terça-feira, outubro 16, 2007

HEIDEGGER, JOSUÉ DE CASTRO, RUBEM BRAGA, DAVID BURLIUK, CECILIA BARTOLI, ANA TEIXEIRA, BIOÉTICA, PSICOLOGIA SOCIAL, HUMAN RIGHTS WATCH & BIRITOALDO



PROEZAS DO BIRITOALDO - II - Quando não se pensa direito, a cara sofre a maior vergonha - É verdade que o marmanjo não se emenda e, quanto mais velho vai ficando, mais besta se manifesta. Assim foi Biritoaldo desde tenra idade: aprontador de pintar o sete. Um seboso pelejando por chamar a atenção de todos ao se engalfinhar numa maloqueiragem ineivada. Por causa de suas estripulias granjeou muitos apelidos da mais variada titulatura, desde aruazinho, lindozinho, fofinho, biuzinho, xeretinha, pirrototinho, bilunga, pitoquinha, cú-de-mãe, cheira-peido até outros muito mais escabrosos não mencionáveis pelo decoro público. Era ele o resultado da união de seu Manoel e dona Táquia, casal tomado de ufanidade desde o seu nascimento. Seu Manoel Bertolino estava feliz naquele dia, uma terça-feira gorda de carnaval, vinte e nove de fevereiro. Ele, o pai, não bebia, não fumava, religioso dos pés à cabeça, não aderindo aos festejos ocasionais que tanto tocam fogo pro sujeito se infincar na bebedeira, abstêmio roxo mesmo. Naquele dia, porém, enquanto dona Táquia gemia deitada na cama do quarto com umas contrações fortes pela distocia - daquelas que de tão agudas pareciam mais anunciar a chegada do anticristo -, estava ele para se esbaldar. Nem ai. Contudo, todas as providências haviam sido tomadas para amenizar as dores dela: um saquinho com raiz de mandrágora e pedras de ara no pescoço; e na mão esquerda um cordão de São Francisco. A parteira, vigilante, a postos, aguardando a hora certa. A parturiente suando com as pernas abertas e se agoniando com a demora de rebentar. Do quarto taciturno ouvia-se a folia toda do carnaval com a gota, fervendo no calçamento. A barulheira dos carros em alta velocidade na festança dos côrsos, aliados à gritaria do povinho nos festejos do tríduo momesco, misturado com mela-mela e frevo. E o bicho, nada de rebentar. Já estava, assim, pelas contas, com mais de dez meses, incruado e deixando a barriga da mãe pela boca. A avó, mãe dela, uma baiana catimbozeira de Cachoeira, terra dos mais abalizados babalorixás, que atendia pelo nome de Mãe Nêga, estava num matagal longe do quintal, alinhando os planetas e decifrando o que estava por acontecer. - Vai ser menino! -, balbuciou a avó com um ar de vidente. O pai todo ancho, pabo, nunca acreditara nas doidices de Mãe Nêga vez que sua religião não permitia. Entretanto, naquela hora, ficou feliz com a revelação. - Deus te ouça, velha! O marido não escondia seu sobressalto acompanhando nervosamente a oração das vizinhas e parentes, todas dedicadas em ladainhas para Nossa Senhora do Bom Parto, do Bom Sucesso, do Ó, da Conceição, das Dores, dos Anjos, de Lourdes e das Graças. Entre um gole e outro, vez em quando, Seu Manoel abria o buticão de olho para ver o que se sucedia com a esposa. E a ladaínha lá, insistente. - Esse mardito quer morar aí dentro, é? -, reclamava ele, intrigado. À certa altura da noite, deu-se um vento ruim. Tudo escureceu e um silêncio marcou o momento. Era breu pesado. De um raio apagou a luz. - Que droga é nove? -, inquiriu alguém amedrontado. Dava para se ouvir a tremedeira dos ossos medrosos. Ouviu-se mais, depois, um barulho ensurdecedor. Tuuumm! - Alguém desentupiu! -, sentenciou a velha com o dilatado de músculos naquela hora. Ploft!. O menino rasgou o silêncio e a escuridão, deslizando nas mãos da parteira. Scrash! Mudo, teve de levar umas palmadas da bunda ficar vermelha em brasa. Foi um chororô apavorado do menino. Todo mundo se arrepiou ali. A luz chegou forte com a inhaca podre que dominava o ambiente. Quem aguentava o fedor? - O bicho veio podre! -, reclamou outro presente. - Passou do ponto! -, finalizou a parteira. O genitor agarrou uma garrafa de champanhe traduzindo a felicidade medonha que invadira aquele lar. E a festa trouxe gente curiosa, fofoqueira, pinguça, interesseira, rica e pobre, levada pela carniça até o recinto, tomando conhecimento de perto daquele sucedido. A catinga tomou os domínios da cidade. Foi gente a dar com pau na festividade. Por causa da chegada do primogênito tudo ficou sendo permitido na casa do catolicíssimo que pedia perdão, todo dia, nos pés do padre, por possuir um enchimento com variado estoque de bebida. O homem então lançou mão de todas as prateleiras para festejar importante acontecimento. - Hoje a bebida é de graça! -, comemorou Manoel Bertulino levando uma taça para a parturiente que ainda se contorcia de dor. - Não respeita nem o resguardo da mulher, seu porco? -, reclamou Mãe Nega, censurando sua atitude incômoda para o momento, começando um desentendimento regado a um bocado de desaforo. Assim, de um vento ruim nascia Biritoaldo. Vinha ao mundo por volta da meia-noite e dois minutos e trinta e um segundos, depois de uma terça-feira gorda e já anunciando a quarta-feira de cinzas. Veio mudo, apanhando com um choro brabo e, depois, para agonia dos presentes, todo se cagando. Não havia reza forte nem conhecimentos medicinais preventivos que aplacasse aquela caganeira desinfeliz. - Oxente! O menino tá se acabando pelo fundo feito panela, gente! -, gritou Mãe Nêga, realizando nele um verdadeiro exorcismo para afastar encosto ruim e más companhias. De posse de um talismã e com um cordão de seda preta, enfiou um sino-saimão, tres vinténs de prata, furou uma argola e ajuntou a uma meia lua, uma figa e um dente de lôbo, apondo tudo no pescoço do recém-chegado, para ficar curadinho da silva, loguinho, loguinho. Pronto, Manoel agradeceu à sogra por sua providência. O cabra-de-pêia, macho-duma-figa, bruguelo danado, tava agora se esgoelando para alegrar os presentes. No entanto, mal passara o susto do desarranjo, já vinha o menino se arroxeando de repente, não conseguia nem mais chorar de tanto esforço que fazia. - Será que a bosta ficou presa? - Não mulher, ele tá ficando preto! - Vôte! Comentários os mais transcendentais multiplicavam os mistérios do evento. Não passara ainda das quatro da madrugada, exatamente noventa minutos depois de curado, nova fatalidade se esboçava ali. Nova correria se sucedeu dentro de casa. Remédios e benzeduras não davam conta da maledicência que se abatia sobre aquele ser infeliz. Gente num entra-e-sai danado, rebuliço de unguentos, agonia e vexame para todo lado. Eis que passava pelas imediações um médico beberrão, se trumpicando a confundir uma perna pela outra, acudindo com um copo de cerveja na boca do acamado. Todo mundo foi só repreensão. Virou um escarcéu. - Calma! -, arguiu o cambaleante doutor - ele estava com uma desidratação e já está medicado. Agora, o problema dele, mesmo, é que não tem buraco na pinta para mijar! Arrepare só, espia: nascer se cagando, ficar desidratado e com o pimpôlho tapado, é muita urucubaca para um serzinho só, né não? - Dê-me uma agulha! -, exigiu, mal podendo abrir os olhos de tanta bebice, recebendo taxativamente uma negativa de todos. Aí, não teve dúvidas, fez um quatro entre as pernas, caiu estatelado no chão com uma brocha arrancada do solado do sapato e, aos tombos, levantou-se e, violentamente, cambaleando, furou a pica do bichinho. Foi o maior aguaceiro. Rá! Uma risadagem explodira. - Foi o tinhoso que tapou a saída do mijo do meu netinho! Até então ninguém notara que, devido a tontice do dito cirurgião, a furada na bimba do desfalecido foi dada pela borda de cima do chapéu de vaqueiro o que, ainda hoje, o faz vencedor de aposta de mijo mais longínquo que se tem notícias. Conta a crônica policial que naquela madrugada houve no menos trezentos e sessenta e cinco abalroamentos, duzentas e noventa vítimas, dezoito delas fatais, dois mil e quinhentos estupros, quatro mil seduções, quinhentos e oitenta cabaços perdidos, três mil calcinhas encontradas e dadas por perdidas, seis sacis correndo bicho e um lobisomem que, a essa altura do campeonato, virara gay. Estatística precisa dos acontecimentos carnavalescos dali, procedida pela Datambique, a processadora e apuradora de dados locais, com toda população voluntária no levantamento de tais números. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais Proezas do Biritoaldo


A arte da artista, desenhista, fotógrafa e instaladora com intervenções urbanas e em vídeo, Ana Teixeira.


Curtindo os álbuns Sacrificium; The Music of the Castrati (Decca – CD/DVD - 2009) & Arie Antiche: If you love me (London Records, 1993), da cantor lírica mezzo-soprano italiana e popular intérprete de óperas e recitais, Cecilia Bartoli.

PENSAMENTO DO DIA - [...] Todo sujeito é o que é somente para um objeto e vice-versa [...]. Trecho extraído da obra Ser e tempo (Vozes, 1998), do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976). Veja mais aqui.

GEOPOLÍTICA DA FOME – [...] A verdade é que não basta produzir alimentos lançando mão de todas as técnicas disponíveis, é preciso que esses alimentos possam ser adquiridos e consumidos pelos grupos humanos que deles necessitam. [...]. Trecho extraído da obra Geopolítica da fome (Brasiliense, 1957), do médico, professor catedrático, pensador, ativista político e embaixador do Brasil na ONU, Josué de Castro (1908-1973). Veja mais aqui.

O BRASIL ATRÁS DAS GRADES –  [...] Dados os altos índices de crimes violentos no Brasil, a apatia pública em relação aos abusos não é surpresa. os presos são quase exclusivamente originários das classes mais pobres, sem educação e politicamente impotentes, à margem da sociedade. Confiná-los em  em condições humanas é uma proposta dispendiosa. Mesmo a solução atual – de confinamento em condições de superlotação extrema, onde falta assistência médica e abusos físicos são comens – é dispendiosa, considerando-se o alto custo de vidas arruinadas, num estrondoso desrespeito às leis e com altos índices de reincidência. Além disso, os defeitos do sistema penal são em grande parte devidos à ausência de vontade política para ajustá-los, ao invés de falta de verbas. Algumas das crueldades mais extremas das quais os detentos brasileitos são vítimas não podem de forma alguma ser atribuída à falta de recursos públicos. [...]. Extraído do relatório O Brasil atrás das grades (1998), da Human Rights Watch. Veja mais aqui e aqui.

BIOÉTICA – A obra Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos, de Guy Durand aborda temas como a emergência e situação da bioética, os antecedentes, correntes diversas, vocabulário prévio, noção, objeto, principais setores, normatividade ética, definição e natureza, balizas éticas, abordagem norte-americana, abordagem latina, fundamentos, exigência da prática, institucionalização, síntese e futuro, bioética como ética, profissionalização, interdisciplinaridade, ética do discurso, métodos de análise, discernimento das normatividades, a rejeição da questão, as teorias éticas, a pessoa humana, perspectiva de conjunto, ética do conhecimento, o respeito humano, entre outros assuntos. REFERÊNCIA: DURAND, Guy. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. São Paulo: Sã Camilo, 2010. Veja mais aqui.

PSICOLOGIA E COMPROMISSO SOCIAL – O livro Psicologia e compromisso social, organizado por Ana M. Bahia Bock, trata de compromisso da psicologia, desafios, metodologia e epistemologia, contribuição das políticas públicas, DSDT/AIDS, orientação profissional, orientação sexual, saúde mental, colonialismo cultural, psicologia social, pedagogia e educação, entre outros temas. REFERÊNCIA BOCK, Ana (Org.). Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. Veja mais aqui.

A CACHAÇA – [...] Mas qual! O governo ignora pudicamente essa imensa realidade nacional que é a cachaça – a não ser para lascar impostos em cima ou proibir a venda aqui ou ali dentro de certos horários. E já estou a ouvir daqui o comentário daquele meu amigo que foi presidente do IAA, se chegar a ler esta crônica: - O Braga quer salvar o Brasil com a cachaça...  Sim, cachaça faz mal, e quanto mais, pior. Mas foi com a cachaça que o brasileiro pobre enfrentou a floresta e o mar, varou esse mundo de águas e de terras, construiu essa confusão meio dolorosa, às vezes pitoresca, mas sempre comovente a que hoje chamamos Brasil. É com essa cachaça que ele, através dos séculos, vela seus mortos, esquenta seu corpo, esquece a dureza do patrão e a falseta da mulher. Ela faz parte do seu sistema de sonho e de vida; é como um sangue da terra que ele põe no sangue. Trecho da crônica A cachaça também é nossa, extraído da obra As boas coisas da vida (Record, 2010), do escritor Rubem Braga (1913-1990). Veja mais aqui.


Imagem: Leda and the Swan, oil on canvas, signed lower right, do poeta, pintor, mecenas e dramatgurgo russo David Burliuk (1882-1967).

POEMA - Somos jovens jovens jovens / Frio dos diabos no estômago / Agora sigam-me todos... / Por trás dos meus ombros / Meu chamado consiste / Neste orgulhoso speech / Mastiguemos a grama e as pedras / O doce o amargo os venenos / Abocanhando os espaços / Do mais profundo ao mais alto / A fera o monstro a escama a pluma / O vento a argila o sol a espuma!... Poema do pintor, escritor, mecenas da arte e dramaturgo russo David Burliuk (1882-1967). Veja mais aqui.


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Honoré de Balzac, Jean-Luc Godard, Montaigne, Direito de Amar e danos de amor, Suzana Salles, Louis Hersent, Charlotte Wolter, Cécile Camp, Milo Moiré, Louis Maeterlinck & Clevane Pessoa de Araújo Lopes aqui
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Lagoa Manguaba, Luís de Camões, Luís da Câmara Cascudo, Caio Porfírio de Castro, Manoel Bentevi, Alain Resnais, Aldo Brizzi, Teatro Renascentista, Sabine Florence Azéma, Larry Vincent Garrison, Tomas Spicolli & Viviani Duarte aqui


CRÔNICA DE AMOR POR ELA
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CANTARAU TATARITARITATÁ
 Recital Musical Tataritaritatá - Fanpage.
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PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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