DO IMPREVISTO AO
IMPREVISÍVEL – Vozes. Muitas
vozes. Alguém falava na rua, atentei. Uns diziam disso e daquilo, não dava para
entender direito. Distingui falarem do domingo e que tudo era fantástico, o
país que ia, a vida passava, coisas de outro mundo e mais do que se desconhecia.
Discerni do comentário sobre uma jovem deputada enquadrando eloquentemente um
ministro estrangeiro que não sabia do Brasil muito menos de educação e queria
mandar ensinar o que era dele e nada nosso, enquanto outra aflita pedia a Deus
sua intervenção na causa e mais um terceiro ria dos descompassos, pilhérias
soltas. Havia quem se benzesse, temiam o que estava por vir. Foi aí que despertei
da hora, uma algaravia aos ouvidos, muita gente à rua. Agucei os sentidos e me
dei conta algo ali por perto. Fiquei atento aos mínimos movimentos da turba. Sim
estavam diante da minha casa, uma multidão. Como pode? O que havia? Para meu
espanto, dei conta que alguém invadira o meu jardim e se aproximara à janela do
meu quarto. Tem coisa. Um misto entre temor e curiosidade invadiu-me. O que
terá sido? Levantei-me calmamente e fui abrir à janela. Muita gente mas muita
gente mesmo em frente da minha casa. O que é isso? Um alvoroço, uns rezavam
ajoelhados o rosário; outros só olhavam para a fumaça; tantos curiosos, bocas e
ouvidos. O que estava próximo da varanda mostrou-me algo no meu telhado. Hem? Quase
atônito, quis saber delas porque estavam ali, uma aglomeração e tanto. Insisti,
indaguei, não dava para entender o que diziam. Estremeci, nunca se sabe. Apontavam,
percebi uma fumaça por cima da minha residência, algo acontecia ali. Saí do
quarto, ganhei a sala e ao me aproximar da porta que dava pro meu quintal, ouvi
estalidos e movimento por lá. Tem gente aí, arrepiei. Não sabia o que fazer,
titubiei. Tomei pé da situação. Antes, porém, respirei fundo e invoquei três vezes o Verbo
Desconhecido. Criei coragem, destemido e arredio, abri a porta, um susto me fez
fincar os pés no chão: luzes mínimas brilhavam a rodopiar em frente ao
abacateiro, silhueta indistinguível. Sim, coisas aconteciam. Abri bem os olhos
e a silhueta luminosa se esvaía contornando a árvore e se precipitando além do
muro para sumir às vistas. Confiante, porém trêmulo, dei um passo. Nenhum sinal
mais de nada por ali. Não sei qual a razão, de repente, fui até o basculante da
cozinha, lá havia três frascos que nem sabia para que serviam e,
intuitivamente, de um deles sacudi ao chão, era sal. No segundo vidro, enxofre.
No terceiro, mercúrio. De repente cristais brotaram do chão e o Sol raiava no
horizonte. Pude perceber, não havia nada. Uma quietude de paz invadiu-me e logo
deu pra ver passou e já não eram tantos lá na frente. Voltei, atravessei minha
casa, abri a porta da frente, cheguei à varanda e ainda pude ver que cada qual
tomava a sua direção. Era segunda-feira, o dia amanhecera. Abri o portão, ao
muro pude ainda enxergar muitas pessoas que seguiam ou dobravam as esquinas,
logo minha rua voltou ao normal. Era manhã, a vida prosseguia. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] O
problema essencial da vida do Estado é o da sucessão:
como assegurar que o poder passe de umas mãos para outras sem disputa armada. Em tempos tranquilos
esquecemos os horrores da guerra civil,
a rapidez com que ela resvala para o morticínio indiscriminado. [...] e mais uma vez a sombra de uma dor perpassou por mim, a dor que
antes referi, de uma espécie metafísica
ou pelo menos pós-física. [...] A
necessidade, Necessità, é o princípio orientador de Maquiavel. A
posição pré-maquiavélica era a
da supremacia da lei moral. Se acontecesse a lei moral
ser por vezes infringida, era uma infelicidade, mas no fim de contas os governantes eram apenas humanos. A nova
posição, a maquiavélica, é que
a infração à lei se justifica quando é necessária. Assim se inaugura o dualismo da cultura política moderna, que
defende simultaneamente padrões
de valores absolutos e relativos. O Estado moderno apela à moralidade, à religião e à lei natural como
fundamentos ideológicos da sua
existência. Ao mesmo tempo está pronto a infringir qualquer delas ou todas no interesse da sua própria
conservação. Maquiavel não nega que
as exigências que a moralidade nos coloca sejam absolutas. Ao mesmo tempo
afirma que no interesse do
Estado o governante “não raro se vê constrangido
[necessitato] a agir contra a sua palavra, contra a
caridade, a humanidade e a
religião”. [...] não só
sanciona a tortura dos
prisioneiros feitos na chamada guerra ao terrorismo, como se empenha de todas as maneiras em
subverter as leis e convenções que interditam
a tortura. [...] A sua falta de
vergonha é absolutamente extraordinária.
Os seus desmentidos são menos que tíbios. A distinção que os seus advogados contratados estabelecem
entre a tortura e a coerção é patentemente
insincera, uma simples formalidade. No novo ordenamento que criamos, dizem eles implicitamente, os
velhos poderes da vergonha foram
abolidos. A aversão que vocês possam sentir não conta para nada. Vocês não nos podem tocar; somos demasiado
poderosos. Demóstenes: Enquanto o escravo apenas teme a
dor, aquilo que o homem livre
mais teme é a vergonha. [...] torna-se
uma questão moral: como,
perante esta vergonha a que estou sujeito, hei-de comportar-me? Como salvo eu a minha honra?
[...] A desonra não respeita distinções precisas. A desonra abate-se
sobre os ombros da pessoa e, uma vez
que se abate, não há argumentação inteligente capaz de a dissipar. [...].
Trechos recolhidos da obra Diário de um mau ano (Dom Quixote, 2008), do
escritor sul-africano e Prêmio Nobel de Literatura de 2003, John Maxwell
Coetzee, narrando a história de um
livro dentro do livro, sobre os dias atuais, envolvendo conflitos étnicos,
terrorismo, economia globalizada, desastres ecológicos, experiências genéticas,
entre outros assuntos.
A ARTE
DE BEATRIZ MILHAZES
A arte da premiada artista visual e jornalista Beatriz Milhazes, que atua
com ilustrações, colagens, gravuras e cenografia, mesclando procedimentos da
Art Pop e referencias do universo feminino e artesanato brasileiro. Veja mais
aqui e aqui.
FORMAÇÃO DE PLATEIA EM
MÚSICA
O livro Formação de
plateia em música (Arx, 2004), de Clarice Miranda e Liana Justus, trata
sobre o aprendizado comportamental diante de uma orquestra, os instrumentos e
suas funções, entre outros assuntos ligados ao universo musical. Acompanha um
Cr-ROM com aproximadamente 800 imagens co, apresentação de instrumentos e
trechos de peças musicais que envolvem a história da música e a vida dos
principais compositores e intérpretes, imagens,
a apresentação de todos os instrumentos de uma orquestra e trechos de peças
musicais, o material traz a história da música clássica e a vida e a obra dos
principais compositores e intérpretes.
&
A MÚSICA DE SUZANA SALLES
A música
da cantora e jornalista ligada ao movimento da Vanguarda Paulista, Suzana Salles, que atua como intérprete da obra Bertolt Brecht & Kurt Weill, que já participou do grupo Sabor de
Veneno, ao lado de Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, foi vocalista da banda
Aquilo Del Nisso, e lançou os cds Suzana Salles (1994), Concerto Cabaré
(Davliú, 1997) e As sílabas (Dabliú, 2001). Veja mais aqui e aqui.
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A única coisa que vale a pena é fixar o olhar com mais
atenção no presente; o futuro chegará sozinho, inesperadamente. É tolo quem
pensa no futuro antes de pensar no presente.
A obra do escritor ucraniano Nikolai Gogol (1809-1852) aqui e aqui.
A obra do escritor ucraniano Nikolai Gogol (1809-1852) aqui e aqui.