quarta-feira, outubro 31, 2007

SARAMAGO, VALÉRY, TORQUATO NETO, MARTIN-BARBERO, PEDRO DEMO, SIMONE FERRAZ, FECAMEPA: A CANA, CORONÉIS & MAMOEIROS


A CANA: DOS CORONEIS AOS MAMOEIROS -  Imagem: Ivonaldo.-  Gente, é sério mesmo, o que se parece uma broquice da maior risadagem, não tem graça nenhuma. Verdade, se olhar direitinho vai ver que enquanto os de lá saboreavam a doçura no paladar dos privilégios, a amargura pegava pesado numa tragédia que se fincava na touceira de cana dos daqui até hoje. Para se ter idéia, o cenário da época era de que a coisa fervia virada na porra por aqui e pras bandas de lá dos invasores, estava faltando terreno com áreas cultiváveis para a cana-de-açúcar, uma gramínea perene, do gênero Saccharum, cujo produto estava escasso e custando os olhos da cara deles. Só luxo mesmo. Originária possivelmente do Sudeste da Ásia e desenvolvida mais precisamente na Nova Guiné, a cana "crioula" chegou aqui quase meados dos século XVI e foi explorada até o início do século XIX, quando passou a apresentar variedades híbridas, tratadas hoje com fungicidas, herbicidas e fertilizantes, cultivada na base das queimadas e que constitui a principal fonte primária para fabrico do açúcar, do álcool, aguardente, papel e de outros produtos, além de ser a responsável pela patriarcal, escravocrata e latifundiária realidade brasileira desde então. Cultivada então desde antes de 1500 quando já era utilizada de forma sólida por árabes e chineses em épocas bastante remotas, ela foi trazida por Colombo para as Américas e, logo depois, os portugueses adotaram seu cultivo nas ilhas de Cabo Verde, Açores e Madeira. Em 1532 ela chegou em Pindorama por causa da expedição de Martim Afonso de Souza. E como aqui, solos aluviais de massapé e eluviais de barro vermelho, clima tropical quente e úmido, em se plantando tudo dá e, ainda, contando com o privilégio da mão-de-obra escrava dos índios e, depois, dos negros africanos, claro que não podia dar mais certo, né não? Quer mais moleza, ora! Fomentada pelas capitanias hereditárias, a cana foi desmatando a mata atlântica por toda costa litorânea, se estabelecendo em São Vicente - São Paulo, e São Tomé - Rio de Janeiro, mas só teve seu esplendor com Duarte Coelho, em Pernambuco, inaugurando o primeiro centro açucareiro daqui. Foi aí que o olho gordo foi crescendo para nossa banda, a ponto dos batavos apoiados pela Companhia das Índias Ocidentais, empresa fundada em 1621, e pelos Estados Gerais das Províncias unidas – a Holanda de então, descerem aqui de mala e cuia em 1630, ficando por 24 anos até serem expulsos em 1654, talvez uma das maiores senão a maior cagada de toda nossa história. Pois é, bronca da peste. Se pros estrangeiros a coisa não ia boa, pior ainda para quem era tratado como figurante nessa história. Quem? Quem? É, nos engenhos de açúcar, conforme relato encontrado do padre Antonio Vieira, do século XVII: “Quem via na escuridade da noite aquelas fornalhas tremendas perpetuamente ardentes (...) o ruído das rodas, da gente toda de cor da mesma noite, e gemendo tudo, sem trégua e descanso (...) toda a máquina e aparato confuso e estrondoso daquela Babilônia não poderá duvidar, ainda que tenha visto Étnas e Vesúvios, que é uma semelhança do inferno”. Essa denúncia é feita em 1532 e se perpetuou até os dias hoje, isto porque a jornada dos escravos da cana-de-açúcar sempre foi de sol a sol, como ainda é feito pelos “Andorinhas” – os itinerantes clandestinos bóias-frias –, que migram invisíveis pendurados no pau-de-arara por todo território nacional onde ocorrem safras e entresafras nas grandes propriedades canavieiras. Eita, boba-torreiro da peste mesmo, hem? É. No desenrolar do carretel histórico, chega-se ao surgimento no século XIX dos engenhos centrais e, logo após, as usinas produtoras de açúcar demerara e de açúcar branco. Os engenhos começam a desaparecer depois de meados do século XX, lá pelos anos 60/70, tudo engalobado pela usina, restando alguns que resistem no tempo. É importante frisar que a cana também fez surgir primeiro de tudo a figura do coronel, o oligárquico senhor de engenho que tinha poder total sobre todos os moradores de sua propriedade e sobre a sua região com sua escravaria: "os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho, sem eles no Brasil, não é possível fazer, conservar e aumentar a fazenda, nem ter engenho corrente". Tais senhores cagavam-raio e eram donos dos currais eleitorais com a sua arrogância usurpando todas as barreiras para conter as tensões e conflitos, tangendo o povo e determinando o destino de tudo, caracterizando o tipo sanguinolento de sociedade autoritária, aristocrata e violenta no paraíso do açúcar. Bastava ele puxar um fiapo do bigode e tudo se estropiava ao seu mando, pois quando o homem roncava valentia, era de se aviar pois o mundo se desvirava todo. Depois, vieram os usineiros, os donos cheios das bufunfas dos complexos industriais sustentados pelo trabalho clandestino de bóias-frias esbagaçados no eito, que carregam aqueles antiquados preceitos tradicionais de rigidez, verticalização, burocracia e montados naquele secular e decadente paradigma mecanicista que vige na alegria dos seus lucros: vinhos novos em odres velhos. Pois é, esses eram os desconfiados e sabidos, faziam tudo circular no ciclo que vai da festa na botada e da tristeza tumular na pejada. A roncadeira não era menor: quando queriam, faziam, pintavam e bordavam. E ainda freiam tudo, não se engane. Indagorinha mesmo aprontaram e continuam aprontando até sabe-se lá quando. Pois é, o coronel vivia da escravaria enquanto que o usineiro vive da itinerância do bóia-fria. E esses dois tipos empestados protagonizaram a rede de mamatas e nebulosidades que enriqueceram demais o anedotário do país. O anedotário só não, os índices de violência e a desgraça brasileira. Eles sempre foram festejados e mantidos sob um proselitismo que enoja com a babada da claque de seus lambecús e puxa-saco, e tidos por todos como deus no céu e eles na terra. São sempre condecorados como patronos, paraninfos, cidadãos exemplares e até pela Abrinq como "Amigos da criança", mesmo que eles queimem a vida e as carteiras profissionais de trabalhadores e promovam subempregos com pífios salários; que mijem nos copos dos bares e obriguem seus freqüentadores a ingerirem sua urina deificada como aperitivo; que estuprem virgens em nome de sua extravagância; que rasguem leis e tenham todas as ordens sob o seu mando; que pisem com todos os seus mais descabidos caprichos e cuspam na cara de qualquer sujeito - para eles, uma qualquer bosta de cavalo do bandido -; que quando contrariados mudam o rumo dos ventos só para serem paparicados pela covardia subserviente de todas as autoridades federais, estaduais e municipais; isso tudo e meio mundo de coisa mais intragável, inconcebível e injustificável. Esses caras são nó-cego mesmo, num duvide! Além do mais, são eles detentores daquela ultrapassadíssima política autocrática, caracterizada pela postura rígida e impositiva de sua figura mandonista, agindo de modo arbitrário e legalista, somente fazendo concessões se as leis e os acordos atenderem seus próprios interesses. São tão reacinários que acomodam os dois culhões do lado direito, a ponto de Castelo Branco (aquele mesmo do golpe de 64) dizer que usineiro é a raça mais retrógrada do país - o que diria, por exemplo, o Gregório Bezerra quando os apelidou de “mamoeiros”, hem? Pois é, são tão conservadores que insistem no curral eleitoral dos antigos coronéis. Prova disso é a eleição de políticos que dispensam comícios e sequer botam a cara no guia eleitoral nas épocas de campanha política. Quando a gente vê, o cara tá eleito: como? Dinheiro, meu, poder do dinheiro, compram voto, dignidade, gente, mundiça, tudo. Esses semideuses são fortemente armados e acompanhados de seus capangas trogloditas, exigindo o respeito de serem tratados por "dr. Fulano patrão". E depois de mamarem em todas as tetas possíveis e imagináveis da mãe-pátria - dizem os mais linguarudos que esculhambaram o pró-alcóol, foderam o IAA, são isentos de impostos e quando não sonegam, velhacam; etc etc etc -, exigem anistia de seus débitos e zarpam para outras pradarias deixando só os ferro-velhos de cangalha pro ar. Isso tudo ainda não é tudo, pois, gozam de prestígio imaculado, aumentam sempre as áreas de cultivo, renovam o parque industrial e as frotas, ampliam a produção com suas máquinas de última geração, isso sempre contando com apoio suntuoso do BNDES com o seu Moderfrota, mantém as Coopergatos que são as cooperativas de prestação de serviço que eliminam qualquer responsabilidade do empregador sobre o empregado; e possuem polícia sob o seu mando para proteger seus patrimônios e a justiça comprada no seu bolso. Aliás, todas as autoridades só fazem qualquer coisa depois de pedirem sua bênção. Ademais, usurpam leis, são privilegiados por anistias fiscais e tributárias, fazem confissões de dívidas nunca honradas, desafiam e se juntam belicosamente para defender seus sagrados interesses, possuem na mão e sob seu severo domínio desde presidente da república até o vereador mais xucro da menor cidadela, vilarejos, arruados e taco de terra do território nacional. Eita, estopô calango da peste!!! Pois é, da cana nasce toda raiz histórica do país que passa pelos peidarrotos dos coronéis canavieiros, atravessa toda topada e vuque-vuque dos séculos todos, até a catinga do reino dos mamoeiros dos últimos tempos. Por essa, dá para se ter a mínima idéia de como a coisa deu e está pegando até agora, né não? E vamos aprumar a conversa & tataritaritatá!!! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais Fecamepa aqui


PENSAMENTO DO DIAToda descrição reduz-se à enumeração das partes e dos aspectos de uma coisa vista, e esse inventário pode ser elaborado numa ordem qualquer, o que introduz na execução uma espécie de acaso. Pensamento do filósofo e poeta do Simbolismo francês, Paul Valéry (1871-1945). Veja mais aqui.

A LINGUAGEM DA JUVENTUDE – [...] Os pais jogam a culpa nos meios de comunicaçãoe os professores também, sem perceber que os jovens estão expressando a emergência de outras culturaas, de outra sensibilidade. Sabem o que significa a música? A música é o idioma em que se expressa a juventude de hoje. Isto é novo, é uma coisa estranha, o fato de que toda a juventude deseje expressar-se através da música [...] A juventude aparece como um novoator social, que tem rosto próprio e aqui vem o problema: os jovens estão construindo um novo modelo de identidade. [...] As identidades dos jovens, hoje, são, para o bem e para o mal, fluidas, maleáveis. Acho que uma das coisas mais importantes da juventude [...] é que ela pode combinar, amalgamar elementos de culturas muito diversas, que para nós seriam incompatíveis. [...]. Trecho de Sujeito, comunicação e cultura (Revista Comunicação e Educação, 1999), deo semiólogo, antropólogo e filósofo colombiano Jesus Martin-Barbero.

A EDUCAÇÃO & A ESCOLA - [...] A escola, por ser um dos lugares de exercício do método dialético [...] deve possibilitar as vivências das contradições presentes na realidade. Nela, os alunos, por meio da apropriaçãosólida dos métodos científicos, devem analisar as manifestações da vida e ampliar o conhecimento da realidade para que possam, assim, contirbuir para sua transformação. Para estudar a realidade atual, os alunos devem vivê-la intensamente, se impregnar dela, estabelecer todas as relações possíveis, vivenciando a essência dialética de tudo que existe [...]. Trechos extraídos da dissertação de mestrado Formação de professores e avaliação: um estudo da percepção dos discentes de um curso de pedagogia (Universidade Estadual de Campinas, 2006), da professora doutora Maria Simone Ferraz Pereira.

APRENDER & PESQUISA – [...] Uma coisa é aprender pela imitação, outra pela pesquisa. Pesquisa não é somente produzir conhecimento, é sobretudo aprender em sentido criativo. É possível aprender escutando aulas, tomando nota, mas aprende-se de verdade quando se parte para a elaboração própria, motivando o surgimento do pesquisador, que aprende construindo. Trecho extraído de Pesquisa: princípio científico e educativo (Cortez, 2003), do sociólogo e professor Pedro Demo. Veja mais aqui.

OBJETO QUASE - O rapaz vinha do rio. Descalço, com as calças arregaçadas acima do joelho, as pernas sujas de lama. Vestia uma camisa vermelha, aberta no peito, onde os primeiros pelos da puberdade começavam a enegrecer. Tinha o cabelo escuro, molhado de suor que lhe escorria pelo pescoço delgado. Dobrava-se um pouco para frente, sob o peso dos longos remos, donde pendiam fios verdes de limos ainda gotejantes. O barco ficou balouçando na água turva, e ali perto, como se espreitassem, afloraram de repente os olhos globulosos de uma rã. O rapaz olhou-a e ela olhou-a a ele. Depois a rã fez um movimento brusco e desapareceu. Um minuto mais e a superfície do rio ficou lisa e calma, e brilhante como os olhos do rapaz. A respiração do lodo desprendia lentas e moles bolhas de gás que a corrente arrastava. No calor espesso da tarde, os choupos altos vibraram silenciosamente, e, de rajada, flor rápida que do ar nascesse, uma ave azul passou rasando a água. O rapaz levantou a cabeça. No outro lado do rio, uma rapariga olhava-o, imóvel. O rapaz ergueu a mão livre e todo o seu corpo desenhou o gesto de uma palavra que não se ouviu. O rio fluía, lento. Extraído da obra Obecto quase (Companhia das Letras, 1988), do escritor, teatrólogo, jornalista e dramaturgo português José Saramago (1922-2010). Veja mais aqui.

GO BACKVocê me chama / eu quero ir pro cinema / você reclama / meu coração não contenta / você me ama / mas de repente a madrugada mudou / e certamente / aquele trem já passou / e se passou / passou daqui pra melhor, / foi! / Só quero saber / do que pode dar certo / não tenho tempo a perder. Extraído da obra Os últimos dias de paupéria: do lado de dentro (M. Limonad, 1982), do poeta, jornalista, letrista e experimentador da contracultura, Torquato Neto (1944-1972). Veja mais aquiaqui.



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