QUASE UM BOI DE FOGO, PARECE – Zuzinha que não era besta coisa nenhuma,
achou de se enrabichar para as bandas da belíssima branquela Pupu – cujo nome
era Pulquéria –, se enrolando da coisa mexer de feder. O povo só de butuca no
meio do sarro pesado deles, coisa de dizerem que o menino achou de brincar nas maiores
intimidades com ela, passando as mãos e o que mais tivesse nos guardados da
donzela. Foi não! Oxente, como se não fosse! É mesmo? E a falação solta na
buraqueira. De tão escandaloso ficou esse idílio, do caso ganhar prestígio no
meio da fofocagem geral: Foi mesmo! E então, rapaz! Vixe, Mulher! Num diga! Não
sabia ele que de irmãos ela tinha quinze, nove deles uns atarracados dos maus
bofes, tudo filho do ajegado Pedrinácio das Coivaras e de sua não se sabe lá se
legítima esposa, dona Baronesa, pois o poderoso estibado mantinha umas e outras
teúdas e manteúdas por aí, de modos que formava com a distinta um casal que não
deixava por menos nem um cisquinho de nada que fosse deles. Sinal do maior
estrupício, avalie. Todo mundo já sabia disso, outras contavam dos desfechos
nada pacíficos da truculência deles. Pois bem, o primeiro que deu as caras para
tirar satisfação, foi o encostado ao mais novo, Genebão: Ô nego, dá fora da tua
asa pras bandas da minha irmã, senão te capo! Venha! E foi: no estapeado, um
murro levou-lhe dois incisivos pro mato, agora sorriria com uma janelinha na
banguelada. Nada demais perto do estrago no agressor: um corte rasgou-lhe a
carne do osso do mucumbu ao centro da coxa esquerda, de quase deixá-lo rancolho.
E o povo: O negócio está piorando, não vai findar bem! E torciam prum lado e
pro outro. Aguardavam o próximo capítulo. Não demorou muito, logo outro deles,
o escostado ao mais velho, o Jamelão, já foi caindo no bofete pra cima do
mulatinho: uma roncha no olho esquerdo e outro incisivo cuspido fora. Ah, é? Tome!
Um talho rasgou da parte esquerda do bigode, atravessou tudo de deixar aberto o
buraco direito da venta do rapaz. Sangreiro espirrou. Agora, danou-se tudo! Vem
nuvem negra por aí. E veio mesmo. O velho Pedrinácio foi arrotar fumaceiro na
lata do Seu Zuza: O seu neguinho tá querendo mexer com minha filha e quase
aleijou dois dos meus filhos! Respeite as caras, véio! Eu pego ele! Pegue e eu
acabo com a sua raça! Pronto! O negócio esquentou no confronto que só não houve
porque alguém gritou pro parrudo acudir outra coisa urgente: Quéqui foi dessa
vez? Acode! Não foi dessa vez que os dois queimaram a rixa. Prometia tragédia braba.
A polícia já rondava atrás do Zuzinha por conta da fuxicada que sapecava atentado
ao pudor pras bandas dele! Seu Zuza, sereno, acompanhava o rastro do rapaz, se
fazendo de mouco. Pegou-lo na virada: Seu cabra, quer me desmoralizar é? Eu não.
Mexendo com filha alheia, você morre! Morro não, mato antes. Deixe de
petulância! Eu tava quieto no meu canto, ela veio, levantou a saia, num sou
molenga, agarrei o osso, vieram dois irmãos dela, me deixaram banguela, fui lá
e loa, resolvido. Resolvido, nada! O pai dela esteve aqui! Mande ele vir! Se aquiete,
menino, desempina esse nariz. Estou no meu canto, ela que vem. Não me
desmoralize que lhe dou umas lamboradas boas de deixá-lo imprestável pro resto
da vida! Esquenta não, pai, resolvo isso. Resolva já. E resolveu. Não como
queria. Numa esquina, quando menos esperava, o velho e os nove filhos
emboscaram. Agora quero ver. Venha! Será a besta fera? Zuzinha riscou a
peixeira no chão: É hoje! Arrocha! Fecharam o cerco e acossaram o rapaz. Agora!
Não fosse a providente chegada de Pupu naquela hora, ele não sairia vivo: Eu
caso com ele. O velho bufou, deu murro no vento, deu pesada nos ares, mas
segurou a onda: Casa agora que quero ver! Oxe, o pároco às pressas: Eu te
benzo, marido e mulher. Pronto, ninguém sabe ao certo que fim levou, nunca mais
vi Zuzinha nem Pupu por aí, se estão na fazenda do pai dela ou se arribaram
para a capital. O velho Zuza fechou-se em copas, nem dá as caras na ferragem, o
povo que fica boatando das suas, disso e daquilo, na vera mesmo, nem um pingo
de verdade, ao que parece. Eita, povinho. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Quantas vezes a
arte, a poesia, e até a própria filosofia não têm pintado a natureza como uma
mulher de olhos vendados, pisando uma poeira de existências esmagadas? Isto
seria um efeito direto da multiplicação?
[...] O termo de nós próprios, o cúmulo
da nossa originalidade, não é a nossa individualidade – é a nossa pessoa; e
esta, em razão da estrutura evolutiva do mundo, não a podemos encontrar senão
unindo-nos. [...]. O processo cósmico
da personalização tem como finalidade realizar a personalização, a existência
de pessoas cada vez mais pessoas, até se integrarem, sem deixar de serem
pessoas, na última comunhão com a Pessoa absoluta. [...] Mas qual é, no próprio interesse da vida
geral, a obra das obras humanas, senão o estabelecimento, por cada um de nós em
si próprio, de um centro absolutamente original, onde o Universo se reflete de
uma maneira única, inimitável: precisamente o nosso eu, a nossa personalidade?
[...].
Trechos extraídos da obra O fenômeno humano (Cultrix, 1955), do filósofo, paleontólogo e
teólogo francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955). Veja mais aqui e
aqui.
DOMÉSTICAS
O filme Domésticas (1997), de Fernando Meirelles
e Nando Olival, é baseado na peça homônima de Renata Melo e conta fragmentos de
histórias contadas por cinco domesticas a respeito de seu cotidiano na casa dos
patrões, em suas casas, na rua, seus sonhos, crenças, valores, a dura realidade
de vida na cozinha e lavandeira, enfim, contam suas desventuras em busca de
futuro melhor ou da patroa perfeita, sonhos com carreira de modelo, casamento,
um marido melhor, estudos. O filme aborda questões que vão desde a geografia
étnica, da linguagem usada e ideologia presente, afora questões da dignidade
humana e direitos humanos. Veja mais aqui.
A ESCULTURA DE VALÉRIA
DELFIM
A arte da escultura, artista plástica e gestora cultural Valeria Delfim, que é graduada em Desenho e Artes Plástica pela
Fundação Universidade Mineira de Artes, pós-graduada em Arte Contemporânea pela
PUC-MG, participando de exposições coletivas e individuais no Brasil e no
exterior. Ela também edita o blog Arte Valéria Delfim. Veja mais aqui.
&
A OBRA DE JORGE DE LIMA
Uma janela aberta
e um simples rosto hirto,
e que provavelmente
nela se debruçou;
e nesse gesto puro
do rosto na janela
estava todo o poema
que ninguém escutou;
só a janela aberta
e o espaço dentro dela
que o tempo atravessou.
Poema Invenção de Orfeu – XIII, do médico,
escritor, tradutor e pintor Jorge de Lima (1893-1953) aqui, aqui, aqui,
aqui e aqui.