segunda-feira, janeiro 13, 2014

SOPHIE KINSELLA, LUCÍA SAORNIL, GORKI, STANISLAVSKI, TCHÉKHOV, FREUD, DAWSON, WENDERS & MARCANTONHO

 

O CORAÇÃO DE MARCANTONHO - Marcantonho nasceu no meio de um susto! Foi: acometido de uma cardiomegalia gigantesca, dos médicos não saberem se era gente ou que bicho fosse aquele. Sim, ele literalmente era Maiakovski: era todo coração. Logo virou xodó de mãe, das irmãs, tias, parentada e vizinhas: galeguinho dos olhos azuis. Crescia e ganhava cada vez mais simpatias de casadas, viuvas e mal-amadas. Adolesceu na buraqueira do rock pauleira, habilitando-o a berrar nos microfones e ouvidos das fêmeas alheias. O que deu muito certo, por sinal: virou crooner de banda de bairro e sucesso nas paradas. Aos 17 foi arrastado pela onda hippie e sumiu na poeira com uma amada em nome da paz e do amor. Alguns anos depois retornou à casa com a cara no chão. Seus pais para lá de amáveis acolheram o retorno do filho pródigo ao seio familiar, não contando ele com as olhadelas de soslaios severos dos 4 irmãos, 3 irmãs e até duma tia inválida que não via nada nem dizia coisa com coisa e falava pelos cotovelos. Foi o tempo de passar piongo para a remissão, no agrado de todos, empregando-se na loja da família. Não demorou muito e quando procuravam-no no estabelecimento comercial recebiam a informação que ele havia saído meia hora antes de chegar. E se picava, maior escapulida de incorporar em carne e osso o Charles Denner do L'Homme qui aimait les femmes de Truffaut, um verdadeiro Serge Gainsbourg no palco para aplausos efusivos e delírios vaginais das tietes presentes nas plateias, pistas e dancings. Sentia-se o verdadeiro Bertrand Morane sob os suspiros de Hélène, nos braços de Geneviève, afagando os seios de Brigitte, entre as coxas Nelly, embaixo das saias de Delphine, alisando as faces de Leslie, trocando pernas com Véra, sarrando com Nathalie, sucumbindo aos encantos de Martine, nas vertigens de Velérie, aos fungados na Fabienne, esta justamente que ele se achou um verdadeiro Jean-Claude Brialy no Le genou de Claire de Éric Rohmer. Foram tantas que ele até perdeu a conta, tendo-as todas por gloriosas e radiantes aos seus olhos, realizando seu sonho próximo, ou mesmo superior, ninguém sabe ao certo, às mais de 5 mil mulheres das Memórias de Casanova, vez que possuia a segurança, confiança e contemplação do Don Juan de Marco, submetendo-se entre elas em ménage à trois, quando não às surubas com muitas delas duma vez só. Algumas, aquelas não achegadas aos engalfinhamentos indiscriminados, nem postulantes às suas promiscuidades, as ditas exclusivistas batiam o pé: ele devia ser só de uma, mais ninguém. Uma dessas o acusou de Barba Azul malthusiano. Não, não era, soube-se logo; era apenas vingança de possessiva - que ele contribuisse para explosão demográfica, vá lá que seja, isso é uma coisa; outra é levar o planeta ao colapso, diga-se de passagem, a menos que se leve na conta do canibalismo, aí pode até ser mesmo uma inata mania ginófaga dele. Contudo, para a maioria das amadas, mesmo até as racionalmente enciumadas, ele nunca fora predador e unanimemente condescendiam: como possuía o coração grandioso amava a todas indistintamente. O que se sabia ao certo é que mesmo entre uma e outra desaforada jurando-o de morte, no final das contas, depois de certo tempo todas estavam pacificadas – contando-se de tantas que foram internadas em hospícios, mas seguramente recuperadas depois de longa estadia para tratamentos -, todas se mantinham até então perdidamente apaixonada por ele. Esta foi a motivação para fazer vasectomia – preveniu-se antes que muito bruguelo chorasse no pé do ouvido ou qualquer jactante ofedindo o capasse. Ó. Se bem que cada rebento de cada uma delas, ao se ver abandonado, a vítima sacudia a prole na caixa dos peitos da sua mãe. Afinal, vó é pra quê mesmo, hem? Dizia ele por molecagem. E lá estava a coitada: depois de cuidar de 8 filhos e uma prima, agora dava conta de uma verdadeira creche endemoninhada, vez que era pimpolho pulando pelo ladrão – já que esborravam pelas janelas, portas e muros. Pois bem. Uma dia lá enclausurado incógnito num quarto de hotel resolveu abrir uma das malas – justo aquela que jamais se esquecia -, e ao rever os bilhetes e cartas enviadas entre calcinhas presentadas pelas ex-amadas deu-lhe, de repente, uma dor no peito: Hi, que é que tá havendo? Um aperto no tórax dilacerante e teve um pirapaque: ficou acamado acometido de uma hipoplasia cardíaca. Como assim? Vôte! Logo correu um boato que ele havia morrido, o que levou a uma reunião de todas as suas pretéritas relações amorosas ao recinto hospitalar, devidamente acompanhadas de seus filhos e netos para o seu suposto sepultamento. Virou um escarcéu. Todas elas vieram de longe, muitas e oriundas de todos os pontos cardeais, até do exterior e do escambau a quatro inferno adentro. Até uma alienígena duma galáxia ultradistante apareceu com uma tuia de Ets graúdos e uns Etzinhos reinvidicando a saúde paterna. É mole? No meio da agonia daquele pandemônio e dos muitos diagnósticos refutados, logo ele se recompôs e à saída todo sorridente desculpou-se: é que cada uma delas ao abandoná-lo levara um taco do seu coração, a ponto de quase morrer descoraçãozado. Eita! Agora não, já estava firme, pronto pra outras e se cuidando ocasionalmente ora da uma disritmia doida, ou duma disfunção arretada atropelando a contração do bombeamento cardíaco pela sobrecarga de emoções. Não é melhor se aquietar não, véi? Veja mais aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Quando tinha aproximadamente vinte anos comecei a entender que tinha visto, ouvido e experimentado muitas coisas sobre as quais devia falar a outras pessoas. Parecia-me que compreendia e sentia certas coisas de uma forma distinta que os demais. Isto me preocupava e me punha inquieto e loquaz. Pensamento do escritor e dramaturgo russo Máximo Gorki (1868-1936). Veja mais aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Aprende a ser um bom artesão. Isso não te impedirá de ser um gênio... Pensamento do artista plástico do Romantismo francês Eugène Delacroix (1798-1863). Veja mais aqui e aqui.

 

ALGUÉM MAIS FALOU: A técnica é que liberta o talento... Pensamento do escritor, diretor, pedagogo e ator russo Constantin Stanislavski (1863-1938). Veja mais aqui.

 

ESCRITA CRIATIVA – [...] A Escrita Criativa é, na essência, o retorno das humanidades à vida acadêmica. [...]. Trecho extraído da obra Creative writing and the new humanities (Routledge, 2005), do escritor australiano Paul Dawson.

 

A MULHER DO FARMACÊUTICO - [...] Há muito tempo que tudo dorme. Só não dorme a jovem esposa do farmacêutico Tchornomórdik, dono da farmácia de B. Por três vezes ela já se deitou – mas o sono teima em não vir – e não se sabe por quê. Ela sentou-se junto à janela aberta, de camisola, e olha pra a rua. Está com calor, aborrecida, entediada – tão entediada que tem atévontade de chorar, mas o porquê – também não sabe. [...] Trecho do conto do escritor Anton Tchékhov (1860–1904), contando a história de uma jovem senhora que é casada e explorada por um homem muito mais velho que ela e que, passa todos os seus dias presa em um Botica, trabalhando enquanto o marido dorme. Fica implícito no conto que essa moça deseja ardentemente um outro estilo de vida, talvez uma redenção, uma salvação ou apenas uma oportunidade de ir embora desse lugar, abandonando uma vida sem sentido. A importância dessa história simples e curta é que ela representa a vida de muitas mulheres pelo mundo a fora. Uma curiosidade: o paradoxo de Tchékhov, citado em Teses sobre o conto - Formas breves (Companhia das letras, 2004), de Ricardo Piglia, observa que: [...] Num de seus cadernos de notas, Tchékhov registra esta anedota: "Um homem em Monte Carlo vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, suicida-se". A forma clássica do conto está condensada no núcleo desse relato futuro e não escrito [...]. Veja mais aqui e aqui.

 

A DEUSA NÃO DOMESTICA – […] às vezes você não precisa de um objetivo na vida, não precisa conhecer o panorama geral. você só precisa saber o que fará a seguir! [...] Se aprendi uma lição com tudo o que aconteceu comigo, é que não existe o maior erro da sua existência. Não existe isso de arruinar sua vida. A vida é uma coisa bastante resiliente, ao que parece [...] Minha vida mudou e estou mudando com ela. [...]. Trechos extraídos da obra The Undomestic Goddess (Black Swan, 2006), da escritora britânica Sophie Kinsella, autora da frase: Quando as coisas dão errado na vida, você levanta o queixo, abre um sorriso encantador, prepara um coquetel... Veja mais aqui.

 

DOIS POEMAS - SERENIDADE - Eu quero serenidade, eu disse a mim mesmo um dia \ Quero que a serenidade morra. \ Eu, que enfrentei a vida sem desistir Aceitarei a morte sem resistência. \ Não quero que minha impaciência leve a melhor sobre mim, que essa espera absurda sem esperança \ Não me torture assim de uma agonia turva de consciência. \ Para passar o temido equador \ Eu quero minha rebelião, calma e o ímpeto domesticado e contido. \ Que, se no final, para morrer eu tiver que me render, Não devo ser teimoso com a morte. \ Quero que a serenidade morra. SONHAR, SEMPRE SONHAR - Você jogou e perdeu, isso é a vida \ Ganhar ou perder não importa; o que importa é colocar na peça uma fé alegre e ardente \ Você amou tudo e tudo sem medida \ Como você pode se sentir desapontado se você fosse crucificado por amor com um prego de luz em cada ferida? \ Nas teias do esquecimento eles tecem sonho transporta outra esperança de um morrer diário \ renascendo porque um novo entusiasmo nos transporta para outro sonho vislumbrado ao longe \ e na vida sonhar é o que importa. Poemas da escritora, jornalista e líder anarquista espanhola Lucía Sánchez Saornil (1895-1970). Veja mais aqui.

 

O CINEMA DE WIM WENDERS & MARION – A atriz francesa Solveig Dommartin (1961-2007), atuou como musa e companheira do cineasta alemão Wim Wenders e teve sua carreira iniciada no teatro e, em seguida, estrelou o filme Der Himmel über Berlin (Asas do Desejo), um drama romântico fantástico como a personagem Marion. Este filme foi inspirado em Rainer Maria Rilke e conta uma história ocorrida na devastada Berlim separada pelo Muro, em que os anjos Damiel e Cassiel, acompanham as almas perdidas que sofrem e se desesperam em silêncio. Eles assistem às desventuras terrenas, mas não podem sentir as dores e alegrias humanas. Damiel não escapa incólume de sua condição divina, ao se apaixonar pela trapezista Marion e não poder consumar seu desejo. Para poder tocá-la, ele deve deixar de ser anjo e tornar-se humano, perdendo sua condição imortal. Para guiá-lo em sua escolha, surge um anjo caído que soube fazer a transição entre os dois mundos. Já o cineasta, dramaturgo e fotógrafo Wim Wenders realizou diversos filmes, entre eles Schauplätze (1967), Summer in the City (1970), Alice in den Städten (1974), Falsche Bewegung (1975), Chambre 666 (1983), Paris, Texas (1984), entre muitos outros. Veja mais aqui.

 

O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO DE SIGMUND FREUD - [...] A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la, não podemos dispensar as medidas paliativas. ‘Não podemos passar sem construções auxiliares’, diz-nos Theodor Fontane. Existem talvez três medidas desse tipo: derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça; satisfações substitutivas, que a diminuem; e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a ela. Algo desse tipo é indispensável. Voltaire tinha os derivativos em mente quando terminou Candide com o conselho para cultivarmos nosso próprio jardim, e a atividade científica constitui também um derivativo dessa espécie. As satisfações substitutivas, tal como as oferecidas pela arte, são ilusões, em contraste com a realidade; nem por isso, contudo, se revelam menos eficazes psiquicamente, graças ao papel que a fantasia assumiu na vida mental. As substâncias tóxicas influenciam nosso corpo e alteram a sua química. Não é simples perceber onde a religião encontra o seu lugar nessa série. Temos de pesquisar mais adiante. [...] Esforçam-se para obter felicidade; querem ser felizes e assim permanecer. Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa. Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer. Em seu sentido mais restrito, a palavra ‘felicidade’ só se relaciona a esses últimos. Em conformidade a essa dicotomia de objetivos, a atividade do homem se desenvolve em duas direções, segundo busque realizar - de modo geral ou mesmo exclusivamente - um ou outro desses objetivos. [...] A religião restringe esse jogo de escolha e adaptação, desde que impõe igualmente a todos o seu próprio caminho para a aquisição da felicidade e da proteção contra o sofrimento. Sua técnica consiste em depreciar o valor da vida e deformar o quadro do mundo real de maneira delirante - maneira que pressupõe uma intimidação da inteligência. A esse preço, por fixá-las à força num estado de infantilismo psicológico e por arrastá-las a um delírio de massa, a religião consegue poupar a muitas pessoas uma neurose individual. Dificilmente, porém, algo mais. Existem, como dissemos, muitos caminhos que podem levar à felicidade passível de ser atingida pelos homens, mas nenhum que o faça com toda segurança. Mesmo a religião não consegue manter sua promessa. Se, finalmente, o crente se vê obrigado a falar dos ‘desígnios inescrutáveis’ de Deus, está admitindo que tudo que lhe sobrou, como último consolo e fonte de prazer possíveis em seu sofrimento, foi uma submissão incondicional. E, se está preparado para isso, provavelmente poderia ter-se poupado o détour que efetuou. [...] A vida humana em comum só se torna possível quando se reúne uma maioria mais forte do que qualquer indivíduo isolado e que permanece unida contra todos os indivíduos isolados. O poder dessa comunidade é então estabelecido como ‘direito’, em oposição ao poder do indivíduo, condenado como ‘força bruta’. A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo decisivo da civilização. [...] A civilização atual deixa claro que só permite os relacionamentos sexuais na base de um vínculo único e indissolúvel entre um só homem e uma só mulher, e que não é de seu agrado a sexualidade como fonte de prazer por si própria, só se achando preparada para tolerá-la porque, até o presente, para ela não existe substituto como meio de propagação da raça humana. [...] o comportamento dos seres humanos apresenta diferenças que a ética, desprezando o fato de que tais diferenças são determinadas, classifica como ‘boas’ ou ‘más’. Enquanto essas inegáveis diferenças não forem removidas, a obediência às elevadas exigências éticas acarreta prejuízos aos objetivos da civilização, por incentivar o ser mau. Não podemos deixar de lembrar um incidente ocorrido na câmara dos deputados francesa, quando a pena capital estava em debate. Um dos membros acabara de defender apaixonadamente a abolição dela e seu discurso estava sendo recebido com tumultuosos aplausos, quando uma voz vinda do plenário exclamou: ‘Que messieurs les assassins commencent! O elemento de verdade por trás disso tudo, elemento que as pessoas estão tão dispostas a repudiar, é que os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. - Homo homini lupus. [...] O interesse pelo trabalho em comum não a manteria unida; as paixões instintivas são mais fortes que os interesses razoáveis. A civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter suas manifestações sob controle por formações psíquicas reativas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificações e relacionamentos amorosos inibidos em sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito. Espera-se impedir os excessos mais grosseiros da violência brutal por si mesma, supondo-se o direito de usar a violência contra os criminosos; no entanto, a lei não é capaz de deitar a mão sobre as manifestações mais cautelosas e refinadas da agressividade humana. Chega a hora em que cada um de nós tem de abandonar, como sendo ilusões, as esperanças que, na juventude, depositou em seus semelhantes, e aprende quanta dificuldade e sofrimento foram acrescentados à sua vida pela má vontade deles. Ao mesmo tempo, seria injusto censurar a civilização por tentar eliminar da atividade humana a luta e a competição. Elas são indubitavelmente indispensáveis. Mas oposição não é necessariamente inimizade; simplesmente, ela é mal empregada e tornada uma ocasião para a inimizade. [...] Essas inter-relações são tão complicadas e, ao mesmo tempo, tão importantes, que, ao risco de me repetir, as abordarei ainda de outro ângulo. A seqüência cronológica, então, seria a seguinte. Em primeiro lugar, vem a renúncia ao instinto, devido ao medo de agressão por parte da autoridade externa. (É a isso, naturalmente, que o medo da perda de amor equivale, pois o amor constitui proteção contra essa agressão punitiva.) Depois, vem a organização de uma autoridade interna e a renúncia ao instinto devido ao medo dela, ou seja, devido ao medo da consciência. Nessa segunda situação, as más intenções são igualadas às más ações e daí surgem sentimento de culpa e necessidade de punição. A agressividade da consciência continua a agressividade da autoridade. Até aqui, sem dúvida, as coisas são claras; mas onde é que isso deixa lugar para a influência reforçadora do infortúnio (da renúncia imposta de fora), e para a extraordinária severidade da consciência nas pessoas melhores e mais dóceis?Já explicamos essas particularidades da consciência, mas provavelmente ainda temos a impressão de que essas explicações não atingem o fundo da questão e deixam ainda inexplicado um resíduo. Aqui, por fim, surge uma idéia que pertence inteiramente à psicanálise, sendo estranha ao modo comum de pensar das pessoas. Essa idéia é de um tipo que nos capacita a compreender por que o tema geral estava fadado a nos parecer confuso e obscuro, pois nos diz que, de início, a consciência (ou, de modo mais correto, a ansiedade que depois se torna consciência) é, na verdade, a causa da renúncia instintiva, mas que, posteriormente, o relacionamento se inverte. Toda renúncia ao instinto torna-se agora uma fonte dinâmica de consciência, e cada nova renúncia aumenta a severidade e a intolerância desta última. Se pudéssemos colocar isso mais em harmonia com o que já sabemos sobre a história da origem da consciência, ficaríamos tentados a defender a afirmativa paradoxal de que a consciência é o resultado da renúncia instintiva, ou que a renúncia instintiva (imposta a nós de fora) cria a consciência, a qual, então, exige mais renúncias instintivas. [...] A repetição da mesma fórmula se justifica pela consideração de que tanto o processo da civilização humana quanto o do desenvolvimento do indivíduo são também processos vitais - o que equivale a dizer que devem partilhar a mesma característica mais geral da vida. Por outro lado, as provas da presença dessa característica geral, pela razão mesma de sua natureza geral, fracassam em nos ajudar a estabelecer qualquer diferenciação [entre os processos], enquanto não for reduzida por limitações especiais. Só podemos ficar satisfeitos, portanto, afirmando que o processo civilizatório constitui uma modificação, que o processo vital experimenta sob a influência de uma tarefa que lhe é atribuída por Eros e incentivada por Ananké - pelas exigências da realidade -, e que essa tarefa é a de unir indivíduos isolados numa comunidade ligada por vínculos libidinais. Quando, porém, examinamos a relação existente entre o processo desenvolvimental ou educativo dos seres humanos individuais, devemos concluir, sem muita hesitação, que os dois apresentam uma natureza muito semelhante, caso não sejam o mesmo processo aplicado a tipos diferentes de objeto. O processo da civilização da espécie humana é, naturalmente, uma abstração de ordem mais elevada do que a do desenvolvimento do indivíduo, sendo, portanto, de mais difícil apreensão em termos concretos; tampouco devemos perseguir as analogias a um extremo obsessivo. Contudo, diante da semelhança entre os objetivos dos dois processos - num dos casos, a integração de um indivíduo isolado num grupo humano; no outro, a criação de um grupo unificado a partir de muitos indivíduos -, não podemos surpreender-nos com a similaridade entre os meios empregados e os fenômenos resultantes. Em vista de sua excepcional importância, não devemos adiar mais a menção de determinado aspecto que estabelece a distinção entre os dois processos. No processo de desenvolvimento do indivíduo, o programa do princípio do prazer, que consiste em encontrar a satisfação da felicidade, é mantido como objetivo principal. A integração numa comunidade humana,ou a adaptação a ela, aparece como uma condição dificilmente evitável, que tem de ser preenchida antes que esse objetivo de felicidade possa ser alcançado. Talvez fosse preferível que isso pudesse ser feito sem essa condição. Em outras palavras, o desenvolvimento do indivíduo nos parece ser um produto da interação entre duas premências, a premência no sentido da felicidade, que geralmente chamamos de ‘egoísta’, e a premência no sentido da união com os outros da comunidade, que chamamos de ‘altruísta’. Nenhuma dessas descrições desce muito abaixo da superfície. No processo de desenvolvimento individual, como dissemos, a ênfase principal recai sobretudo na premência egoísta (ou a premência no sentido da felicidade), ao passo que a outra premência, que pode ser descrita como ‘cultural’, geralmente se contenta com a função de impor restrições. No processo civilizatório, porém, as coisas se passam de modo diferente. Aqui, de longe, o que mais importa é o objetivo de criar uma unidade a partir dos seres humanos individuais. É verdade que o objetivo da felicidade ainda se encontra aí, mas relegado ao segundo plano. Quase parece que a criação de uma grande comunidade humana seria mais bem-sucedida se não se tivesse de prestar atenção à felicidade do indivíduo. Assim, pode-se esperar que o processo desenvolvimental do indivíduo apresente aspectos especiais, próprios dele, que não são reproduzidos no processo da civilização humana. É apenas na medida em que está em união com a comunidade como objetivo seu, que o primeiro desses processos precisa coincidir com o segundo. Assim como um planeta gira em torno de um corpo central enquanto roda em torno de seu próprio eixo, assim também o indivíduo humano participa do curso do desenvolvimento da humanidade, ao mesmo tempo que persegue o seu próprio caminho na vida. Para nossos olhos enevoados, porém, o jogo de forças nos céus parece fixado numa ordem que jamais muda; no campo da vida orgânica, ainda podemos perceber como as forças lutam umas com as outras e como os efeitos desse conflito estão em permanente mudança. Assim também as duas premências, a que se volta para a felicidade pessoal e a que se dirige para a união com os outros seres humanos, devem lutar entre si em todo indivíduo, e assim também os dois processos de desenvolvimento, o individual e o cultural, têm de colocar-se numa oposição hostil um para com o outro e disputar-se mutuamente a posse do terreno. Contudo, essa luta entre o indivíduo e a sociedade não constitui um derivado da contradição - provavelmente irreconciliável - entre os instintos primevos de Eros e da morte. Trata-se de uma luta dentro da economia da libido, comparável àquela referente à distribuição da libido entre o ego e os objetos, admitindo uma acomodação final no indivíduo, tal como, pode-se esperar, também o fará no futuro da civilização, por mais que atualmente essa civilização possa oprimir a vida do indivíduo. [...] A questão fatídica para a espécie humana parece-me ser saber se, e até que ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal causada pelo instinto humano de agressão e autodestruição. Talvez, precisamente com relação a isso, a época atual mereça um interesse especial. Os homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda, não teriam dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que provém grande parte de sua atual inquietação, de sua infelicidade e de sua ansiedade. Agora só nos resta esperar que o outro dos dois ‘Poderes Celestes’, o eterno Eros, desdobre suas forças para se afirmar na luta com seu não menos imortal adversário. Mas quem pode prever com que sucesso e com que resultado? O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO – O livro O mal-estar na civilização, de Sigmund Freud, aborda temas como religião, o propósito da vida, derivativos poderosos, satisfações substitutas e substâncias tóxicas, princípio do prazer e da realidade, a felicidade da quietude e o isolamento voluntário, os amortecedores de preocupações, deslocamentos da libido, aniquilamento dos instintos, a técnica da arte de viver, a vitória do cristianismo, as viagens de descobrimento, o conhecimento das neuroses, a felicidade, o deus de prótese, exigências da civilização, Eros e Ananke, amor e a civilização e a sexualidade, a agressividade, o comunismo, o narcisismo, a pobreza psicológica, a teoria dos instintos, instintos objetais, neuroses de transferência, instintos de vida e de morte, sadismo, o sentimento de culpa, a punição e o remorso. Veja mais aqui e aqui.

REFERÊNCIA
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Abril Cultural, 1978.



VÔTE! VÔTE! INDAGORINHA COISAS DE ANTONTE E DANTANHO!!! 

EDUCAÇÃO BRASILEIRA – Vixe, que calamidade! Essa foi na vera mesmo, desta. Se pedir pro menino, rapaz ou marmanjo para escrever um recado, periga sair uma troçada de garranchos de num se entender nadica de nada. Indagora eu vi um bilhete que me chegou: - Seo Luí, oji é sigunda e inda num pude mi alimpar cum o sinhô, aguardi mai um poço qui tô curreno atrise, viu? Açinado: Afredo Bocoió.

AVISO AOS NAVEGANTES – Onde não tem mata-burro a gente manda ver no trupé!

PENSAMENTO DO DIA: se um dia me perguntarem se o Brasil tem jeito, eu digo: SIM!

O Doro que não se calou e arrotou pesado:

- Basta indurrubá os três poder e todos os níve da Nação, removê todas trepeças de todas institução púbrica e de todos os deserviço púbrico, varrê tudo isso de norte a sul, lesta a oeste, munto bem varrido; lavá bem lavado com sal grosso, unguento, rezas e bafafá – e se fô necessáro, na marra mermo; adispoi limpá bem limpadim com criolina, solução de bateria e removedores ineivados de num deixá um cabelinho-de-sapo de quaiqué safadeza; e, inda mais, adispoi de tudo isso, começá pela vergonha na cara de cada um do brasileiros sem direito a óleo de peroba pra cara-de-pau! Tem jeito? Tenho dito.

ADVERTÊNCIA: NO REINO DO MAMOEIRO - “(...) O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala é um pedacinho de metal...” (João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas).

ARRANCA-RABO INEIVADO!  
Quem se mete p ´r´o meu lado
Pode jurar que se engana...
Me cortem que eu nasço sempre;
Sou que nem soca de cana.
Eu não me embaraço em mofundo,
Quanto mais em gitirana!
No lugar onde eu passar
Não passa nem mucurana!
(A batalha de Inácio da Catingueira com Romano, recolhido de: CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Belo Horizonte/SP: Itatiaia/USP, 1984).

TEIEBI, A BATIDA – Final de semana que se preze sempre deixa uma vítima rendida, estirada e com o cachorro lambendo a cara depois de uma bezerrada macha como resultado dos birinaites a fole botando o jipe pra pegar. Dessa vez o Mamão exagerou na dose, tomou uma e todas da Teibei e até agora está desacordado pra desespero do patrão dele! Segura a onda que o negócio vai feder pra banda desse macorongo. Confira a Teibei.

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MARIA RAKHMANINOVA, ELENA DE ROO, TATIANA LEVY, ABELARDO DA HORA & ABYA YALA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Triphase (2008), Empreintes (2010), Yôkaï (2012), Circles (2016), Fables of Shwedagon (2018)...