O real não é o que você acredita ver, e é
possível ser realista do irreal e figurativo do invisível.
A arte
do artista plástico francês de origem polaca Balthus
(Balthasar Klossowski / 1908 – 2001) Veja mais abaixo.
REENCONTRO MARCADO - Estou
só, extremabsolutamente só e não é a primeira vez. Ouço passos que vão&voltam,
não sei de quem, nem consigo enxergar ninguém. Só os passos e, ao longe, choros,
motores, estalidos, sirenes, frenagens, buzinas - é a noite e et cétera. A vida passa, a terra gira e
a cabeça tonta: rodamundo paisagens na escurimaginação. Tudo pira ao que parece
jamais saber, porque os dias seguem unsaosoutros e retornam irrazão viva: são manhãs
pelas noitardes e noitoutras mesmanhãs e não sei quantempespaço. Hoje não sei
bem se segundesabada ou sextatônita, terçou a dominguante, quartanta ou sabadormente,
quinterminada seria qual mês de incertano, nem data de calendário. Não há hora
exata, moto contínuo. Segundos são horas de minutos e semanas dos meses de anos
décadas e séculos. O tempo passou, não sei se vivo o presente ou o que será, se
o que passei ainda revivo e o que virá fossontagora. Sinto cheiro do passado em
tudo, ouroboros. O futuro é o que acontece nestexato momento, como se antevisse
e já não mais. Só me resta a janelaberta deste quarto exclusivo: noitalta e a
solidão dominando o negrumafora. O que faço ou não, já fiz. O que farei parece
já ter sido feito, de mesmo. E não há nada para contar de quem passa ou chegou,
ou se veio e já se foi, de quem não está mais aqui e o que resta depois de tudo
que ainda não sei se tido ou havido, ademais perdido quando não é, será.
Distingo estrela viva no céu e ela escurece: distante movimento serpenteia. Vai
prum lado e, depois, proutro, dá para sentir que se aproxima, talvez não: que
seria aquele vaivém, vindo assim, do nada e não identificável: nada do que já tivesse
visto antes ou depois. Vem para cá, sim, está vindo na direção daqui. Sim, vem.
Só tenho a parede no fundo do quarto, desprotegido e só, irreconhecível,
completamente ignorado. Ih! Não passou, dá pra sentir em algum próximo
recôndito. Algo respira nas cercanias. É algo extraordinário, monstruoso, isso
eu já sei. Não dá para raciocinar, coração nos pés, lívido, trêmulo, não era
sonho, creia-me. É real, é só o que sei atônito e cônscio e nem sei o que fazer
por precaução, nem como evitar. Finis Ab Origine Pendet. E uma linda
mulher despida e encostada na parede, curvada sobre o ombro direito, cabelos
longos cobrindo-lhe os seios, os olhos amendoados realçando os lábios salientes
entreabertos, as faces róseas combinando com a brancura angélica de sua pele
corporal, as mãos cruzadas sobre o ventre, a perna direita apoiada sobre a
ponta do pé e o joelho esquerdo e se mantinha serenamente quieta, imperturbável,
acompanhando minha movimentação. Deixei-me levar. Depois de um longo tempo me
vi entre luzes, cores, sons estranhos e imagens distorcidas; abri os olhos e era
outro panorama, ela não mais ali, fiquei só, não sei onde estou e meu rumo
nenhum a prumo. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS - O maior dos males é a morte aprisionada e
petrificada no gelo do egoísmo, do qual resulta a anarquia universal e a
destruição pelo ódio. Pensamento do filósofo, escritor e dramaturgo francês
Édouard Schuré (1841-1929).
ALGUÉM FALOU: Nunca achei que ser mulher fizesse a menor
diferença - embora haja uma sensação de que, à medida que você envelhece, não é
tão interessante. Pensamento da escritora britânica Nina Bawden (1925-2012).
AS SETE FUNÇÕES DA ARTE – [...]
Somos ruins para lembras as coisas. [...]
Escrever é a principal reação aos efeitos
dos esquecimentos; a segunda é a arte. [...] A arte nos ajuda a cumprir uma tarefa de importância central na vida:
conservar as coisas que amamos depois que elas partiram. [...]. Trechos
extraídos da obra Arte como terapia
(Intrínseca, 2014), de Alain de Botton e John Armstrong, tratando sobre
metodologia, amor, natureza, dinheiro, política e para que serve a arte, arte
como instrumento e muito mais, enumerando as sete funções da arte como sendo:
rememoração, esperança, sofrimento, reequilíbrio, compreensão de si,
crescimento e apreciação. Veja mais aqui, aqui & aqui.
KRIK? KRAK! – [...] Noutra
noite sonhei que havia morrido e ido para o céu. Este céu não era nada daquilo
que esperava. Era no fundo do mar. Havia estrelas-do-mar e sereias ao redor de
mim. As sereias dançavam e cantavam em latim como fazem os padres durante as
missas nas catedrais. Você também estava comigo, lá no fundo do mar. Você
estava com sua família, meio que de lado. Seu pai estava agindo como se fosse
melhor que qualquer um e estava de pé em frente a uma gruta do mar tampando
você de minha visão. Tentei conversar com você, mas cada vez que abri minha
boca, só saíam bolhas de água. Nenhum som. [...] do
lugar de onde fico debaixo da figueira, vejo as montanhas, e atrás daquelas
montanhas há mais montanhas ainda. tantas outras montanhas que são nuas como as
rochas. sinto como se todas as montanhas estivessem me empurrando para mais e
mais distante de você. [...] O que
você está escrevendo aí? Beatriz perguntou, espiando o caderno de Papi. Estou tentando
escrever o que me lembro de minha vida. [...] você quer saber o que estou escrevendo para meus netos. Comecei com o
meu nascimento no porto de Valência. Meu pai era um padeiro lá. Há momentos que
ele dava pão para todos no nosso um quarto de nada. Eu era seu único filho, mas
ele não me deixava comer antes que os outros tivessem comido. Ele viveu até
seus noventa anos de idade para simplesmente ser morto nessa guerra maligna.
[...]. Trechos extraídos da obra Krik?Krak! (Vintage,
1996), da escritora haitiana Edwidge Danticat, reunindo contos ligados por planos
semelhantes de luta e sobrevivência na comunidade haitiana.
AUTO-DEFINIÇÃO - Eu sou Teresa Wilms Montt / e embora eu tenha nascido cem anos antes de você, / minha vida não era tão diferente da sua. / Eu também tive o privilégio de ser mulher. / É difícil ser mulher neste mundo. / Você sabe disso melhor do que ninguém. / Vivi intensamente cada respiração e cada momento da minha vida. / Eu destilei mulher. / Eles tentaram me suprimir, mas não conseguiram comigo. / Quando eles viraram as costas para mim, eu virei meu rosto. / Quando eles me deixaram sozinho, eu dei companhia. / Quando eles quiseram me matar, eu dei vida. / Quando eles quiseram me trancar, procurei a liberdade. / Quando eles me amaram sem amor, eu dei mais amor. / Quando tentaram me calar, gritei. / Quando eles me bateram, eu respondi. / Eu fui crucificado, morto e enterrado, / para minha família e sociedade. / Eu nasci cem anos antes de você / no entanto eu vejo você igual a mim. / Eu sou Teresa Wilms Montt, / e eu não sou adequado para mulheres. Poema da libertária escritora chilena Teresa Wilms Montt (1893-1921), precussora do anarcofeminismo com sua rebeldia diante dos valores burgueses da sociedade, o que levou a ser internada à força em um convento, conseguindo fugir com a ajuda de Vicente Huidobro, para tentar ser enfermeira durante a primeira grande guerra, sendo então confundida e aprisionada como espiã alemã.
A arte
do artista plástico francês de origem polaca Balthus
(Balthasar Klossowski / 1908 – 2001). Veja mais aqui e aqui.
[...] Os jovens, quando se iniciam no tribunal, julgam-se transportados para um novo mundo. O que faz de nossos estudantes mestres tão idiotas é que tudo quanto vêem ou ouvem nas escolas não lhes oferece nenhuma imagem da sociedade. Em tais escolas, castigam incessantemente os ouvidos dos meninos com piratas emboscados no rio, preparando cadeias para seus prisioneiros; com tiranos cujos bárbaros decretos condenam os filhos a decapitar os próprios pais; com oráculos que, para salvar cidades devastadas pela peste, determinam a morte de três jovens virgens. É um verdadeiro dilúvio de frases melosas, agradavelmente arranjadas – ações e discusos, tudo é salpicado de sésado e dormideira.






