CARTA DE PRIMEIRA
- Para quem vai de primeira,
marinheiro, quanta surpresa, hem? Já chegou? Oxe, nem saiu do canto. Simbora. De
início a coisa parece fácil: enganou-se com a cor da chita, destá. Não
esquenta, não queime o juízo, nem deixe vá derreter os chifres, senta a pua. Faz
de conta que nem foi com você. Inaugura a mira, alvo à vista. Aponte e aprume. Vá,
fogo! Errou, hem hem, tenta de novo. Se liga, o rabo pode queimar. Sempre vem
um atrás para atrapalhar tudo, botar gosto ruim no guisado. Todo começo é só
novidade, depois se acostuma com as lapadas engrossando o couro para virar casca,
a carapaça; cuida da carcaça, evita o monturo. O primeiro gole amarga. Abra o
jogo, ninguém sabe o que virá pela frente: a palma da mão sobre o peito
inquieto, uma súplica para que lhe abram as portas, facilitem as coisas. Nada.
Já me salvei mais de mil vezes com meu próprio choro, nem adiantou punhos e fúrias,
hibernar, fazer de conta. Como evitar a explosão da bomba? Quem sabe, doidices
demais por aí afora, como se nada nos seus devidos lugares. Deixe para lá,
mande ver. Ah, o primeiro beijo, inesquecível. A primeira vez, um vexame. Não vai
ficar só nisso, viu? Às vezes piora, complica, degenera. Intuo, vá, bata o
centro. Tome iniciativa, leve na conta de que é assim mesmo: triscou, não
valeu; lascou, mas o que é que tem? Recomece do zero, faça tudo de novo e leve
na esportiva, aprenda que tudo vem desde o tempo em que os animais falavam e a
gente nem nem, outros rabiscos tão antigos quanto eu, afora o que esqueci não
sei onde. Sacou a piada? Foi só uma casca de banana. Escorregou? Canta:
levanta, sacode a poeira e dá volta por cima. Mesmo por baixo. Se deu baixa,
arquive no lixo, serve mais não, para nada, tudo! Aprenda a reciclar o
imprestável, milagres existem a torto e a direito. Não se faça de mouco ao primeiro
chamado, tirou de letra? Tem que prestar atenção. Olhe em volta, o pano de
fundo. Tudo minado, né? A bem da verdade, jogos de infinitos espelhos. Maior confusão.
Abra a trilha nos peitos. Inicie, vai no sopetão. Queimou os dedos, né? Lição
número 1. Tirou a prova dos nove? Não fez nada, refaça. Apanhou? Vê se aprende.
Arrasta a mala, perde a viagem, nada demais. Vai de novo. Vai de boa e se
estrepa. Se soubesse que era assim, nem tinha ido, avalie. Eu mesmo, vasilha
ruim, o que achava perdia e reencontrava e tornava a perder. Vezemquando a
coisa empena, sai do controle e babau. Sempre como quem volta para a casa com a
cara mais lisa, sem considerar as ofensas, sem recusas, mãos ao alto. É a primeira
sessão, depois, depois, só sótãos, porões, oitões, alpendres, nenhuma partilha,
nenhuma cumplicidade. E só. Para quem nunca fez primeira comunhão como eu, nem
se crismou, os meandros pagãos, quantos subterfúgios. Tantos caminhos; e o que
não aconteceu, já era. O que foi, nunca mais. Era para ter sido e nem viu, coisa
de Mané. Faça como eu: ande por longe, nem aí, seja lá o que for, ou como
queriam entre orgias e vícios, no final a tragédia não é tão como pareciam
dizer, entre o aleatório e o familiar, num é? Não tem coluna do meio, ou é ou
não. Veja bem: entre um e muitos, tudo é possível. Mas já é outra história,
nunca é tarde. Outros quinhentos e com troco. Para quem quer seguir em frente é
bom saber que há sempre voltas e curvas e, se não olhar direito, dá no mesmo
lugar e pode ser diferente. Quem diria. Você quem sabe. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] a
sociedade global se constitui desde o início como uma totalidade problemática,
complexa e contraditória, aberta em movimento. Está impregnada e atravessada
por totalidades também notáveis, às vezes também decisivas, ainda que
subsumidas formal ou realmente pela totalidade mais ampla, abrangente, global:
estado-nação, bloco geopolítico, sistema econômico regional, grande potência,
empresa transnacional, ONU, FMI, Banco Mundial, indústria cultural e outras;
também tribo, nação, nacionalidade, etnia, religião, língua, cultura e outras
realidades também fundamentais. Às próprias formas de pensamento inserem-se na
dinâmica da sociedade global, no seu todo ou em suas partes, operando no
sentido da constituição de todos os subordinados, ou da constituição da
sociedade global como uma totalidade abrangente, sempre problemática, complexa
e contraditória. [...] a
sociedade global é o cenário mais amplo do desenvolvimento desigual, combinado
e contraditório. A dinâmica do todo não se distribui similarmente pelas partes.
As partes, enquanto distintas totalidades também notáveis, consistentes, tanto
produzem e reproduzem seus próprios dinamismos como assimilam diferencialmente
os dinamismos provenientes da sociedade global, enquanto totalidade mais
abrangente. É no nível do desenvolvimento desigual, combinado e contraditório,
que se expressam diversidades, localismos, singularidades, particularismos ou
identidades. Às vezes, os localismos, provincianismos ou nacionalismos podem
exacerbar-se, precisamente devido aos desencontros, às potencialidades e
dinâmicas próprias de cada um, cada parte; e também devido às potenciações
provenientes da dinâmica da sociedade global, das relações, processos e
estruturas que movimentam o todo abrangente. Sob vários aspectos, a
ressurgência de nacionalismos, regionalismos, provincianismos, etnicismos,
fundamentalismos e identidades são fenômenos que se esclarecem melhor quando
vistos nos horizontes dos rearranjos e tensões provocados pela emergência da
sociedade global. À medida em que esta debilita o estado-nação, reduz os
espaços da soberania nacional, transforma a sociedade nacional em província da global,
nessa medida reflorescem identidades pretéritas e presentes, novas e
anacrônicas. Também por isto a globalização não significa nunca homogeneização,
mas diferenciação em outros níveis, diversidades com outras potencialidades,
desigualdades com outras forças. Nesse horizonte, a sociedade global pode ser
vista como uma totalidade desde o início problemática, no sentido de complexa e
contraditória; atravessada pelo desenvolvimento desigual, combinado e
contraditório, que se especifican o âmbito de indivíduos, grupos, classes,
tribos, nações, sociedades,culturas, religiões, línguas e outras dimensões
singulares ou particulares. [...] à
medida em que se constitui e desenvolve a sociedade global, como emblema de um
novo paradigma das ciências sociais, alguns conceitos, categorias e
interpretações podem tornar-se obsoletos,exigir reelaborações ou ser
articulados com novas noções suscitadas pela reflexão sobre a globalização. Já
são diversas as noções que começam a povoar o pensamento global: globalização,
desterritorialização, re-territorialização, miniaturização, cultural mundial,
aldeia global, cidade global, shopping center global, disneylândia global,
fábrica global, nova divisão internacional do trabalho, redes de articulações
intra e intercorporações, alianças estratégicas de corporações,
modernidade-mundo, sistema-mundo, economia-mundo, comunicação mundo,
publicidade global, espaço europeu, espaço do Pacífico, capitalismo global,
moeda global, capital global, terceiromundialização do Primeiro Mundo, exército
industrial ativo e de reserva global, planeta terra, sociedade civil mundial,
cidadão do mundo, contrato social mundial, pensamento universal. [...].
Trechos
extraídos da obra Globalização: Novo
paradigma das ciências sociais (Estudos Avançados, 1994), do sociólogo e
professor Octavio Ianni (1926-2004).
Veja mais aqui e aqui.
O TEATRO DE FERNANDO PELTIER
O livro Teatro nosso de cada dia
(Funcultura/EGBA, 2006), reúne textos teatrais do ator, dramaturgo, poeta,
compositor, professor e produtor cultural Fernando
Peltier (1948-2014). O volume reúne as peças teatrais Auto das dores de
Cristo (2001), Paz... paz... paz... páscoa! ( (s/d), Pinóquio (2000), O grande
circo da mamãe (s/d), Fuga num São João (s/d), O jardim das abelhas (1995), Por
um triz... triscou, pegou! (s/d) e Auto do presépio de natal (s/d). O autor foi
criador de diversos grupos baianos e da Ciranda do Teatro, autor dos livros Nós
te atramos (1996), Escola utopia (1997), Heureca! Notáveis encontros com o
saber (1998) e Na palma da calma da alma (2010). Veja mais aqui e aqui.
A FOTOGRAFIA DE VIVIAN MAIER
A arte
da fotógrafa estadunidense Vivian Maier
(1926-2009), que se dedicava à fotografia de rua e a registros do ambiente
urbano, transmitindo a sua visão de mundo com estilo. Durante a sua vida ela
foi responsável em tempo integral pela criação de crianças que ela acolheu e,
na sua velhice, ao passar por dificuldades, indo morar em asilos, até que
amigos que foram por ela ajudados, compraram um apartamento e cobriram todas as
suas contas. Ela reuniu mais de 10 mil fotografias que estavam guardadas
consigo, material este que só descoberto em 2007, juntamente fitas de áudio com
entrevistas que ela fazia com as pessoas que fotografava. Depois da sua morte a
sua obra passou a ser um marco na arte da fotografia urbana. Veja mais aqui.
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A OBRA DE MARGUERITE DURAS
Caminhais em direção da solidão. Eu, não, eu
tenho os livros. Se não se passou pela obrigação absoluta de obedecer ao desejo
do corpo, isto é, se não se passou pela paixão, nada se pode fazer na vida.
A obra
da romancista, novelista, roteirista, poeta, diretora de cinema e dramaturga
francesa Marguerite Duras
(1914-1996) aqui, aqui e aqui.