O PAPA-FIGO DE
ÁGUA PRETA - No tempo que os bichos falavam, era o
maior converseiro. Tudo criado numa mata de engenho. O dono da propriedade, não
deixava ninguém tocar em posse dele. Todo dia, depois do almoço, ele ia para a
mata amontado no seu cavalo, chegava lá, arreava e armava a rede, os bichos
todos ao redor dele, tudo tomando conta. Quem ousasse mexer no que fosse, ele
mandava açoitar com banho de mel de furo e amarrava no cercado para lambidas
das vacas e depois uma pisa de tabica cipó-pau. Era para ninguém se achegar em
coisas dele, a lapada comia. Tinha desses que quanto mais o cipó vadiava, mais
amaldiçoava e rogava praga. Muita gente morreu disso. Outros, abriam da vela,
juravam nunca mais e eram liberados. Um dia lá, um caçador estranho entrou na
mata. Ele tinha feito uma treta com um xangozeiro, levou umas três coisas
encantadas e enterrou na boquinha da mata. Do dia pra noite, nasceu três pés de
pau. Quando o senhor-de-engenho chegou lá para madorna: Oxe, que pés são esses
que nunca vi aqui! Estava tudo grandão. Aí a coruja falou: Cumpade, por que o
sinhô tá espantado? Quem fez isso aqui, Cumade? Ah, foi paga de um safado que
passou por aqui! Ele chegou às escondidas, desembrulhou três pacotes e enterrou
aí onde estão esses pés grandões. É mesmo? Era de noite, eu estava acordada, eu
vi esses pés de pau crescendo e se estirando de riba para cima! Será que foi
grato por eu não tê-lo matado? Num conte com isso não, aquele tem parte com o
capeta! Aí o cachorro falou: Patrão, tenha cuidado. Aí o coronel foi lá, foi
cá, espiou direitinho e nem ligou, armou a rede e tirou a madorna dele. Todo
dia ele ia lá, armava a rede e roncava. Chegou dele se casar. Arrumou mulher,
chamou o padre e o juiz, fez festa. Teve um filho que quando estava com ele
passeando pelas terras, aí se descuidou, o pé de pau caiu em cima do menino e
matou. Quanta tristeza, quase nem ia mais para lá. Mas o tempo passou, a mulher
embuchou e deu-lhe outro filho. Já com sete anos, brincava o menino perto da
mata, amontado num carneiro, ia passando, outro pé de pau caiu e matou. Aí ele
ficou acabrunhado, queria mais saber da mata não. Até que um dia, abusou-se e olhou
pros animais para escolha que ia vender, vender tudo, tinha mais graça não. Um
bentivi vinha voando e ficou espiando para ele. Depois a ave pulou no ombro
dele e se espantou: Que é que é isso? Deixe que o passarinho tinha uma notícia:
Não venda nenhum desses seus bichos não, que todos eles juntos, acabaram de
matar o último pé de pau que restava da mandinga. Como assim? Tudo quanto era
bicho passou a fazer suas necessidades naquele pé de pau restante e acabou
matando ele. Foi mesmo? Foi. Porém, não foi, depois de um tempo, o pé de pau ressurgiu
mais robusto, grossão. Aí veio o terceiro filho e quando já estava grandinho,
ele botou meio mundo de capanga para tomar conta dele. Uma tarde mormaçada, não
teve jeito, a mata pegou fogo e os bichos que estavam ali, muitos fugiram,
outros morreram queimados. Será que aquele pau amaldiçoado se queimou? Tomara.
Passou-se o tempo, não foi mais lá na mata e se esqueceu. O menino crescia
solto na buraqueira, já andando a cavalo e crescendo, administrando tudo com o
pai, negociando, comprava e vendia. Surgiu um boato: toda vez que o filho saía
de casa para levar ou trazer gado, uma criança aparecia morta e com o fígado
arrancado. Bastava botar o pé fora de casa, virava a noite, no outro dia,
crianças desaparecidas e quando encontradas, eram cadáveres sem fígado. O povo
juntou as pedras, água na fervura: O filho do homem é papa-figo. E pegou. Nas
noites de lua cheia, ouviam-se os uivos: Valha-me, Deus! É ele. Nossa Senhora
me ajude! O povo todo tremia com rezas fortes, promessa até para santo que não
existia. Os anjinhos estraçalhados, tudo era enterrado. Fizeram promessas,
novenas, procissões, rezaram missa, o padre saiu benzendo as encruzilhadas e
uma missão ficou por ali bem quinze dias. Chegou o dia de prendê-lo, acabar com
a maldição. Avisaram ao pai dele que choroso, saiu andando sem destino, foi
topar na mata que havia tomado corpo depois do incêndio e se lamentava sozinho.
Foi aí que a coruja apareceu de novo e disse: Estou sabendo de tudo, seu menino
está preso e será condenado. É, tem jeito não. A gente pode salvar ele! Pode
não, ele virou papa-figo. Foi ele não, foi aquele nego que plantou os três pés
de planta aqui. Foi nada! Foi. Toda boquinha da noite ele vinha cheirar a cinza
daqui, se encantava e virava um cachorro grandão que saía uivando por aí. É ele
que pega as crianças e arranca o fígado com dentes. Como a mata cresceu de
novo, ele não tem poder de se encantar e a gente pode pegá-lo. Saíram e foram
caçá-lo. Cadê-lo? Quando deram fé de um fogaréu lá longe, correram para o
local. Lá estava ele se encantando, quase virando papa-figo, foi aí que o
coronel agarrou-lo e amarrou-lo todo, arrastando-o estrada afora, até deixá-lo
preso num tronco perto de uma panela de formiga, calabriado de mel e com os
animais soltos para lambê-lo. Aí ele tornou e pediu para não ser castigado
assim, abriu da vela, botou pra falar, que contava tudo, que inocentava o filho
dele. Então ele foi amarrado, mãos e pés de travessa num cavalo e tocou para a
cidade. Chegando lá, mandou chamar o povo todo e o desgraçado contou tudo
tintim por tintim. O povo ficou injuriado de enforcá-lo na hora, depois tocaram
fogo. Virou cinza. O vento bateu espalhando as cinzas que tocavam onde os
meninos foram mortos e todos ressurgiam vivinhos e corriam para suas casas. Era
uma vez. PS: Recriação de O papa-figo, narrado por Zé Negão - José
Francisco da Silva, de Água Preta, recolhido por José Fernando de Souza e
registrado na obra Contos populares
brasileiros: Pernambuco (Massangana/Fundaj, 1994), organizado por Roberto
Benjamin). © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo
& aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Um leitor de sonhos kazar, ainda aluno em um
mosteiro, ganhou de presente um vaso que colocou em sua cela. De noite, colocou
nele seu anel. Quando quis, porém, reavê-lo, no dia seguinte de manhã, o anel
não estava mais lá. Em vão, enfiava seu braço no vaso, não conseguia tocar o
fundo. Isto o surpreendeu, pois o recipiente parecia menos fundo do que o
comprimento do seu braço. Ergueu-o, mas, sob o uso, o chão era liso, e não
havia nenhuma abertura no vaso, como é comum com qualquer outro vaso. Pegou um
bastou e tentou atingir o fundo, mas sempre sem sucesso; o fundo do vaso
parecia escapulir dele. Ele pensou: “Aqui onde estou é o meu limite” e
dirigiu-se a seu mestre Mokadaça Al Safer, pedindo-lhe que lhe explicasse o
significado do vaso. O mestre apanhou uma pedra, jogou-a no vaso e contou.
Quando chegou a setenta, ouviu-se no interior do recipiente um barulho de
mergulho, como se um objeto tivesse caído na água e o mestre disse: - Poderia
explicar-te o que representa tei vaso, mas, antes, pergunta-se se isto de fato
vale a pena. Assim que te disser o que é, o vaso adquirirá para ti e para os
outros, um valor inferior ao que tem agora. Efetivamente, qualquer que seja seu
valor, ele não pode ser superior ao valor de tudo. E assim que lhe disser o que
é, o vaso não será mais tudo o que não é e, portanto, não será mãos o que agora
é. Quando o aluno concordou com o mestre, este pegou um bastão e quebrou o
vaso. Estupefato, o jovem perguntou-lhe o motivo desse dano e o mestre
replicou: - O dano teria consistido em dizer-te para que servia este vaso,
antes de quebrá-lo. Mas como não conheces seu uso, o dano não existe; o vaso
continuará a ter para você a mesma utilidade que tinha antes de ser quebrado.
De fato, o vaso kasar ainda tem a mesma utilidade até hoje, embora não exista
há muito tempo. [...].
Trecho
extraído da obra O dicionário kasar
(Marco Zero, 1989), do escritor sérvio, tradutor e historiador sérvio Milorad Pávitch (1929-2009), um romance
lexical com duas versões, uma masculina e outra feminina.
A COREOGRAFIA DE CASSILENE
ABRANCHES
A arte
da coreógrafa e bailarina Cassilene Abranches que iniciou seus estudos na Escola Municipal de Bailados de São
Paulo, ingressando aos 14 anos na Raça Cia de Danaça (SP) e integrou companhias
como o Teatro Guaíra (PR) e Corpo (PR), assumindo exclusivamente a profissão de
coreógrafa. Foi Cassi quem criou o espetáculo brasileiro para a abertura do Fórum Econômico
Mundial, na Suiça, em 2012. Veja mais aqui.
A RAPOSA, A SABIÁ E O CANCÃO
Era uma raposa... ou, a
sabiá tinha três filhinhos. Ai, a raposa chegou um dia, disse: Ô cumade sabiá,
me dê um filhinho desses teu! Aí, ela, a sabiá, disse: - Eu não dou não! Disse:
- Me dê, cumade sabiá que cabo de raposa corta pau! Aí a sabiá muito tola, pegou
o filhinho jogou lá. Aé ela, bá, carregou e comeu o filhinho da sabiá. Ai, foi
s’embora. Quando foi no outro dia, ela chegou de novo: Ô cumade sabiá, me dá um
filhinho desses teu! Dou nada! Num já dei um ontem: e pra dar outro hoje como é
que eu vou ficar? Vou ficar sem nada. Aí ela? Oi, cumade sabiá, cabo de raposa
corta pau! Aí a pobre besta jogou outro e foi chorar, pegou a chorar. Quando
foi no outro dia o cancão chegou e disse: - Cumade sabiá, por que tá chorando?
Ô cumpade, três filhinhos que tinha, a cumade raposa já comeu dois... e quando
é hoje, ela vem pedir outro. Você largue de ser besta! Ela disse que cabo de
raposa corta pau... E você é besta? O que é que você é? Você já viu cabo de
raposa ser faca? Em cabo de raposa num tem faca, como é que ela pode cortar
pau? Aí a raposa chegou: - Ô cumade sabiá, me dê outro filhinho dos teu! Dou
nada! Num dou mais de jeito nenhum, que era três, só tenho um, vou ficar sem
nada? Apois, cabo de raposa corta pau! Pode cortar! Agora não me importo mais
não que você corte, vá, pode cortar! Ah, isso foi armada do cumpade cancão.
Não, foi eu mesma. Foi nada. Foi. Aí a raposa fez um buraco, enterrou-se e
ficou com os dentinhos de fora, botou uns caroço de milho. Aí o cancão chegou e
foi comer, ela pegou o cancão. Saiu com ele na boca e chegou numa casa e o
menino disse: Eita, passou uma raposa com um cancão na boca! Aí o cancão virou
para a raposa e disse: - Com licença da palavra, quando eles disser assim, você
diga merda! Quando chegou noutra casa, o menino disse: - Lá vai a raposa com o
cancão na boca! A raposa então disse: - Merda. O cancão se soltou e foi-se
embora.
Contação de Maria do Socorro, da Baixa do Léro, Tacaratu
para Waldemir Araújo, registrado na obra Contos
populares brasileiros: Pernambuco (Massangana/Fundaj, 1994), organizado por
Roberto Benjamin. Veja mais aqui.
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Feliz aquele que transfere o que sabe e
aprende o que ensina. O saber se aprende com os mestres. A sabedoria, só com o
corriqueiro da vida.