Ao som dos álbuns
Villa-Lobos (1998), Aurora Luminosa (2005), Alma Brasileira
(2006), Musica Viva (2007), Música Nova (2007) e Família Real
(2007), todos da Orquestra Sinfônica Nacional – UFF, sob a regência da
maestrina Ligia Amadio.
CADERNO DA
TRAVESSIA: PRIMEIRO ATO – Escrevo pras minhas
pouquíssimas, duas ou três leitoras, precipitando-me pela primeira ponte, na
qual tirei a catinga do mijo. Durou quatro anos: a descoberta até uma estaca
enfiada dilacerando o coração juvenil combalido. Quantas luas se passaram e eu
rebarbativo ouvindo Stephenie Meyer: Ninguém te contou ainda? A vida
não é justa... Disso já sabia: a fealdade denunciou minha punição, nunca
reabilitado, subjugado pelo célebre silêncio - e ausência - alheias, desde
menino. Dos perspicazes uma terrível constatação: todos estão tão negativos
que, até quando concordam, falam por litotes. É que a obsessão se tornou a
praga do desejo e este do querer. Ninguém se imagina aos olhos da posteridade...
SEGUNDO ATO – A segunda travessia, eita! Essa durou quase cinquentanos: longeva
nau, nem Odisseu foi tão avassaladoramente castigado - do Recife à
Maceió sete mares se confundiam em polvorosa, horizonte de nenhum porto seguro.
Era uma gangorra e eu mais que bumerangue, uma montanha russa pior que os catabís
numa roleta pela Cordilheira dos Andes e nem saia do lugar, boiando, parecia. Consumiu
a adolescência, o tino quase adulto e, avalie, com Ray Bradbury ao pé do
ouvido: Temos tudo de que precisamos para sermos felizes, mas não somos
felizes. Alguma coisa está faltando... Tantas, talvez muitas... TERCEIRO
ATO, EX NIHILO – A terceira travessia e nutria zis esperanças. Psiu! Era Berkeley:
Seja percebido. E mais me escondia, como se dois passos a mais e a lua saltasse
aos meus olhos amedrontados pelas iterações. Nada benefectivo, seja lá o que
for: o sangue fervia na veia. Estou sempre pulando no escuro de olhos abertos.
Qual a graça disso? O lixo é meu tesouro, a fonte da libertação. Faço da vida a
minha invenção e quando não serve mais reinvento e revivo. E vou tocar fogo no
mundo e em tudo que aparecer pela frente. Surpresa maior foi o que disse Linda Woolverton: Eu posso deixar minha imaginação ficar louca. Eu apenas
enlouqueço. Então, ao longo dos anos - leva anos para escrever essas coisas,
fazer essas coisas acontecerem - há muitos, muitos, muitos rascunhos... E
nada deu certo: desemboquei na velhice solitária, volição deprimente: era eu o
Velho de Hemingway. Até mais ver.
DOIS POEMAS
Imagem: Acervo ArtLAM.
RASTEJAR - Eu
gostaria de ir com os fantasmas sobre os quais a nação caiu sobre eles, \ mas
eu me cerquei de fogo \ eu não posso \ simplesmente \ ser mais que um
lança-chamas. \ Minha longa cauda tem que abrir \ apenas um caminho para a
fronteira, \ para esta rota criminosa onde \ meu fluxo do Pacífico. \ Não
confio na extensão de arenques fantasmagóricos que engoli, \ Eles estão
doentes, com frio, \ preenchido com o sangue de cereja que meus mortos comeram.
\ Não confio, \ É por isso que tenho que seguir o alcatrão no Vulcano \ perto
do sol do porto. \ Vou mudar de pele e beber do mar. \ Vou esticar meu lombo. \
Vou brincar com os barquinhos e colocar fogo em suas velas. \ Então seus
excitados liliputianos narcotizarão minha alma. \ Eu serei o show da semana, \ a batida de circo do seu céu vai me esgotar \ e eu fugirei \
imitando minha casa em extinção, \ onde escondi meus meteoritos inebriantes. \
Aqui estou eu, o último da minha maldita casta, \ aquele que prevê suas perdas,
\ que prevê \ deles \ perdas \ branco.
UMA MORTE - Uma
morte \ ele é um homem morto, \ muitas coisas são. \ Muitas coisas ainda devo.
\ Contemple sua geada desaparecendo em corpos felizes. \ Ele se desfigura na
memória daqueles que ama, \ Perde a palavra inútil quando é habitada. \ Passarinho
no bico, \ perna de chifre \ banhado em óleo, \ mar de aniquilação, \ de
automóveis rudimentares \ e coração ortopédico. \ Ele manca pensando na
vertigem, tantas vezes amada. \ Os mortos são reinventados \ em cada palavra
negada. \ Eles reciclam uma asa como um braço, \ para sacudir sua geada
ilusória. \ Eles cantam a temporada para nós \ do nosso próprio abraço.
Poemas da
escritora, atriz e artista multidisciplinar peruana Vanessa Martínez Rivero,
autora dos livros A filha do açougueiro
(2007), Couraça (2009), Carne (2012), Cartografias da carne (2012), Redondo (2015) e Um terceiro olho para o tempo da tristeza
(2018).
CONSTELAÇÕES - [...] O derramamento de sangue tem sido historicamente visto como um ato de
heroísmo masculino: desde brigas pelo direito de passagem até esportes de
contato e combate. Eventos infrequentes e aleatórios
vistos como marcos independentes; histórias para contar
depois que a dor - e o tempo suficiente - passar. O sangramento feminino é
mais mundano, mais frequente, mais complicado, apesar de sua existência ser a
razão pela qual toda vida começa [...] Todo mundo está atordoado. Gritando
silenciosamente, fazendo infinitas xícaras de chá. O luto é perplexidade. O luto está circulando
pelas salas e conversando com parentes não identificados. O luto é uma dor de
cabeça permanente e um nó no estômago. O luto é um momento de
lentidão, de olhar para estranhos na rua e pensar 'como você pode agir como se
nada tivesse acontecido?'. A tristeza é ficar com raiva porque
o sol ainda está brilhando, sorrindo no céu. [...] O cabelo tem
sido usado para definir as mulheres racialmente, sexualmente e religiosamente. Isso as transforma em
tentadoras: representa uma troika de feminilidade, fertilidade, fodabilidade [...] Os livros que lemos
pela primeira vez são aqueles que nos afetam indelevelmente. Os personagens se sentem
mais próximos de pessoas reais, que simplesmente vivem em outro tempo e lugar. [...] A doação de
sangue é aquela ocorrência rara e descomplicada de uma boa ação altruísta.
[...] O corpo físico – a coleção visível de ossos e pele que apresentamos ao
mundo – não pertence totalmente ao seu dono se o útero dentro dele contiver uma
gravidez não planejada ou indesejada. Existem todos os tipos
de pessoas prontas para fazer fila e lembrar isso a uma mulher. [...] Comprometer-se
com a escrita, ou com a arte, é comprometer-se com a vida. Um prazo auto-imposto
como meio de existência continuada. Levei muito tempo para
escrever esse livro e aqui estou, muito longe daquela noite horrível [...]. Trechos extraídos da obra Constellations: Reflections From Life (Ecco, 2020), da escritora irlandesa Sinéad Gleeson.
PENSAMENTO - Se
passarmos um ambiente insustentável para nossos filhos, falhamos com eles. O direito de ter o nosso ambiente
protegido para o benefício das gerações presentes e futuras é o nosso direito
humano mais importante... Não há nada mais poderoso do que a mente
inventa. Agora, o
que estamos explorando são todos os limites do esforço humano. Não é físico – está tudo na
cabeça... Ir contra a maré nunca foi difícil para mim. Não foi nem uma decisão consciente,
mas a consequência natural de seguir meu próprio instinto... As alterações
climáticas são o Everest de todos os problemas, o desafio mais espinhoso que a
humanidade enfrenta... Aprendi duas lições básicas no Everest. Primeiro, só porque algo funcionou
no passado não significa que funcionará hoje. Em segundo lugar, desafios
diferentes exigem mentalidades diferentes... Pensamento do filósofo jamaicano Lewis R. Gordon, que atua
como chefe do Departamento de Filosofia da Universidade de Connecticut atuando
como uma das grandes autoridades atuais nos temas relacionados ao
racismo. É autor de obras como Bad
Faith and Anti-black Racism (Atlantic Highlands, 1995) e Fanon and the
Crisis of European Man (Routledge, 1995), além dos estudos Through the
Zone of Nonbeing: A Reading of Black Skin, White Masks (2005) e What
Fanon Said: A Philosophical Introduction to His Life and Thought (2015).
PERNAMBUCO
[...] como
ocorre com as imagens nos retratos, à margem do que somos e viremos a ser, os
indivíduos sobrevivem. Nesse sentido, capturados pelo olho da câmera, os contadores
de história passaram a habitar a dimensão de um tempo que não morre.
Eternizaram-se [...].
Trecho do
prefácio Pernambuco, memória do povo, escrito por Fernando de Mello
Freyre, extraído do volume Pernambuco – Contos Populares Brasileiros
(Fundaj/Massangana, 1994), organizado por Roberto Benjamin. Veja mais aqui,
aqui, aqui e aqui.