O PUM DA BATATA
- Era uma vez um rapaz que se engraçou
duma moça faceira. Trocaram olhares, passaram um pelo outro no meio do festeiro,
sumiram e voltaram, até que um dia se encontraram e trocaram conversa para lá e
para cá, se riram, se engraçaram e, depois de mais de nove horas, namoraram. Foi
aquele amor. Beijos e abraços, ficou acertado domingo dele ir para a casa dela passar
o dia, conhecer os pais, e assim se deu. Chegando lá, foi apresentado aos
familiares dela, pais, irmãos e irmãs dela, mais de oito arrodeando a mesa
farta no almoço. Chegou a hora, um peru assado à mesa, muita comida, pediram
para ele destrinchar. Na horagá que passou a faca de banda, pum! Eita! Todos se
riram, ele ficou encabulado. Aí o sogro disse: Aí, peidão, passa a coxa desse
peru pra cá! Risadas. Ele todo chateado foi servindo uns e outras a cada
pedido. Findaram de almoçar e a mangação corria solta, até chegar a hora de ir
embora. Despediu-se e foi para casa todo borocochô e jurando: Nunca mais volto
lá. Morava sozinho, sem pai nem mãe, um tio deu as caras e ele contou. Oxe, que
é que é isso, meu filho, quer se vingar? Como? Vá lá no mato, arranque uma batata
e bote enterrado do lado do batente, lá na casa deles, antes deles acordarem. Oxente?
Depois cochichou no ouvido dele, ah, tá! Vá. Ele foi, arrancou a batata e
plantou ainda de madrugada no batente da casa do sogro. Uma semana depois ele
apareceu, era véspera de São João e iam fazer uma fogueira na frente de casa. O
sogro ia saindo na porta, deu um espirro e atchim, poim! Eita! O que é isso? Poin.
Ai, meu Deus? Prum. A sogra veio, toda se acabando de rir dele: Que é isso,
homem? Poim. Eita, até tu véia? E ela: Eu não, pum!Aí, tais vendo? Tu também. E
se riam e peidavam: Isso é contagioso! O irmão mais velho: Que é que tá
havendo, hem? Poin! Vixe! A irmã encostada: Que fedor é esse, gente? Poim. Tu
também? Ih! Pegou! Pronto, Zé, pum, Maria, poin, Zefinha, puf, Judite, prei, tudo
peidando, que é que houve? O genro só olhando. Eles se dizendo: Pegamos um mal
feio! A do meio veio: Bença, pai! Brum. Eita, esse veio danado! Fedor da peste!
Pegamos a doença de Abinagildo, foi? Chama João! Pei. Oi, pai! Puf. Vai chamar
o boticário, vai! Pif. O boticário quando viu: Tem jeito não, pof, eu tô me
peidando todo agora também! Vamos buscar o doutor e ele: Vôte! Vrum! O que é
isso? Poin. Lá em casa está todo mundo assim e o boticário também! Pei. Eu também
agora, pof! Tem remédio pra isso não! Toin. Nessa hora o padre ia passando e
poin! Danou-se! Até o padre? Valei-me, puf. É lá na casa deles, tuf, estão
todos, poin, se peidando, poin, assim! Benzodeus. Vamos todos para lá, poin,
vamos. O padre pegou a água benta, puf, benzeu-se e foram todos para a casa dos
peidões, poin, poin. Rezas de joelhos a manhã toda, toin, orações de todo jeito
tarde para noite, poin, e nada, pum, só poin, poin, poin. Aí o genro vendo tudo
aquilo, falou: Eu tenho um remédio pra isso que é tiro e queda! Como?
Pelamordedeus diga logo qual o xarope pra cura disso, vá! E tome poin, puf,
pei! Pum! Entrem todos no quarto que eu vou resolver essa bronca agora. Ninguém
aguenta não! Entrem! Vamos morrer enturidos! Vambora! Entraram e, conforme o
tio havia cochichado no ouvido dele, foi no mato, pegou uma tora de pinhão, chegou
lá, ficou dando uma pisa de pinhão em cada um, umas lapadas de volta e outra
vez, pronto, tudo curado. Viva! Agora ninguém peida mais! Só depois do café da
manhã, do almoço e da ceia. Ah, não! Ah, sim. Aí ele tornou-se o genro querido
do sogro e muito agradado por todos, casou-se com a filha formosa que namorava
e não se sabe, ao certo, se foram felizes para sempre ou não, mas que casaram,
casaram. E peidaram muito daí por diante. Pum, poin. PS: recriação de narrativa
de Cêça - Conceição de Oliveira Cavalcanti, de Arcoverde, recolhida de Contos Populares Brasileiros: Pernambuco
(Massangana/Fundaj, 1994), organizada por Roberto Benjamim. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo & aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Qualquer coisa em que você pode desenhar um círculo ao redor não pode
ser explicada por si mesma sem se referir a algo fora do círculo – algo que
você tem que assumir mas não pode provar. Eu estou mentindo. [...] É claro que hoje estamos longe de poder
fundamentar a visão teológica de mundo cientificamente, mas acredito que já é
possível apreender de maneira puramente racional (sem ter que recorrer a alguma
religião ou crença) que a visão teológica de mundo é completamente compatível com
todos os fatos conhecidos (inclusive as condições que reinam sobre a nossa
Terra). O famoso matemático e filósofo Leibniz tentou demonstrar isto 250 anos
atrás, e é isto que tentei fazer nas minhas últimas cartas. O que chamo de visão
teológica de mundo é a ideia que o mundo e tudo que nele existe tem um
significado e uma razão e na verdade um significado bom e inquestionável. Disto
segue imediatamente que nossa existência terrestre, uma vez que ela tem um
significado muito duvidoso, só pode ser o meio cujo objetivo é uma outra existência.
A ideia que tudo no mundo tem um significado é, afinal, exatamente análoga à
ideia que tudo tem uma causa, e é sobre esta que toda ciência está baseada. [...]
Trecho
extraído da obra Collected Works (v. III, Oxford,
1995), do filósofo, matemático e lógico austríaco Kurt Gödel (1906-1978), criou a teoria da indecidibilidade lógica
com os teoremas da incompletude, o primeiro deles, o da numeração, que assinala
que qualquer sistema axiomático recursivo autoconsistente capaz de descrever
a aritmética dos números naturais, há proposições naturais verdadeiras que não
podem ser provadas a partir dos axiomas, codificando expressões formais como
números naturais. O segundo teorema da incompletude, uma extensão do primeiro,
mostra que tal sistema não pode demonstrar sua própria consistência.
A POESIA DE MANOEL DE BARROS
[...]
II
Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma
begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.
[...]
palavra que eu uso me inclui nela
[...]
Extraído
de O livro das ignorãças (Civilização
Brasileira, 1993), do poeta Manoel de Barros (1916-2014), livro este em
que o autor desvenda os caminhos de sua criação poética, que em uma entrevista
concedida à jornalista Martha Barros, do Correio Brasiliense (1990), expressou
que:
Ao poeta penso que cabe a tarefa de arejar as
palavras. E não deixar que morram de clichês. Pegar as mais espolegadas, as
mais prostituídas pelos lugares-comuns e lhes dar novas sintaxes, novas
companhias. Colocar, por exemplo, ao lado de uma palavra solene, um pedaço de
esterco. O poeta precisa reaprender a errar a língua. Esse exercício poderá nos
devolver a inocência da fala. Porque no assunto não há nada de novo. Tudo creio
que já foi pensado e dito por tantos e tontos. Ou quase tudo. Ou quase tontos.
De modo que não há novidades debaixo do Sol – e isso também já foi dito. Então,
o que se pode fazer é dizer de outra forma. Se for para tirar gosto poético, é
bom perverter a linguagem. Temos de molecar o idioma, os idiomas. O nosso
paladar de ler anda com tédio. É preciso injetar nos verbos insanidades, para
que eles transmitam aos nomes os seus delírios. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
A ARTE DE ANGELINA SILVA
A arte
da artista visual portuguesa Angelina
Silva. Veja mais aqui.
A ARTE IMAGINAUTA DE
GHUGHA TÁVORA
A arte do artista visual imaginauta, designer educacional
e empreendedor socio-cultural Ghugha
Távora em uma entrevista exclusiva. Confira aqui.
&