terça-feira, abril 23, 2019

JORGE DE LIMA, TEILHARD DE CHARDIN, VALERIA DELFIM, DOMÉSTICAS & QUASE UM BOI DE FOGO


QUASE UM BOI DE FOGO, PARECE – Zuzinha que não era besta coisa nenhuma, achou de se enrabichar para as bandas da belíssima branquela Pupu – cujo nome era Pulquéria –, se enrolando da coisa mexer de feder. O povo só de butuca no meio do sarro pesado deles, coisa de dizerem que o menino achou de brincar nas maiores intimidades com ela, passando as mãos e o que mais tivesse nos guardados da donzela. Foi não! Oxente, como se não fosse! É mesmo? E a falação solta na buraqueira. De tão escandaloso ficou esse idílio, do caso ganhar prestígio no meio da fofocagem geral: Foi mesmo! E então, rapaz! Vixe, Mulher! Num diga! Não sabia ele que de irmãos ela tinha quinze, nove deles uns atarracados dos maus bofes, tudo filho do ajegado Pedrinácio das Coivaras e de sua não se sabe lá se legítima esposa, dona Baronesa, pois o poderoso estibado mantinha umas e outras teúdas e manteúdas por aí, de modos que formava com a distinta um casal que não deixava por menos nem um cisquinho de nada que fosse deles. Sinal do maior estrupício, avalie. Todo mundo já sabia disso, outras contavam dos desfechos nada pacíficos da truculência deles. Pois bem, o primeiro que deu as caras para tirar satisfação, foi o encostado ao mais novo, Genebão: Ô nego, dá fora da tua asa pras bandas da minha irmã, senão te capo! Venha! E foi: no estapeado, um murro levou-lhe dois incisivos pro mato, agora sorriria com uma janelinha na banguelada. Nada demais perto do estrago no agressor: um corte rasgou-lhe a carne do osso do mucumbu ao centro da coxa esquerda, de quase deixá-lo rancolho. E o povo: O negócio está piorando, não vai findar bem! E torciam prum lado e pro outro. Aguardavam o próximo capítulo. Não demorou muito, logo outro deles, o escostado ao mais velho, o Jamelão, já foi caindo no bofete pra cima do mulatinho: uma roncha no olho esquerdo e outro incisivo cuspido fora. Ah, é? Tome! Um talho rasgou da parte esquerda do bigode, atravessou tudo de deixar aberto o buraco direito da venta do rapaz. Sangreiro espirrou. Agora, danou-se tudo! Vem nuvem negra por aí. E veio mesmo. O velho Pedrinácio foi arrotar fumaceiro na lata do Seu Zuza: O seu neguinho tá querendo mexer com minha filha e quase aleijou dois dos meus filhos! Respeite as caras, véio! Eu pego ele! Pegue e eu acabo com a sua raça! Pronto! O negócio esquentou no confronto que só não houve porque alguém gritou pro parrudo acudir outra coisa urgente: Quéqui foi dessa vez? Acode! Não foi dessa vez que os dois queimaram a rixa. Prometia tragédia braba. A polícia já rondava atrás do Zuzinha por conta da fuxicada que sapecava atentado ao pudor pras bandas dele! Seu Zuza, sereno, acompanhava o rastro do rapaz, se fazendo de mouco. Pegou-lo na virada: Seu cabra, quer me desmoralizar é? Eu não. Mexendo com filha alheia, você morre! Morro não, mato antes. Deixe de petulância! Eu tava quieto no meu canto, ela veio, levantou a saia, num sou molenga, agarrei o osso, vieram dois irmãos dela, me deixaram banguela, fui lá e loa, resolvido. Resolvido, nada! O pai dela esteve aqui! Mande ele vir! Se aquiete, menino, desempina esse nariz. Estou no meu canto, ela que vem. Não me desmoralize que lhe dou umas lamboradas boas de deixá-lo imprestável pro resto da vida! Esquenta não, pai, resolvo isso. Resolva já. E resolveu. Não como queria. Numa esquina, quando menos esperava, o velho e os nove filhos emboscaram. Agora quero ver. Venha! Será a besta fera? Zuzinha riscou a peixeira no chão: É hoje! Arrocha! Fecharam o cerco e acossaram o rapaz. Agora! Não fosse a providente chegada de Pupu naquela hora, ele não sairia vivo: Eu caso com ele. O velho bufou, deu murro no vento, deu pesada nos ares, mas segurou a onda: Casa agora que quero ver! Oxe, o pároco às pressas: Eu te benzo, marido e mulher. Pronto, ninguém sabe ao certo que fim levou, nunca mais vi Zuzinha nem Pupu por aí, se estão na fazenda do pai dela ou se arribaram para a capital. O velho Zuza fechou-se em copas, nem dá as caras na ferragem, o povo que fica boatando das suas, disso e daquilo, na vera mesmo, nem um pingo de verdade, ao que parece. Eita, povinho. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Quantas vezes a arte, a poesia, e até a própria filosofia não têm pintado a natureza como uma mulher de olhos vendados, pisando uma poeira de existências esmagadas? Isto seria um efeito direto da multiplicação? [...] O termo de nós próprios, o cúmulo da nossa originalidade, não é a nossa individualidade – é a nossa pessoa; e esta, em razão da estrutura evolutiva do mundo, não a podemos encontrar senão unindo-nos. [...]. O processo cósmico da personalização tem como finalidade realizar a personalização, a existência de pessoas cada vez mais pessoas, até se integrarem, sem deixar de serem pessoas, na última comunhão com a Pessoa absoluta. [...] Mas qual é, no próprio interesse da vida geral, a obra das obras humanas, senão o estabelecimento, por cada um de nós em si próprio, de um centro absolutamente original, onde o Universo se reflete de uma maneira única, inimitável: precisamente o nosso eu, a nossa personalidade? [...].
Trechos extraídos da obra O fenômeno humano (Cultrix, 1955), do filósofo, paleontólogo e teólogo francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955). Veja mais aqui e aqui.

DOMÉSTICAS
O filme Domésticas (1997), de Fernando Meirelles e Nando Olival, é baseado na peça homônima de Renata Melo e conta fragmentos de histórias contadas por cinco domesticas a respeito de seu cotidiano na casa dos patrões, em suas casas, na rua, seus sonhos, crenças, valores, a dura realidade de vida na cozinha e lavandeira, enfim, contam suas desventuras em busca de futuro melhor ou da patroa perfeita, sonhos com carreira de modelo, casamento, um marido melhor, estudos. O filme aborda questões que vão desde a geografia étnica, da linguagem usada e ideologia presente, afora questões da dignidade humana e direitos humanos. Veja mais aqui.

A ESCULTURA DE VALÉRIA DELFIM
A arte da escultura, artista plástica e gestora cultural Valeria Delfim, que é graduada em Desenho e Artes Plástica pela Fundação Universidade Mineira de Artes, pós-graduada em Arte Contemporânea pela PUC-MG, participando de exposições coletivas e individuais no Brasil e no exterior. Ela também edita o blog Arte Valéria Delfim. Veja mais aqui.
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A OBRA DE JORGE DE LIMA
Uma janela aberta
e um simples rosto hirto,
e que provavelmente
nela se debruçou;
e nesse gesto puro
do rosto na janela
estava todo o poema
que ninguém escutou;
só a janela aberta
e o espaço dentro dela
que o tempo atravessou.
Poema Invenção de Orfeu – XIII, do médico, escritor, tradutor e pintor Jorge de Lima (1893-1953) aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.


PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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