros unidos num coro grego\ com a sua língua de rei,
inventando leis no momento,\ com a sua língua exposta como um gato bebendo
leite\ com a língua – e nós os dois na espiral da sua vida escorregadia.\ Foi
ontem, esse dia.\ Esse foi o dia da tua língua,\ da tua língua, que veio dos
teus lábios,\ duas aberturas, meio animal, meio ave\ capturadas da soleira do
teu coração.\ esse foi o dia em que segui as leis do rei,\ passando pelas tuas
veias rubras e azuis,\ as minhas mãos descendo pela espinha, descendo depressa
como bombeiros num mastro,\ mãos entre as pernas onde exibes a tua sabedoria
íntima,\ onde minas de diamantes se escondem e sobressaem para se esconderem,\ sobressaem
mais depressa que uma cidade reconstruída.\ ergue-se em segundos, esse
monumento.\ O sangue flui no subsolo mas ergue uma torre.\ Uma multidão devia
assistir à ascensão deste edifício.\ Por um milagre, fica-se em fila e atira-se
confetes. \ Claro, A Imprensa está cá em busca de títulos.\ Claro que alguém
devia levar um estandarte pelo passeio.\
Se uma ponte é construída, o presidente não corta uma fita?\ No advento
de um fenómeno, o Reis Magos não devem trazer presentes?\ Ontem foi o dia em
que eu trouxe presentes para o teu presente\ e vim do vale para me encontrar
contigo no pavimento.\ Foi ontem, esse dia. \ Foi esse o dia do teu rosto,\ do
teu rosto depois do amor, junto à almofada, uma canção de embalar.\ Meio a
dormir ao meu lado, deixando parar o berço antiquado,\ O nosso respirar
tornou-se uno, tornou-se no respirar de uma criança,\ enquanto os meus dedos
desenhavam pequenos sorrisos na tua boca,\ enquanto eu desenhava AMO-TE no teu
peito e no seu baterista\ e murmurava, “Acorda!” e resmungaste no sono\ “Sh.
Vamos de carro para Cape Cod. Vamos para a Ponte de\ Bourne. Andamos às voltas
na Rotunda de Bourne.” \ Bourne! \ Depois conheci-te no teu sonho e rezei pelo
tempo em que seria trespassada e ganharias raízes em mim\ tempos em que poderia
dar à luz o teu filho, em que te traria comigo, tu ou o teu fantasma no meu
pequeno lar.\ Ontem, eu não queria ser perdida ou achada para isto\ mas esta é
a máquina de escrever perante mim\ e o amor vive onde o ontem vive. CELEBRANDO
O MEU ÚTERO - Tudo em mim é uma ave.\ Esvoaço todas as minhas asas.\ Elas
quiseram cortar-te\ mas não o farão.\ Disseram que eras infinitamente vazio\ mas
não és.\ Disseram que estavas moribundo\ mas enganaram-se.\ Cantas como uma
colegial.\ Não estás ferido.\ Doce valor,\ celebrando a mulher que sou\ e a
alma da mulher que sou\ e a criatura central e o seu prazer\ canto para ti.
Atrevo-me a viver.\ Olá, espírito. Olá, taça.\ Firmada, coberta. Cobertura com
conteúdo.\ Olá, terra dos campos.\ Bem-vindas, raízes.\ Cada célula tem uma
vida.\ Há suficientes para agradar a uma nação.\ Estes bens bastam à populaça.\
Qualquer pessoa, qualquer comunidade diria,\ “É óptimo podermos plantar novamente
este ano\ E ter perspectivas de uma colheita.\ Previu-se míldio mas houve
engano.”\ Muitas mulheres cantam isto:\ Uma está numa fábrica de sapatos, a
amaldiçoar a máquina,\ outra está no aquário a tratar uma foca,\ outra
aborrece-se ao volante do Ford,\ outra recebe dinheiro na portagem,\ outra ata
a corda do vitelo no Arizona,\ outra percorre a escala de um violoncelo na
Rússia,\ outra muda de turno num forno egípcio,\ outra pinta as paredes do
quarto da cor da Lua,\ outra morre mas recorda um pequeno-almoço,\ outra
estende-se no seu tapete na Tailândia,\ outra limpa o rabo do filho,\ outra
olha pela janela de um comboio\ no meio do Wyoming e outra\ está algures e
algumas estão em toda a parte e todas\ parecem cantar, embora algumas não
saibam cantar uma nota.\ Doce valor,\ celebrando a mulher que sou\ deixa-me
andar com um lenço de três metros,\ deixa-me atrair os rapazes de dezanove,\ deixa-me
transportar tigelas para a oferenda\ (se é a parte que me toca).\ Deixa-me
estudar o tecido cardiovascular,\ deixa-me examinar a distância angular de
meteoros,\ deixa-me chupar os caules das flores\ (se é a parte que me toca).\ Deixa-me
desenhar umas imagens tribais\ (se é a parte que me toca).\ Por esta coisa que
o corpo precisa,\ deixa-me cantar\ pela ceia,\ pelos beijos,\ pelo sim\ correto. Poemas da escritora estadunidense Anne
Sexton (Anne Gray Harvey – 1928-1974). Veja mais aqui e aqui.