sábado, julho 05, 2014

ANN LECKIE, URSULA ANDKJÆR OLSEN, TAOS AMROUCHE & DIC’ARTES

 


DAS BRONCAS ROENDO O JUÍZO – Já vi de tudo: gente desenvultar depois de décadas; chutar a bola e correr pra comemorar um gol contra; cair de costa e quebrar o nariz; sujeito pára-raio: eita! Num é que o relâmpago pegou-lo do nada! O Brasil andar prá trás (ah, sempre!); olhar pra cima e cair no buraco – eita! Pegar carona pra casa da peste; errar o caminho e acertar na veia; jogar na loteria e acertar no jogo da velha; dar salto solto e bundacanasca, plantar bananeira e se esfolar no arame farpado; botar maior lábia e findar perebento de relar o couro no muro; bater pé firme no chão e se estrepar com a lapada no lombo pelo desafio; levar na cara o cuspe dado pra cima; penar pra fazer tudo certo pra se lascar enrolado na bronca. Ora, ora. Do jeito que o desembesto vai, não terá quem pegue a causa. O que tem de gente fabricando tempestade, uivando no bombo e andando como quem segura o peido, não tá no gibi, avalie! Cada um por conta própria nas ondas do desprezo, cada qual seu caritó de boca aberta e queixo caído. A coisa está mais praquela do ninguém tem nada a ver com isso! E antes que eu me esqueça: Vamos aprumar a conversa, gente! Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Se você vai fazer um ato de desafio desesperado e sem esperança, você deve fazer um bom ato. As coisas acontecem do jeito que acontecem porque o mundo é do jeito que é. Afinal, qual era o sentido da civilização senão o bem-estar dos cidadãos? São as pessoas sem dinheiro e sem poder, que querem desesperadamente viver, para essas pessoas as coisas pequenas não são nada pequenas. Pensamento da escritora estadunidense Ann Leckie. Veja mais aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Grande parte do nosso trabalho na vida consiste em fugir de uma tarefa dolorosa ou desagradável. A melhor maneira de aprender é fazendo. O trabalho duro vence o talento quando o talento não trabalha duro. A chave do sucesso é a perseverança. Pensamento da médica e acadêmica estadunidense Alice Hamilton (1869-1970), uma das principais especialistas na área de saúde ocupacional, pioneira na toxicologia e a primeira mulher nomeada para o corpo docente da Universidade Harvard.

 

JACINTO PRETO - [...] Aqui está o que a senhorita Anatole me acusa: - Uma personalidade muito forte. - Uma escala de valores diferente da sua. - Opiniões, pensamentos, maneiras de falar que são específicas para mim. - Negar a vontade (!). - Falar de Rousseau e Gide em todos os momentos... Pensei encontrar em vocês - jovens com altos ideais - a verdadeira compreensão e não aquela que se prende às aparências... [...]; Trecho da obra Jacinthe noire (Joëlle Losfeld, 1996), da escritora e cantora argelina Taos Amrouche (1913-1976). Veja mais aqui.

 

DA MINHA CAIXA DE JOIASI - eu pinto brilho \ eu pinto brilho \ ao redor de tudo o que precisa brilho pintado ao redor dele \ sem a cobertura necessária \ sem o ouro necessário \ sem a prata necessária \ sem ter o que é necessário \ eu pinto isso \ e ninguém pode tirar isso de mim II - a criança que é tirada do cofre \ e não volta mais\ está em dívida, perdeu a falta de dívida e \ não é mais apenas\ um presente\ eu acalmo, diminuo, alivio \ sua vontade de\ seja um presente novamente \ (só você) III - o dom que vem antes da possibilidade do dom como \ um raio \ e o peito é \como uma pira \ como um oceano \ como uma pira em cima de um oceano\ o fato de que o presente vem antes do humano \ que o humano vem depois do presente\ no momento da culpa\ caindo dentro de sua culpa \ caindo fora de sua inocência IV - pessoas dizendo a outras pessoas para superarem \ seus sentimentos\ e eles estão errados V - estar 1:1 com o seu sentimento \ quando você sabe que não é o único sentimento presente \ em uma determinada situação, \ não é o único sentimento possível\ estar 1:1 com o seu sentimento, \ mesmo quando você sabe que não é o único sentimento presente, \nem o único sentimento possível \ em uma determinada situação\ deixe os outros serem 1:1 com os deles VI - distribuir pequenas doses de ódio para treinar o sistema \ quando a próxima dose chegar \ como um diamante \ vindo de fora \ de um ser inesperado, \ tudo estará pronto \ o cenário está \ pronto para receber \ distribuo pequenos diamantes \ em seus canais\ treinar \ para encontrar as configurações \ etc. VII - o que eu quero dizer é: \ quão difícil é deixar os outros sentirem o que eles sentem \ quão difícil é deixar os sentimentos dos \ outros estarem presentes \ na sala \ sem mudá-los\ quando você tiver conseguido isso, só então \ você deve cumprimentá-los com as \ mãos em concha\ aceite-os um por um \ enquanto eles chegam como \ diamantes de ódio vindos de veios de ouro \ leve-os para a floresta, para o oceano, para o céu, para a cozinha \ coloque-os na terra \ coloque-os na água \ coloque-os no vento \ coloque-os no fogo \ coloque-os em seus lugares e diga: \ esse sentimento nunca deve ser mudado VIII - talvez diga: \ vamos dar forma a esse sentimento, fazê-lo brilhar mais claro do que \ nunca\ esse sentimento deve brilhar em seu cenário. Poemas da escritora dinamarquesa Ursula Andkjær Olsen.

 

OUTRAS DIC’ARTES

 

 Imagem: foto Márcia Novo.
Ouvindo Márcia Novo cantando Possivelmente, parceria musical de Nilson Chaves & Felipe Cerquize:

Caso você queira
eu faço um mundo novo.
Posso girar ao contrário,
contrapondo o sentido horário,
até que me torne um menino
entregue ao meu contradestino.
Caso você queira,
eu faço brotar mil gerânios
no inverno de Leningrado.
O mundo está todo errado.
Quase tudo é possível:
a surpresa esperada,
o brilho da Lua nova,
Idiomas sem palavras,
céu azul de madrugada.
Caminhar sobre água corrente,
refrescar-se no sol do Atacama.
Ver no gelo incandescente
a paixão de quem não ama.
Caso seja seu desejo,
torno nosso amor possível.
por mais que seja improvável
por mais que isto seja incrível.


FELIPE CERQUIZE – Conheci o poetamigo, compositor e engenheiro químico Felipe Cerquize faz uma data. Não sei bem quando, sei que foi, acho, por volta de 1997 quando entrei internet, ou por aí. Batemos o centro da nossa amizade quando conheci o seu livro Rhumor (1996) e, logo depois, o seu ótimo cd com músicas autorais Léguas (1999). Trata-se de um escritor premiadíssimo: já arrebatou duas vezes o FEUC de Poesia (2003/2007), o Balada do Impostor (2007), o 140 Letras (2009), o internacional Nósside (Itália/2010), o IV Festival de Música das Rádios MEC e Nacional (2012), entre outras indicações e prêmios. Em 2005 ele lançou o livro Contos sinistros e, em seguida, lançou o Conversa Rimada em parceria com Luhli (premiado pela UBE/2007). Em 2011, foi a vez dele lançar o livro Pelos caminhos da estrada real e, por consequência, em 2012, lançou o cd Minas Real. E isso não fica por aí, pois, ele é parceiro do primeiro time da Música Brasileira: da Ana Terra, do Cláudio Nucci, do Fernando Brant, do saudoso poetamigo Anibal Beça, do George Israel (Kid Abelha), do Márcio Borges, do Murilo Antunes, do Tavito, do Sérgio Ricardo, do Roberto Menescal, do Mano Melo & etc e tal. Que timaço invejável! Para se ter ideia ele possui mais de 500 obras (e só não é meu parceiro musical por completa incompetência e desorganização minha, vez que duas letras dele que eu trabalhava foram pro beleléu quando pifou o HD do meu PC, destá!). Mas hoje é aniversário dele e, como sempre, eu na fila do gargarejo aplaudindo de pé este grande talento e desejando felicidades e sucesso universais!!!! Parabéns, amigo Cerquize! Veja mais aqui.


JEAN COCTEAU - Quando assisti pela primeira ao filme O sangue de um poeta (Le sang d´um poete, 1930), do escritor, cineasta, dramaturgo, desenhista e ator surrealista francês, Jean Cocteau (1889-1963), fiquei impressionado com o enredo enigmático e metafórico, as tramas sobre um mundo interior de poeta com seus medos e obsessões, a temática da morte e as dificuldades da criação artística, a música de Georges Auric e a lindeza da atriz Elizabeth Lee Miller (1907-1977, Lady Penrose). O filme conta a história de um artista sem nome que é transportado através do espelho para outra dimensão, viajando por diversos cenários bizarros, repletos de imagens surreais vindas em sequencias sem lógica aparente que o tornaria a representação máxima do cinema e da poética surrealista. Tudo começa quando um pintor vai desenhar um rosto e a boca desse desenho passa a ter vida, o que estranhamente o faz tentar apagá-la e, ao final vê-la impressa na sua própria mão. Tentando libertar-se da boca, só consegue ao passá-la para uma estátua que ganha vida e o aconselha a sair da sala pelo espelho onde aparecem diversas portas e em cada fechadura uma cena: um hermafrodita, um fumador de ópio, uma menina que aprende a voar, um revolucionário mexicano, um anjo negro, um casal que joga cartas, a estátua que surge com uma lira. Todo filme é impregnado por uma atmosfera onírica e um forte componente simbólico, como um conjunto de alegorias que levam ao significado da sua sensibilidade poética: “todo o poema é um brasão que tem de ser decifrado”. Pois, para ele: “O poeta lembra-se do futuro” e “A poesia é uma religião sem esperança”. Esse foi o primeiro filme da trilogia Órfica de Cocteau que incluiu depois Orphée (1950) e Le Testament d´Orhée (1960). Dele, um fragmento do seu belíssimo poema O mentiroso: “Gostaria de dizer a verdade.  Gosto da verdade. Mas ela não gosta de mim. A verdade é esta: a verdade não gosta de mim. Mal acabo de dizê-la, ela muda de rosto e volta-se contra mim. Tenho o ar de mentir e todos me olham de revés. E, no entanto, sou uma pessoa simples e não gosto da mentira. Juro. A mentira traz sempre complicações assustadoras. [...] Sou tomado de angústia, de receio, de medo do ridículo, e minto. Minto. Não há nada a fazer. Demasiado tarde para voltar atrás. Depois de se começar a mentir, tem de se continuar. E não é cômodo, juro. É tão fácil dizer a verdade. É um luxo de preguiçoso. [...] Chamam-me mentiroso e não respondo. Poderia responder: vocês mentem. Mas não encontro a força necessária para isso. Deixo-me insultar e rebento de raiva. E é esta raiva que se acumula, que se amontoa em mim, que me enche de ódio. [...] Vocês mentem com certeza! Vocês mentem todos. Mentem constantemente e gostam de mentir e de acreditar que não mentem. Vocês mentem a si próprios. Isso é que é grave. Porque eu não minto a mim próprio. Eu tenho a franqueza de confessar que minto, que sou um mentiroso. Mas vocês, vocês são uns cobardes. Escutam-me e pensam: coitado! E aproveitam-se da minha franqueza para dissimular as vossas mentiras. [...] É certo que a verdade tem o seu peso e consegue espantar-me. A verdade. As duas equivalem-se. Talvez a mentira lhe ganhe... embora eu nunca minta. O quê? Se já menti? Claro que sim. Menti quando lhes disse que mentia. Menti quando lhes disse que mentia ou quando lhes disse que não minto? Mentiroso, eu? No fundo, já não sei. Sinto-me confuso. Que tempo o nosso! Serei um mentiroso? Pergunto--lhes. Sou antes uma mentira. Uma mentira que diz sempre a verdade. Veja mais aqui


ELIZABETH LEE MILLER – A atriz estadunidense Elizabteh Lee Miller (1907-1977) do filme Sangue de um poeta, de Jean Cocteau, também era fotógrafa de moda e fine art, modelo de sucesso e correspondente de guerra da revista Vogue durante a II Guerra Mundial. Por suas atividades a Lady Penrose virou filme em 1995, num documentário feito por Sylvain Roumette com o título de Lee Miller: Trhough the Mirror, um filme narrado por seu único filho, o pintor Roland Penrose em que ele revela o diário da mãe, a vida dela com Cocteau e Picasso, a nudez no início da carreira para Man Ray, as capas das revistas Vogue e Blitz, películas e fotografias.



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