sexta-feira, julho 01, 2011

JORGE GUILLÉN, TIM INGOLD, WILLIAM GIBSON, DAMARIS MASHAM, GIDDENS, RALPH GIBSON, LITERÓTICA & ZINE TATARITARITATÁ


 A arte do fotógrafo estadunidense Ralph Gibson. Veja mais abaixo.

 

 A EXPLOSÃO DO PRAZER - Imagem: arte by Ísis Nefelibata - Quando eu cheguei ainda era um menino na cidade. As retinas cheias de rios. O coração afogado de mar. Era o Recife. E eu gemia noites e dias de prazer quando adolescia em Maria de todos os nomes como se fosse a montada da bicicleta sonhada. Eu crescia e morria todos os dias gemendo Capiba e sonambulava como quem nada sabia. A cidade era em mim a agonia dos seios que me fartavam e que mais eu sabia Maria que nem nome tinha e que saciava a volúpia acertada. A cidade era em mim os braços de abraços apertados quando eu mais me explodia de força para viver. A cidade era em mim as pernas abertas da mais apetitosa das bagas que me embriagava e queria sempre mais. A cidade era em mim toda doação e eu usava e abusava sem um tostão da puta, a mulher que era a mãe e desconhecida, numa incestuosa loucura de órfão pagão. Um dia eu voltei e a cidade de novo era braços de frevos abertos de Luis Bandeira embalando a chegada de quem era só couro e osso e não podia chorar porque todos os seios, bocetas e beijos, carinhos e chupadas estavam ligadas eletrizando a minha libido e beliscando todo meu sexo que não sabia outra coisa senão sonhar de gozo por todos os dias, tardes e noites do Recife. Aí eu fiquei até me esgueirar por todas as ruas, becos, sarjetas, favelas da Maria Recife que sempre me agarrava e me alentava e me beijava e manhava para eu não mais fugir de seu dengo até que um dia eu fugi sob olheiras e zarpei por anos afora. Agora eu volto Recife, volto com o coração na mão, batendo biela e pernas qual menino de antes com todos os sonhos incinerados à procura da Maria para acender a vida e descansar meu coração sob sua acolhida e guarda que me surpreende desde menino com todas as poses, acrobacias, closes, cenas, trepadas, gozadas, chupadas que me fazem renascer pra vida. Eu voltei, Recife. Eu voltei pros seus braços. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aqui, aqui e  aqui.

A arte do fotógrafo estadunidense Ralph Gibson. Veja mais aqui e aqui.

 

DITOS & DESDITOS - A confiança, de níveis e tipos variados, está na base de muitas decisões cotidianas que tomamos na orientação de nossas atividades. A natureza especializada da capacidade moderna contribuí diretamente para o caráter errático e descontrolado da modernidade. Pensamento do sociólogo britânico Anthony Giddens. Veja mais aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: A religião diz respeito a toda a humanidade; filosofia distinta dela, apenas daqueles que estão livres dos assuntos do mundo ... e de fato os prazeres desta vida são tão insignificantes e transitórios, e seus cuidados são tantos e amargos, que eu acho que alguém deve estar muito infeliz e estúpido, não buscar satisfação em outra coisa, se alguém acredita que ela pode ser encontrada. Trecho da Carta 1040 para Locke (1688- De Beer, 1976), da filósofa inglesa Damaris Masham (1659-1708), autora das obras Occasional Thoughts in Reference to a Vertuous or Christian life (A. and J. Churchil, 1705) e Leibniz’s ‘New System’ and Associated Contemporary texts (Claredon, 1997). Veja mais aqui.

 

A VIDA, REPRESENTAÇÕES & EDUCAÇÃO – […] a história, compreendida como o movimento pelo qual as pessoas criam os seus ambientes e, portanto, a si mesmas, não é mais do que uma continuação do processo evolucionário [...] o conhecimento não se processa “dentro de um sacrário mental interior, protegido das múltiplas esferas da vida prática, mas em um mundo real de pessoas, objetos e relacionamentos [...]. Trechos extraídos de Da transmissão de representações à educação da atenção (Educação, 2010), do antropólogo britânico Tim Ingold. Já no ensaio Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais (Horizontes Antropológicos, 2012), ele expressa que: [...] É claro, assim como a aranha, as vidas das coisas geralmente se estendem ao longo não de uma mas de múltiplas linhas, enredadas no centro mas deixando para trás inúmeras “pontas soltas” nas periferias. [...] o crânio é vazado, e que é a mente que vaza através dele! Seja como for, o que busquei aqui foi voltar à declaração de Bateson e levá-la um passo à frente. Quero sugerir que não é apenas a mente que vaza, mas as coisas de modo geral. E elas o fazem ao longo dos caminhos que seguimos à medida que traçamos os fl uxos de materiais do ASO. [...], considerando o ASO como ambiente sem objetos. Já no ensaio Earth, sky, wind and weather (Journal of the Royal Anthropological Institute - N.S., 2007), ele expressa que: [...] as nuvens não é ver a mobília do céu, mas vislumbrar o céu-em-formação, nunca o mesmo entre um momento e outro. Novamente, nuvens não são objetos, e sim coisas. [...]. Por fim, no seu livro Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição (Vozes, 2015), ele assinala que estar vivo significa: [...] se mover, conhecer e descrever não são operações separadas que se seguem uma as outras em série, mas facetas paralelas do mesmo processo – o da vida mesma [...] aprenderíamos mais se nos envolvêssemos com os materiais, seguindo o que acontece com eles enquanto circulam, misturam-se uns aos outros, solidificando-se e se dissolvendo, formando coisas. [...] cada ser está destinado a combinar vento, chuva, sol e terra na continuação de sua própria existência [...] Habitar o mundo é se juntar ao processo de formação. E o mundo que se abre aos habitantes é fundamentalmente um ambiente sem objetos – numa palavra, ASO. [...] As coisas estão vivas, como já notei, porque elas vazam. A vida no ASO não é contida; ela é inerente às próprias circulações de materiais que continuamente dão origem à forma das coisas ainda que elas anunciem sua dissolução. Com efeito, tomar a vida de coisas pela agência de objetos é realizar uma dupla redução: de coisas a objetos, e de vida a agência. A fonte dessa lógica redutivista é, acredito, o modelo hilemórfico. Quero sugerir que o ASO não é um mundo material mas um mundo de materiais, de matéria em fluxo. Seguir esses materiais é entrar num mundo, por assim dizer, em fervura constante. No lugar de compará-lo a um grande museu ou loja de departamentos nos quais os objetos encontram-se dispostos de acordo com seus atributos ou origem, seria melhor imaginar o mundo como uma grande cozinha, bem abastecida com ingredientes de todo tipo. Como os praticantes no ASO, o que o cozinheiro, o alquimista e o pintor fazem não é impor forma à matéria, mas reunir materiais diversos e combinar e redirecionar seu fluxo tentando antecipar aquilo que irá emergir. Como parte da fábrica do ASO, as cerâmicas não são mais estáveis que corpos; são constituídas e mantidas no lugar dentro de fluxos de materiais. Deixados ao léu, os materiais fogem do controle. Potes se quebram, corpos desintegram. Esforço e vigilância são necessários para manter as coisas intactas, sejam elas potes ou pessoas. O mesmo vale para o jardineiro, que deve estar sempre vigilante para impedir que o jardim se transforme numa mata. A coisa, todavia, não é só um fio, mas um certo agregar de fi os da vida. É nesses fluxos e contrafluxos, serpenteando através ou entre, sem começo nem fi m – e não enquanto entidades conectadas com limites interiores ou exteriores – que as coisas são evidenciadas no mundo do ASO. Quero sugerir que não é apenas a mente que vaza, mas as coisas de modo geral. E elas o fazem ao longo dos caminhos que seguimos à medida que traçamos os fluxos de materiais do ASO. Veja mais aqui.

 

NEUROMANCER – [...] Hoje ele dormia nos caixões mais baratos, os que ficavam perto do porto, embaixo das lâmpadas halógenas de quartzo que iluminavam as docas a noite inteira como vastos palcos; onde você não conseguia ver as luzes de Tóquio por causa do brilho do céu de televisão […]. Na época, operava num barato quase permanente de adrenalina, subproduto da juventude e da proficiência, conectado a um deck de ciberespaço customizado que projetava sua consciência desincorporada na alucinação consensual que era a matrix. Ladrão que trabalhava para outros ladrões, mais ricos, empregadores que forneciam software exótico necessário para penetrar as muralhas brilhantes de sistemas corporativos, abrindo janelas para campos de dados. [...] Night City era como uma experiência malsucedida de darwinismo social, projetada por um pesquisador entediado que não tirava o dedo do botão fast-foward. Pare de assaltar e você afunda sem deixar rastros, mas mova-se um pouco rápido demais e você quebra a frágil tensão de superfície do mercado negro; de qualquer uma das duas maneiras, você já era, e não sobra nada seu a não ser uma vaga lembrança na mente de uma figura tipo Ratz, embora o coração, os pulmões e os rins possam sobreviver a serviço de algum estranho que neoienes para pagar os tanques das clínicas. [...] Julius Deane tinha cento e trinta e cinco anos de díade. Seu metabolismo era constantemente alterado por uma fortuna semanal em soros e hormônios. Sua primeira linha de defesa contra o envelhecimento era uma peregrinação anual a Tóquio onde cirurgiões genéticos ressetavam o código de seu DNA, um procedimento que não era disponível em Chiba. [...] Meu nome é Molly. Estou coletando você para o homem para quem trabalho. Ele só quer falar com você, só isso. Ninguém quer te machucar. - Que bom. - Só que às vezes eu machuco as pessoas, Case. Acho que é o meu hardware. – Ela vestia jeans de couro preto justíssimos e uma jaqueta preta grande feita de algum material fosco que parecia absorver a luz – Se abaixar essa arma de dardos, você vai se comportar, Case? Você parece do tipo que gosta de se arriscar estupidamente. - Epa, sou gente boa. Sou o maior mané, sem problema. - Isso é ótimo, cara. - A pistola de dardos desapareceu dentro da jaqueta preta. _ Porque se você tentar foder comigo, vai fazer uma das maiores merdas de toda a sua vida. [...] – Nós construímos um modelo detalhado. Fizemos uma extrapolação para cada um dos seus nicks e rodamos um perfil superficial em alguns softwares militares. Você é suicida, Case. O modelo dá a você um mês no máximo. E nossa projeção médica diz que vai precisar de um pâncreas novo daqui a um ano. […] – O que você diria se eu lhe dissesse que poderíamos corrigir seu dano neural, Case? [...]. Ele fechou os olhos. Encontrou a face em relevo do botão de Power. E, na escuridão iluminada de sangue atrás de seus olhos, fosfenos prateados queimando na borda do espaço, imagens hipnagógicas se alternando rapidamente como filmes compilados a partir de frames aleatórios. Símbolos, figuras, rostos, uma mandala fragmentada de informação visual. [...]. Por favor, ele rezou, agora… Um disco cinza, da cor do céu de Chiba. Agora… O disco começou a girar, tornando-se uma esfera de um cinza mais claro. Expandindo… E flui, floresceu para ele, um truque de origami de neon fluido, o desdobrar de sua casa sem distância, seu país, um tabuleiro de xadrez 3D transparente se estendendo até o infinito. […] E, em algum lugar, ele estava rindo, em um loft pintado de branco, dedos distantes acariciando o deck, lágrimas de libertação correndo pelo rosto. [...] As costas da jaqueta do homem caído incharam e explodiram: o sangue espirrou na parede e na porta. Um par de braços impossivelmente compridos, de cor rosa-acinzentado, com tendões parecidos com cordas, se flexionou no clarão. A coisa parecia ter se levantado sozinha do calçamento, atravessando a ruína inerte e ensanguentada que fora Riviera. [...] Zion havia sido fundada por cinco operários que se recusaram a voltar, que deram suas costas ao poço gravitacional e começaram a construir. Sofreram perda de cálcio e encolhimento cardíaco antes que a gravidade rotacional fosse instalada no toroide central da colônia. Visto da bolha do táxi, o casco improvisado de Zion lembrou Case do patchwork de barracos de Istambul, as placas irregulares e descoloridas rabiscadas a laser com símbolos rastafári e as iniciais dos soldadores. [...] – Não fode. Você tem uns amiguinhos classudos, hein? – Ele levantou uma sobrancelha. Colocou o braço ao redor dela e a mão no quadril. – Como é que você fez para conhecer esses aristos, Cathy? Você é algum tipo de riquinha enrustida? Você e Bruce são herdeiros secretos de um crédito antigo dos bons? Hein? […]. Trechos extraídos da obra Neuromancer (Aleph, 1991), do escritor e roteirista américo-canadense William Gibson. Veja mais aqui.

 

OS AMANTES - Caules. Solidões / Ligeiras. Varandas / Esvoaçantes? – Montes, / Bosques, aves , ares. / Tanto, tanto espaço / Cingido de presença / Móvel de planetas / Os abraços teimosos. / Gozos, massas, gozos, / Massas, plenitude, / Luz atônita / E vermelhos absortos! / E o dia? A lisura / Do vidro. Mudo, / O quarto afunda-se, / Varandas em branco. / Só , amor, tu mesmo, / Túmulo. Nada, nada, / Túmulo. Nada, nada, / Mas... Tu comigo? Poema do poeta e crítico literário espanhol Jorge Guillén (1893—1984).

 

ZINE TATARITARITATÁ – Já está circulando tanto o impresso como online (versão em arquivo pdf) a mais nova edição do Zine Tataritaritatá. Confira.








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