CAJUEIRO – O menino havia muito
tempo esquecido. Bastou num relance dar de frente com um pendúnculo carnoso daqueles
bem apetitosos, chega deu água na boca. Estava ali no meio de um montão de
outros na floração de frondosa árvore sobre o muro alto do Colégio das Freiras,
dele logo se ver desde antanho na colheita da fartura e abundância dos
prazeres. Era só no tempo da estação dele assoletrar o nome, cantarolando às
lambidas e chupadas na saborosíssima fruta tupi da anacardiácea. Sabia das
propriedades terapêuticas das coisas populares, como doutras coisas mais
aprendidas com as lições caetés, sábios indígenas que contavam os anos tomando
cauim: que Miss Pepa não podia mais ocultar os seus bem maduros, do Domingos
que chupava do muito no balaio da sua existência, o infortúnio das que viraram
flores desde que nasceram e quantos outros treparam-se ao costado alheio dos
provectos. Sabia da flor, do sumo e do cheiro agradável do sacocarpo, e das
folhas quantas, atrepado nos galhos cantando a novena e batendo palma ao som do
tambor, bombo e pífano na dança excitante e sensual pelas casas amigas no ritmo
da marcha. Deixou-se levar pelas rememoranças. Desta vez esquecia compromissos sisudos
e tantos afazeres inadiáveis do dia pra tarde, imaginando a castanha guardada a
cada ano, o verdadeiro fruto que se come torrado. Lá foi ele então ânimo
infantil tentar alcançar a fruta. Cadê-lo? E pegou pedras no chão, tocos,
taliscas, seixos, nada de acertar. Será o impossível? O que lhe vinha à mão
sacudia na pontaria e nada daquilo cair. Caçou ao redor o que fosse e, já
inquieto, sacou dos bolsos o molho de chaves e tome! Errou de novo. O pior:
cadê as chaves que não caíram de volta. Pronto! Agora deu! Impou, olhou pros
lados, tentou subir o muro alto, escorregou; fez carreira para pular e tentar
alcançar galho que fosse, caiu estatelado. Teibei! Rasgou a boca, os fundilhos
rasgado com a bunda de fora. Logo a meninada estudantil passava por ele
curiosa. Ajudaí, menino! Como? Arruma uma escada, tamborete, cadeira, o que
for! Oxe! Minha chaves estão lá pendurada, preciso delas! Já desconfiavam. Nem
ligou da maior vergonha que passava. Bora, anda! Quase exausto, alguém em
socorro: Mas, rapaz, como é que pode?! Teve que abrir o jogo, não sem uma
gaitada do ajudante: Tu nessa idade metido em trelas! Pois é. Entre cabisbaixo
e satisfeito: chaves de volta. Pega aquele ali pra mim! Rapaz, foi por isso? Só
pode. Já anoitecia e o céu repousava uma tropa de estrelas minguantes, e rememorava: foram trinta dias de gracejo para
uma decepção e tantos pezares. Chuvas antigas aguando agora o ânimo em farrapos
com soterrados parentes: a vida de cabeça pra baixo e, apesar da idade de
décadas, não contava mais janeiros, só seus quase setenta cajus. Era reviver o
cajueiro da infância. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
DITOS & DESDITOS - Nestes
momentos existe a convicção de que não há outra alternativa. A cada dia me
torno mais enfático. O caminho é difícil e complexo, entre um terreno que é
desconcertante e tem que ser muito rigoroso... Pensamento da jornalista
e escritora espanhola Pilar Rahola i Martínez.
ALGUÉM FALOU: Falta alguma coisa na vida da pessoa que lê, e é
isso que ela procura no livro. O sentido, evidentemente, é o sentido de sua
vida, dessa vida que para todo mundo é torta, mal vivida, explorada, alienada,
enganada, mistificada, mas acerca da qual, ao mesmo tempo, aquele que a vive,
sabe muito bem que poderia ser outra coisa... Pensamento do filósofo,
dramaturgo e escritor francês Jean-Paul Sartre (1905-1986). Veja mais
aqui, aqui e aqui.
TEATRO – [...] Vamos ao teatro para penetrar no camarim, na
antecâmera dessa precária morte que será o sonho. Pois ao anoitecer se
celebrará uma Festa, a mais grave, a derradeira, algo muito próximo dos nossos funerais.
Quando a cortina se levanta, entramos no lugar onde se preparam os simulacros
infernais [...]. Trecho extraído da obra El Objeto Invisible –
Escritos sobre arte, literatura y teatro (Jérôme Neutres,1997), do escritor e dramaturgo francês Jean
Genet (1910-1986). Veja mais aqui, aqui e aqui.
O ZEN E A
ESCRITA CRIATIVA - [...] Você deve ficar bêbado escrevendo para que a realidade
não possa destruí-lo. [...] Nunca ouvi ninguém que criticasse meu gosto
por viagens espaciais, espetáculos paralelos ou gorilas. Quando isso ocorre, arrumo meus dinossauros e saio da
sala. [...] Todas as
manhãs pulo da cama e piso numa mina terrestre. A mina terrestre sou eu. Depois da explosão, passo o resto do dia juntando as peças. [...] Esse é o grande segredo da criatividade. Você trata as ideias como gatos: você faz com que elas o
sigam. [...] Você
fica faminto. Você tem febre. Você conhece alegrias. Você não consegue dormir à noite, porque suas ideias de
criatura bestial querem sair e te viram na cama. É uma ótima maneira de viver. [...] O enredo nada mais é do que pegadas deixadas na neve depois que seus
personagens passam correndo a caminho de destinos incríveis. [...] E o que, você pergunta, a escrita nos ensina? Em primeiro lugar, lembra-nos que estamos vivos e que
isso é uma dádiva e um privilégio, não um direito. [...] Quais são as melhores e as piores coisas
da sua vida, e quando você vai começar a sussurrar ou gritar? [...] Temos
nossas artes, então não morreremos de verdade [...] Devemos pegar em armas todos os dias, talvez sabendo que
a batalha não pode ser totalmente vencida, mas devemos lutar, mesmo que seja
apenas um ataque suave. O menor esforço para vencer significa, no final de cada
dia, uma espécie de vitória. Lembre-se daquele pianista que dizia que se não
praticasse todos os dias saberia, se não praticasse dois dias, a crítica
saberia, depois de três dias, o seu público saberia. Uma variação disso é
verdadeira para escritores. Não que o seu estilo, seja ele qual for, iria
perder a forma nesses poucos dias. Mas o que aconteceria é que o mundo iria
alcançá-lo e tentar adoecê-lo. Se você não escrevesse todos os dias, os venenos
se acumulariam e você começaria a morrer, ou a agir como um louco, ou ambos. [...] Leia poesia todos os dias da sua vida. A poesia é boa porque flexiona
músculos que você não usa com frequência suficiente. A poesia expande os
sentidos e os mantém em perfeitas condições. Mantém você consciente de seu
nariz, olho, ouvido, língua, mão. E, acima de tudo, a poesia é uma metáfora ou
símile compactada. Tais metáforas, como as flores de papel japonesas, podem
expandir-se em formas gigantescas. As ideias estão por toda parte nos livros de
poesia, mas raramente ouvi professores de contos recomendá-los para folhear.
Que poesia? Qualquer poesia que faça seu cabelo ficar em pé ao longo dos
braços. Não se force demais. Vá com calma. Com o passar dos anos, você poderá
alcançar, equilibrar-se e ultrapassar T. S. Eliot em seu caminho para outras
pastagens. Você diz que não entende Dylan Thomas? Sim, mas o seu gânglio sim, e
a sua inteligência secreta, e todos os seus filhos ainda não nascidos. Leia-o,
como você pode ler um cavalo com os olhos, libertado e avançando sobre uma
campina verde sem fim em um dia de vento. [...] Escrever
deveria ser difícil, angustiante, um exercício terrível, uma ocupação terrível. [...] Em sua leitura, encontre livros para
melhorar seu senso de cor, seu senso de forma e tamanho no mundo. [...] Nunca
deixamos nada de fora. Somos xícaras, silenciosamente e constantemente sendo
preenchidas. O truque é saber como nos virar e deixar sair as coisas
bonitas. [...] A
nossa é uma cultura e uma época imensamente rica em lixo e em tesouros. [...]
Agora que você está completamente
confuso, deixe-me fazer uma pausa para ouvir seu próprio choro consternado. [...] Precisamos de nossas artes para nos ensinar como respirar
[...] A vida é como
roupa íntima, deve ser trocada duas vezes ao dia. [...] E metáforas como
gatos por trás do seu sorriso, Cada um acabou ronronando, cada um um orgulho,
Cada um deles é uma bela fera de ouro que você escondeu dentro [...] Esta
tarde, queime a casa. Amanhã, despeje água crítica sobre as brasas. Tempo suficiente para pensar, cortar e reescrever amanhã. Mas hoje-explodir-desmoronar-desintegrar! Os outros seis ou sete rascunhos serão pura tortura. Então, por que não aproveitar o primeiro rascunho, na
esperança de que sua alegria procure e encontre outras pessoas no mundo que, ao
lerem sua história, também pegarão fogo? [...] Quem são seus amigos? Eles acreditam em você? Ou eles atrapalham o seu crescimento com o ridículo e a
descrença? Neste último caso, você não tem amigos. Vá encontrar alguns. [...] Pense em Shakespeare e Melville e você pensará
em trovões, relâmpagos, vento. Todos conheceram a alegria de criar em formas grandes ou
pequenas, em telas ilimitadas ou restritas. Estes são os filhos dos deuses. [...]. Trechos extraídos da obra Zen in the Art of
Writing: Releasing the Creative Genius Within You (LeYa, 2011), do escritor estadunidense Ray Bradbury (1920-2012), tratando sobre
dicas de escrita criativa do gênio e compartilhando sua sabedoria, experiência
e estímulo de uma vida de escritor, uma celebração do ato da escrita, que
encanta, exalta e inspira qualquer aspirante a escritor. Veja mais aqui, aqui,
aqui, aqui e aqui.
CREPÚSCULO – [...] Eu gosto da noite. Sem a escuridão, nunca veríamos as
estrelas. [...] Decidi que já que vou para o inferno, é melhor fazê-lo completamente. [...] A morte é pacífica, a vida é mais difícil [...] Ainda mais, eu nunca tive a intenção de amá-lo. Uma coisa que eu realmente sabia -
sabia na boca do estômago, no centro dos meus ossos, sabia do topo da minha
cabeça até a planta dos pés, sabia no fundo do meu peito vazio - era como o
amor dava a alguém o poder
de quebrar você [...] Crepúsculo, novamente. Outro
final. Não importa quão perfeito seja o
dia, ele sempre tem que acabar. [...].
Trechos extraídos da obra Twilight (Intrínseca, 2008), da escritora
estadunidense Stephenie Meyer. Veja mais aqui e aqui.
PERTO - perto,
longe \ desta pequena história\ expandiu-se para que tudo parasse.\ você os
ouve dizer:\ O que importa a sua tristeza, \ sua alegria,\ seu buraco que está
selado para sempre,\ seu pequeno prazer,\ sua solidão\ olhe para trás e olhe
para todos os lugares.\ Eu olho,\ de milhões de pequenas histórias\ tudo está
preenchido:\ Faz diferença que o rasgo \ que às vezes me acompanha e me
abandona\ Ele derrete com o ar?\ Faz diferença se algum rosto\ tropeçar no meu
punho, \ se houver algum ouvido atento\ rola ao som da minha música
imperceptível?\ O que isso importa, eu digo a mim mesmo\ quantas risadas
futuras \ fluir do meu prazer para outra lágrima?\ Faz diferença se minha dor\ faz
feliz a gentileza de um caminhante?\ olhando minhas unhas\ e procurando por
esta pequena história\ dentro dos meus olhinhos\ Eu descubro a partícula
gigante\ onde moro. Poema da escritora e artista visual portorriquenha Angelamaría
Dávila Malavé (1944–2003).