TROÇO BULINDO NAS CATRACAS DO QUENGO – Quantos dias a vida pendurada pela chaminé, até agora nada aconteceu,
nem dos porões os odores nem abrigo no meio da chuvada e o noticiário estampa a
alunissagem chinesa enquanto contamos as vítimas das enchentes de Minas Gerais
e Espírito Santo, o incêndio que destruiu o Memorial da América Latina e o
funeral de Nelson Mandela, o leilão dos aeroportos, o tufão das Filipinas e
desconforto dos preparativos às comemorações dos 50 anos do golpe militar de
1964, enquanto a tensão na Crimeia com referendo pela anexação russa, atentados
suicidas e explosão de ônibus elétrico na Rússia, manifestantes confrontam a polícia
na Ucrânia, homossexuais são condenados à prisão em Uganda, meninas são
sequestradas na Nigéria, o mundo está uma loucura, à beira de armistícios longínquos
em pé de guerra e tem quem ache que a culpa é da maconha que foi liberada no
Uruguai. Não se fala de outra coisa, pra quem vem ou vai mulheres a bordo dos
sonhos de consumo e Terra gira ninguém sabe pra onde. Uma fulana de lábios
protuberantes, cabelos curtos e muito atraente me surpreende na primeira
esquina, pergunta-me qualquer coisa que custo entender. Explica que é Rosetta e
despertou diante do cometa numa overdose e que me salvou porque quase fui
atinguido por um rojão que nem vi no que poderia ser a guerra entre opositores
e aliados na Venezuela. E mais se indignou numa revolta incontida com os
maridos agredindo suas esposas no aconchego do lar e torturam seus filhos porque
o patriarcalismo é cristão e tem que ser assim mesmo, ora, ora! Sem ter mais o
que dizer, pediu-me um cigarro e acendeu com as mãos em concha, tragando
agitada entre o fumaceiro a indagar quem era eu, ora, antes ameríndio que ela
já sabia do cara-pálida cruzarma senhor se fez, mameluco então e tão próxima
quanto erradia refletiu o que nem se discutia dos rumores confusos que ressoavam
na fuga dos instantes, o pavor desesperado na gritaria dos mortos e estávamos a
salvo das ameaças com catadura extenuada de extraviada pelo êxodo, porque
estávamos exilados e nem havia como saber a razão, eu sabia, afinal sou
brasindafro, apenas um receptáculo da minha macrobiota e ela eu não sei. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS – A arte não serve nenhum fim: tudo que é útil é
feio, porque é a expressão de alguma necessidade... o lugar mais usado em uma
casa é a latrina... Pensamento do escritor, jornalista e crítico
literário francês Théophile Gautier
(1811-1872). Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: O que determina a
existência de uma literatura é, em princípio, a sensação de alguém que tem a
consciência de sua própria terra... Pensamento do
jornalista, advogado e crítico literário da Academia Brasileira de Letras, Álvaro Lins (1912-1970). Veja mais aqui.
RAÍZES DO BRASIL – [...] Trazendo
de países distantes nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do
mundo e timbrado em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e
hostil, somos uns desterrados em nossa terra. [...]. Trecho extraído da
obra Raízes do Brasil (1995), do historiador
Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Veja mais aqui e aqui.
A QUESTÃO
DO SUJEITO ANIMAL – [...] Não é porque falta ao animal o
acesso às histórias nas quais ele aparece que sua vida não é fundamentalmente
determinada pelo uso que os humanos fazem dessas histórias. Um animal tem uma
identidade porque muitas coisas importam para ele, e porque várias dessas
coisas também importam aos humanos com quem compartilham sua vida. [...]. Trecho extraído da obra The Question of the Animal Subject (Routledge, 2014), do filósofo francês Dominique Lestel.
UMA MULHER ESCANDALOSA - [...] Em nosso povoado todo mundo era especial, e uma ou duas
moças, bonitas. Houve umas antes e depois, mas foi de Eily que me aproximei. Às
vezes a gente se vê aceita pelos outros, é querida, favorecida, se faz cúmplice,
e depois acontece, é o destino, e depois acaba e a gente se senta e descobre
que, infelizmente, chegou a vez de outra pessoa tomar o nosso lugar. [...] Eily
chegou de casaco de tweed e disse “Tarde cavaleiros”, ninguém fez nenhuma
observação, mas assim que tirou o casaco e descobriu a transparência do vestido
de seda pura e os ombros nus, Mestre Peter cuspiu na palma da mão e disse: não
é que ela nua fica uma mulher bonita [...] As pessoas ficaram
fascinadas. Ela não saiu da pista uma única vez, e quanto mais dançava mais
arrebatadora se tornava [...] enquanto os parceiros a rodopiavam mais e
mais. [...] Eu costumava ir até sua casa para brincar e, apesar das duas
serem mais velhas que eu, faziam chantagem comigo por meio de carreteis vazios ou
retalhos de fazenda para minhas bonecas, eu encarava Eily e ela desviava o
olhar para o céu como se quisesse me dizer “coitadinha”, mas ela nunca
contrariava Nuala, nem desobedecia às suas ordens. Em tudo e por tudo era uma
coisa horrível, mas mesmo assim eu ia lá toda terça-feira. Cascas de ferida ou
cortes eram considerados como coisas bem desagradáveis, e marcas de elástico
como sinais de coisa grave. Eu também tinha de fazer uma confissão geral.
Costumava ficar lá deitada, rezando para que a mãe delas voltasse para casa
inesperadamente. Era sempre na terça-feira, dia em que sua mãe ia ao mercado
vender coisas [...] Nuala usava uma máscara. Era de papel machê vermelho
e existia na casa desde que alguns mascarados tinham ido lá no dia da festa de
São Estevão, tinham sido mordidos pelo cachorro e perdido algumas de suas relíquias,
inclusive a máscara e uma perneira. Antes de começar ela tinha acessos de tosse
secos e bem conhecidos, imitando exatamente os acessos de tosse secos e bem
conhecidos de médico. Nunca poderei me esquecer aqueles últimos instantes em
que ela esticava o elástico por detrás da nuca e perguntava a Eily. “Tudo
pronto enfermeira?” [...] Ela disse que fora a graça de Deus que fizera
com que ela fosse lá antes de tudo naquela manhã porque senão o recado poderia
ter caído nas mãos de outra pessoa. Ele tinha combinado um encontro para o
domingo seguinte, e ela não sabia como é que sairia de casa nem que desculpa daria.
Eu disse que sim, que me tornaria sua cúmplice, sem saber onde estava me
metendo. No domingo disse a meus pais que ia com Eily visitar um primo dela, no
hospital, e ela por sua vez disse aos seus que fomos visitar um primo meu. [...]
Uma missão começou na semana seguinte e um estranho padre, com um belo
sotaque e um forte senso de retórica, dava os sermões toda tarde. Era melhor
que um teatro. Eu podia vislumbrar Eily, cercada pela mãe e por uma outra
senhora idosa, pálida e impassível [...] Um dia todos esses pecados
teriam de ser levados em conta para o castigo [...] Ela me disse para fechar
os olhos, abrir a mão e ver o que Deus ia me dar. Há momentos na vida em que o
prazer é maior do que a gente pode aguentar, e a gente desce a contragosto por
um violento túnel de medo e vertigem [...] Ela fez exatamente o mesmo e nos
beijamos e aspiramos o aroma envolvente. O cheiro do feno interviu, sendo assim
corremos até onde não havia feno e nos beijamos outra vez. Aquele momento tinha
um ar de mistério e santidade por causa da surpresa e de nosso mutismo, e eu
entendi em algum lugar por detrás de minha mente que estávamos envolvidas em
algo verdadeiramente sujo e que nossos dias de farra tinham terminado [...]
seu pai era um homem muito bruto, que nunca se dirigia à família a não ser para
pedir as refeições e dizer às filhas que se importassem com os livros
escolares. Ele próprio nunca fora a escola [...] Eu a vi morrer no frio
forno de cal e depois de novo num quarto doentio, e depois estirada numa mesa
de operação como eu costumava ficar. Ela se associaria àquela pequena irmandade
de mulheres escandalosas que conceberam filhos sem pais protetores e foram condenadas
de corpo e alma. Se elas se tivessem reunido teriam sido um bando de sete ou
oito, e poderiam ter lançado um gemido profano ao seu autor e seus sedutores
secretos [...] Lá ajoelhada, eu os via descobrir os traços de cada um
dos movimentos, conseguir pedaços de informação de uns e outros, os
pseudoprimos, a mulher que nos prometera groselhas, e a Sra. Bolan. Eu sabia
que nós não tínhamos esperanças. Eily! Sua coisa mais preciosa tinha ido
embora, sua joia. O lado de dentro da gente era como um reloginho e, uma vez
que a joia ou joias tivessem ido embora, o lado de fora era nada, só uma aparência.
Eu a vi morrer no frio forno de cal e depois de novo num quarto doentio, e
depois estirada numa mesa de operação como eu costumava ficar. Ela se
associaria àquela pequena irmandade de mulheres escandalosas que conceberam
filhos sem pais protetores e foram condenadas de corpo e alma. Se elas se
tivessem reunido teriam sido um bando de sete ou oito, e poderiam ter lançado
um gemido profano ao seu autor e seus sedutores secretos [...]. Trechos
extraídos da obra Uma Mulher Escandalosa (Francisco Alves, 1982), da
escritora irlandesa Edna O’Brien. Veja mais aqui, aqui e aqui.
DOIS POEMAS – JOGO - Vamos
nos livrar de tudo\ que\ se projeta para fora\ com golpes lentos e definitivos\
Todos empregados na tarefa\ de ser, viver, sentir\ sem outros vínculos.\ E quem
não consegue sufocar\ o seu amor pelo proibido,\ reivindica o seu direito à
dor,\ à sua penitência.\ Livremo-nos de tudo o que nos conformava à nossa\ imagem
e semelhança e aproveitemos com sabedoria o minuto absurdo e livre para a
memória. AQUI - Pregue você, eu desejo,\ do meu lado irritado\ e molhar suas
pupilas\ pela minha última morte.\ Aqui o sangue,\ aqui o beijo quebrado,\ aqui
a fúria desajeitada de Deus\ crescendo em meus ossos.\ Se eu te odiasse,\ o
mundo não vacilaria:\ o mundo nunca fica com raiva\ com aqueles que odeiam.\ Em
vez disso eu te amo\ e tudo é uma catástrofe ao redor:\ as vozes, as mãos, os
rostos\ todo mundo quer nos apedrejar\ Por que aquela mulher está gritando? \ por
que ele está gritando? \ Por que aquela mulher está gritando? \ Quem sabe \ aquela
mulher, por que ela está gritando? \ Quem sabe, \ olhe as lindas flores, \ por
que você está gritando? \ jacintos \ margaridas \ por quê? \ porque? \ Por que
aquela mulher está gritando? \ e aquela mulher? \ e aquela mulher? \ Quem sabe \
aquela mulher é maluca, \ olhe \ olhe os espelhos, \é por causa do seu corcel? \
Quem sabe \ onde você ouviu \ a palavra cavalo? \ É segredo \ aquela mulher, \ por
que ela está gritando? \ Olha as margaridas, \ a mulher, \ os espelhos, os \ pássaros
\ que não cantam, \ por que ela grita? \ Eles não voam, \ por que ele grita? \ que
\ a mulher \ e aquela mulher não atrapalham \, e a mulher estava louca? \ Ele
não grita mais \ (você se lembra daquela mulher?). Poemas
da poeta, tradutora e fotógrafa argentina Susana Thénon (1935-1991).
PENSAMENTO DO DIA – Quando não
se pensa direito, a cara sofre a maior vergonha. Tenho dito. Veja mais aqui.
UMA DO POETA ABEL FRAGA – Uma meritória de entrar nas Crônicas Palmarenses é,
sem sombra de dúvida, a tirada do poeta Abel Fraga, aquele quando via todas as
frochosas moças, moçoilas e senhoras rebolando impunemente nas calçadas: - Ih, tanta mulher dando sopa e eu sem colher
pra tomar. Veja mais Crônicas Palmarenses.
PORQUE CANTAR JÁ NÃO MUDA EM MANHÃ, DE FERNANDO FÁBIO FIORESE FURTADO – Conheci o trabalho poético do escritor e professor universitário
mineiro Fernando Fábio Fiorese Furtado com o seu livro Corpo Portátil (2002).
Nessa época fiz destacá-lo no meu Guia de Poesia. Depois reuni alguns de seus
poemas desse livro no meu blog Varejo Sortido.
Agora resolvi musicar o seu poema:
PORQUE
CANTAR JÁ NÃO MUDA EM MANHÃ
Música
de Luiz Alberto Machado sobre poema de Fernando Fiorese
Porque cantar já não muda em manhã
A paisagem, nem mesmo abrevia a cena
Onde me falta, ali onde o amor acena
- decerto uma rubrica temporã,
o gesto equívoco de quem espera
aquele que na palavra demora
e, sabendo não haver olhos nem hora,
descreve a elipse que não quisera.
Porque cantar já não apura senão
O palrar do corpo, a palavra pouca
E demasiada – o nada, o nunca, o não.
Porque mesmo em festa, cantar ressalta
O que em mim recusa, recua ou apouca
Quando a palavra acusa minha falta.
OBS: veja o clipe dessa música aqui.
E também selecionei alguns poemas seus no
Brincarte do Nitolino. E sempre que estou com esse personagem nos palcos pra
criançada, sempre recito:
LINHAS RIVAIS
Trem é texto
quando encontra desvio
Ou nos
surpreende em meio ao pontilhão,
E da origem as
pernas se desdão
Para o mundo
acomodar neste livro.
Mas texto é
menos trem que o enguiço
De saber que no
verso desembarca
Apenas a prosa
dessas coisas arcas
Com que menino
se salva do olvido.
Seja a prosa
como dormir num trem
E a poesia
quando a aduana sobrem:
Naquela, até o
sonho encontra sua reta,
Uma voz de si
mesma estrangeira
- e como fosse
toda ela suspeita,
A bagagem uma
outra mão desfaz
Mão que vacila
entre linhas rivais.
OS DESENHOS DE FABIANO PEIXOTO – Conheça os
desenhos do jovem Fabiano Peixoto clicando aqui.
Veja mais sobre:
Maria Callas, Psicodrama, Gestão de PME,
Responsabilidade Civil & Acidentes de Trabalho aqui.
E mais:
Arte & Entrevista de Luciah Lopez aqui.
Psicologia Fenomenológica, Direito
Constitucional, Autismo, Business & Marketing aqui.
Big Shit Bôbras, Zé Corninho & Mark
Twain aqui.
Abigail’s Ghost, Psicologia Social, Direito
Constitucional & União Estável aqui.
Betinho, Augusto de Campos, SpokFrevo
Orquestra, Frevo & Rinaldo Lima, Tempo de Morrer, The Wall & Graça
Carpes aqui.
Dois poemetos em prosa de amor pra ela aqui.
Agostinho, Psicodrama, Trabalhador
Doméstico, Turismo & Meio Ambiente aqui.
Dois poemetos ginófagos pra felatriz aqui.
Discriminação Religiosa, Direito de
Imagem, Direito de Arrependimento & Privacidade aqui.
A minissaia provocante dela aqui.
Princípio da probidade administrativa aqui.
O alvoroço dela na hora do prazer aqui.
Canção de Terra na arte de Rollandry
Silvério aqui.
Todo dia é dia da mulher aqui.
A croniqueta de antemão aqui.
Palestras: Psicologia, Direito &
Educação aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Leitora Tataritaritatá!!!
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.