sexta-feira, junho 12, 2009

FLAUBERT, SCHILLER, PETRÔNIO, LUMIÈRE, MARK MELLON, LAVOISIER, SOPHIE SCHOLL, CORDEL & POETAS DE PERBAMBUCO

 
Imagem: A Guide Through The Chaos, do pintor, escultor e desenhista estadunidense Mark Mellon.

O QUE A VIDA TEM ME ENSINADO – (Imagem: arte do pintor, escultor e desenhista estadunidense Mark Mellon) – UMA: DO QUE NÃO SE ESQUECE & VOLTA VEZ EM QUANDO ATORMENTANDO - De tudo que levei, apanhei ou perdi, ficaram algumas lembranças, outras perdidas, muitas revoltas e intermitentes. Quando menos espero, lá está viva na memória, doendo ou, às vezes, felicitando. Nem sempre a gente recorda coisas boas, até aquelas situações mais deprimentes se fazem de volta, viva, para envergonhar ou punir. Já dizia Flaubert: A recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço como se olhou para o alto da torre. É isso, alguns segredos intocáveis, outras fraquezas irreconciliáveis. DUAS: UM PASSO EM FRENTE, QUANTOS ATRÁS - Sempre tive comigo de seguir em frente, houvesse o que fosse de abissal, nunca me intimidei. É certo que fiquei depois duns desapontamentos um bocado de tempo abatumado. Mas sempre levantei cuidando das fraturas e cortes. Foi Schiller quem me ensinou: É a vontade que faz o homem grande ou pequeno. E o melhor: foi ele mesmo que me ensinou a dar a cara à tapa: Breve é a loucura, longo o arrependimento. Nunca dei muito espaço para a compunção no palimpsesto da memória, se bem que os remorsos rondam invariavelmente ao travesseiro. TRÊS: SE LEVASSE A SÉRIO JÁ TERIA MORRIDO - Considero que sempre defendi causas, muitas delas difusas, algumas bem particularizadas. Estas as que me levaram a dar com a cara na parede, sempre por que achava que a coisa acertada, apalavrada, de papel passado e celebrado ao final, jamais perderia vigência. Acordo comigo é como fiapo de bigode: tirado, não volta mais, fechadíssimo. Não é lá muito bem assim as coisas desse meu Brasil do Fecamepa: coisas enterradas de décadas ressuscitam, desenvultam! Juro que não sabia. Sempre levei na conta do Lavoisier: Consideramos isso concluído e sem possibilidade de retorno à antiga ordem. Ledo engano, não era mesmo, por mais que eu insistisse: Depois da Constituição de 1988, meu país seguiria rumo à plena Justiça, nunca mais injustiça. Eu havia deixado escapulir essa do cientista: Não devemos confiar em nada além de fatos. Só que aqui os fatos também são escusos, só me salvo porque levo a Rosa Branca de Sophie Scholl no peito. Vou ali, até amanhã! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.


DITOS & DESDITOS - O que importa a minha morte, se através do nosso exemplo milhares de pessoas acordarão e começarão a agir. Pensamento da pacifista alemã Sophie Scholl (1921-1943). Veja mais aqui.

ALGUÉM FALOU: Ele deixou sua pegada na pedra. Ele mesmo seguiu. Provérbio Lamba, Zâmbia. Veja mais aqui.

A MATRONA DE ÊFESO - [...] Na noite seguinte, o soldado, que vigiava as cruzes para que ninguém pudesse retirar algum corpo e sepultá-lo, notou uma luz que brilhava mais forte entre as tumbas e ouviu um gemido lastimoso. Por um defeito da espécie humana desejou saber quem ou o quê os produzia. Desceu, pois, até o sepulcro, e tendo se deparado com uma belíssima mulher, primeiramente ficou perturbado, como se diante de algo sobrenatural ou de imagens infernais; em seguida, vendo também o corpo que jazia e considerando as lágrimas e o rosto machucado pelas unhas, convenceu-se (evidentemente, do que se tratava) de que a mulher não podia suportar a perda do falecido. Levou então para o sepulcro o seu parco jantar e começou a exortar aquela mulher em prantos a não permanecer numa dor inútil, não partir o coração em gemidos vãos: “A todos cabe o mesmo fim e a mesma morada”, e outras coisas que são ditas para a saúde de espíritos enfermos. Ela, porém, tocada por aquele consolo obscuro, feriu mais duramente o peito e arrancando cabelos lançou-os sobre o corpo que jazia. O soldado, no entanto, não recuou, mas com a mesma exortação tentou dar algum alimento à pobre mulher, até que a escrava, seduzida pelo aroma do vinho, primeiro estendeu a mão vencida à humanidade daquele tentador, em seguida, reanimada pela bebida e pelo alimento, começou a lutar contra a obstinação de sua senhora [...] Por que retardo por mais tempo? A mulher, na verdade, também não se absteve naquela parte [do corpo], e o soldado vitorioso ganhou uma e outra. Deitaram-se, pois, juntos não só essa noite, que a fizeram de núpcias, mas a seguinte e a terceira também, com a porta do sepulcro trancada, evidentemente, de forma que se alguém tivesse ido ao túmulo, conhecidos ou desconhecidos, teria pensado que a pudicíssima esposa havia expirado sobre o corpo do marido. [...] O soldado serviu-se do engenho daquela sapientíssima mulher, e no dia seguinte o povo se admirava de que forma o morto tinha voltado à cruz. [...]. Trecho extraído da obra Satyricon (Civilização Brasileira, 1970), do escritor e satirista romano Petrônio (27-66 dC). Veja mais aqui e aqui.


L'ARRIVÉE D'UN TRAIN EN GARE DE LA CIOTAT – O curta francês L'Arrivée d'un train en gare de La Ciotat (ou L'Arrivée d'un train à La Ciotat, 1895), dos irmãos Louis Lumière e Auguste Lumière, foi um dos primeiros filmes a serem apresentados publicamente pelos irmãos Lumière, na cave do Boulevard des Capucines em Paris. O filme possui a duração de apenas 1 minuto, com um plano em perspectiva diagonal a partir da estação e um argumento mínimo quase postal em movimento, criando pânico até hoje entre os espectadores que não estão preparados para a surpresa da ilusão cinematográfica. Durante a sua primeira exibição pública, os espectadores começaram a gritar e a fugir para o fundo da sala quando viram o comboio como se fosse soltar do ecrã. É o primeiro plano-sequência da história do cinema. Veja mais aqui e aqui.

POETAS DE PERNAMBUCO
CICERO MELO
JUAREZ CORREYA
RISOMAR FASANARO


SIDRIÃO E MARISTELA OU A GOIABA DA DISCÓRDIA



Sidrião e Maristela
Um casal recém casado
No fulgor da juventude
Cada qual mais empolgado
Procuravam o diferente
O ousado, o inusitado.

Dentro de casa não tinha
Mais lugar onde o casal
Já não tivesse explorado
Como cenário ideal
Para suas cenas tórridas
Cada qual mais radical.

Eis o motivo porque
Suas mentes criativas
Do lado externo das casas
Descobriram alternativas
De dar vazão aos desejos
De formas mais atrevidas.

Por isso quando um barulho
Lá no quintal foi ouvido
Por ser noite, Maristela
Foi junto com seu marido
Verificar o que diabo
Ali tinha acontecido.

Nada de errado viram
E por isso relaxaram
E sob um pé de goiaba
A lua cheia avistaram
E nesta contemplação
A mesma coisa pensaram.

Subiram na goiabeira
Sem qualquer dificuldade
Porque quando se é jovem
Tudo sempre é novidade
E o espírito de aventura
Promove a facilidade.

Procuraram entre os galhos
A posição ideal
E depois de acomodado
O criativo casal
Começou a brincadeira
No chamego trivial.

Goiabeira, todos sabem
Não tem copa tão frondosa
Se alguém passasse perto
Naquela hora ditosa
Haveria de flagrá-los
Nessa cena indecorosa.

Mas o breu que a noite trás
Camuflou a brincadeira
Ninguém ali percebeu
Essa dupla presepeira
Trepando de forma ambígua
Nos galhos da goiabeira.

No momento mais febril
No furor da emoção
Agitaram-se os galhos
Parecendo um furacão
Caíram tantas goiabas
Que chega cobriu o chão.

Primeiro foram as maduras
Depois caíram as inchadas
E até goiabas verdes
Também foram derrubadas
Dando idéia do alvoroço
Das cenas ali passadas.

Ao cair batiam neles
Pensa que se importaram?
Quanto mais frutos caíam
Mas eles se alvoroçaram
Até quando foi a hora
Que eles se acalmaram.

Tem coisa que acontece
E não tem explicação
Não é que uma goiaba
Ao cair não foi ao chão
Caiu no cofre dos peitos
Mas ela não deu fé não!

Desceu do pé de goiaba
O casal bem satisfeito
E no livro de aventuras
Escreveu mais este feito
Foi aí que Maristela
Viu a goiaba no peito.

Ela pegou a goiaba
E disse: - eu vou guardar
Como lembrança de hoje
E queira se controlar
Não toque nesta goiaba
Se não quiser apanhar.

E assim foram pra casa
Pro descanso merecido
Ela deitou-se primeiro
Não esperou o marido
Foi dormir bem satisfeita
Com o que tinham vivido.

Ele ficou por ali
Qual menino atrás de trela
Com pouco mais ... quem acorda?
Sua mulher, Maristela
Com o danado querendo
Comer a goiaba dela.

Maristela deu uma popa
Que o chão estremeceu
- Não vou dar minha goiaba
e você me prometeu
que a deixaria em paz
será que já se esqueceu?

Se eu lhe der minha goiaba
Sei que vai ser uma dor
Ela é muito especial
Tem importante valor
Por isso pode tirar
Cavalo da chuva, amor.

Por que não come outra coisa
Eu faço com todo gosto
Ele gritou: - Eu não quero!
Com sangue corando o rosto
Eu quero é sua goiaba
Não me dê esse desgosto.

Maristela, que besteira
Me dá logo essa goiaba
Vai terminar dando o bicho
Aí teu prazer de acaba
Ela disse um NÃO tão alto
Que quase a casa desaba.

Ela foi firme e não deu
Sua goiaba ao marido
Ele achou uma desfeita
Um capricho sem sentido
E desse dia em diante
Foi ficando aborrecido.

Com o tempo a tal goiaba
É claro que se estragou
Sidrião tomou abuso
A mulher abandonou
por causa duma goiaba
O casal se separou.

Esse aqui é um exemplo
Cabal de que arrogância
Desrespeito ao semelhante
O orgulho e a ignorância
Roubam paz, causam conflitos
Viva, então, a tolerância!

JOSÉ HONÓRIO – O poeta e bancário pernambucano, José Honório, é formado em Turismo pela Faculdade Integrada do Recife-FIR. Em 1984 publicou seu primeiro cordel: Recife-Carnaval, Frevo e Passo. A partir deste, já publicou cerca de cinqüenta folhetos jogados na praça, além de realizar palestras, oficinas e recitais. Já realizou palestras nas cidades como Genebra, Lousane, Zurich, Basel e Locarno, na Suiça, em 2005 e criou a União dos Cordelistas de Pernambuco-Unicordel. Confira o sitio de José Honório.



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