Ao som dos álbuns A Dog's Purpose (Soundtrack, 2017), Their
Finest (Score, 2017), Ask the river
(Classical, 2020), Godmothered (Soundtrack, 2020) e Beyond the
Screen (Crossover, 2023), da compositora britânica Rachel Portman.
SOU DA PAZ EM PÉ
DE GUERRA – Em minha alma sufocada o apito ancestral.
Era inevitável ouvir os lúgubres ventos ecoando os lamentos de soterrados seculares
das matas devastadas, aruspícios primaveris jamais olvidados pelas indeléveis
andanças. Nada mais restava e se desfazia no mormaço do meio dia daquela sexta
feira no Córrego do Feijão, e um suposto terremoto trazia de longe o lixo
tóxico como se reaparecesse Pompeia sobre Brumadinho no delíquio do tempo. Próximo!
Ouvi ao longe a voz de Dionne Brand: Se estou em paz…não é
paz, /está me acostumando com o mal... Era a dor da mulher deprimida,
vítima de não sei quantas injustiças. Próximo! Seguia só. Não bastasse topar
com o ermo e lá distante coisonazifacistas necrófilos escureciam o céu azul
desatado, infortúnios estradafora e um rio de lama varria Bento Rodrigues do
mapa naquela tarde depois de novembro e ninguém se lembrava mais das enchentes do
Una de 2010. Próximo! Aplaquei um pouco a passada, olhei dos lados e, ao
perscrutar, fui alertado pela Christina Rossetti: É melhor esquecer e sorrir do que recordar e
entristecer-se... O silêncio é mais musical do que qualquer canção... Próximo! Era como se nunca chegasse a minha vez e as lembranças tomavam
todas as formas corpóreas, próximo! E era como se eu estivesse prestes a ser
despejado, abrigo embaixo da ponte, já que não tinha mais quem amasse e a
companhia de quem parecesse nem mais existir, reduzindo-me a anfitrião de
micróbios, bactérias, fungos, vírus, arqueias e outros sei lá quantos micro-organismos,
perdido nas dimensões quânticas e a vertigem nas asas dos sonhos. Próximo! Havia
alguém por perto, eu sabia, e ela era tal invisível Samantha do Her de
Spike Jonze - um corpo de luz vers&prosa como gotas de chuva escorrendo
poema livre na minha pele suada. Próximo! Já se fazia uma tarde cinza de quase agosto
e ela me chamava: Theodore! Virei-me e pude ver-lhe o último aceno, como se
fosse Mariana a deusa grávida enlameada, inexoravelmente tragada pela estrondosa
tragédia. Quem veria meu lado tristonho e se parecesse divertida a minha aflição:
em minha carne a dor dos mortos dali e dalém. Assim mesmo, ainda ouvia Irene Solá: Gosto de escrever pensando nas pessoas, porque é
como um presente... A voz dela e a ventania forte nos meus passos perdidos por minas
que são pedras falsas de areias movediças e mais me sentia lixo escorrendo pela
sonda perdida: Sombras do chão no céu de Maceió... Até mais ver.
UM POEMA
Imagem: Acervo ArtLAM.
Como a chuva que
cai p’ra limpar \ Nuvens carregadas que se espremem \ Tantas mulheres chovem
p’ra vazar \ O que um coração quebrado sente. \ Pois que o choro nunca é
fraqueza, \ natureza a cuidar do corpo, \ Levando os rejeitos para longe, \
Devolvendo o sorriso que se esconde. \ Chuva que limpa céu torrencial, \
Lágrimas que lavam a alma triste, \ Aliviam dor exponencial, \ Sem levar em
conta dor que persiste. \ Desafio se há mulher que chova \ Sem transbordar
angustia qu’insiste.
Poema extraído da
obra Mulheres chovem (Penalux, 2020), da escritora Myriam
Scotti, que também assim se expressa: A gente já sabe o que esperar dos vermes, das
pessoas, não.
DEZESSETE ANOS – [...]
Manter a gravidez significaria renunciar. Quero fazer
ciência política, ser jornalista no Le Monde, apresentar o jornal das 20 horas,
ser debatedora no rádio, ler livros proibidos, casar e ter filhos o mais tarde
possível [...]. Trecho extraído da obra Dix-sept ans (Relicário, 2015), da escritora, jornalista e cineasta
francesa Colombe Schneck, que expressa: Escrevo porque é através da
escrita que chegamos a uma forma de verdade. Capitulamos, ordenamos,
corrigimos, arrumamos as coisas, há uma espécie de artifício, e ainda assim, é
só por meio da escrita que podemos chegar à realidade. Se posso
ser a mulher que sou hoje, foi porque pude fazer um aborto aos 17 anos.
Veja mais aqui.
QUANTO DE HUMANOS
SOMOS – [...] Com quase 20 mil genes, o genoma
humano [...] Mas esses 20 mil genes não controlam nosso corpo sozinhos.
Não estamos sós. Cada pessoa é um superorganismo, uma coletividade de espécies
vivendo lado a lado, em cooperação, para controlar o corpo que nos sustenta.
Nossas células, embora bem maiores em volume e peso, são superadas à razão de
dez para uma pelas células dos micróbios que moram dentro da gente e sobre
nosso corpo. Esses 100 trilhões de micro-organismos – conhecidos como a
microbiota – são predominantemente compostos por bactérias: seres microscópicos
constituídos de uma só célula. Junto com elas, há outros: vírus, fungos e
arqueias. [...] Os nossos micróbios são importantes para o nosso corpo [...].
Cada um de nós contém comunidades de micro-organismos tão singulares quanto
nossas impressões digitais. [...] Passamos a depender de nossos
micróbios, e sem eles seríamos uma mera fração do que somos. [...] Tanto como indivíduos quanto na
sociedade como um todo, passamos do frugal ao exagero; do tradicional ao
progressivo; da escassez ao excesso de luxo; da assistência médica precária aos
serviços médicos de excelência; de uma incipiente a uma próspera indústria
farmacêutica; da vida ativa à sedentária; do provinciano ao globalizado; do
fazer-e-consertar para o reformar-se e substituir; do decoro à desinibição.
[...] Muitos pais esperam transmitir o melhor de si aos seus filhos, além de
proporcionar a eles o ambiente mais feliz e saudável possível. O microbioma –
com sua influência genética e um controle ambiental – dá aos pais o poder de
fazer as duas coisas. [...] Acolher
os micróbios que viajaram conosco por milhões de anos é o primeiro passo para
aprendermos a valorizar o que realmente somos e, no fim, nos tornarmos 100%
humanos. [...] Trechos extraídos da obra 10% humano: como os
micro-organismos são a chave par a saúde do corpo e da mente (Sextante,
2016), da bióloga, escritora e zoóloga britânica Alanna Collen.
FESTIVAL ARTE NA USINA: INOVAR & EVOLUIR
De 7 a 10 de dezembro, na Usina de Arte. Veja mais aqui.
&
TEJUCUPAPO
[...] Mesmo reconhecido pelo exército como o episódio onde se deu a
primeira participação de mulheres brasileiras em conflito armado, a Batalha de
Tejucupapo toi banida dos livros escolares [...].
Trecho extraído da apresentação da obra Tejucupapo: história, teatro,
cinema (Bagaço, 2004), organizado por Cláudio Bezerra. Veja mais
aqui, aqui e aqui.