CUSPINDO ARANZEL ÀS
TAQUILALIAS... - Naquela
manhã o Sol espreguiçava adormecido sobre os lençóis de nuvens espessas, muitas
delas entupidas de tão escuras, ventania passando. Se era um
sinal, nem adivinhava. O que me perturbava se não sonhei nada ou nem
lembrava, algo bulia dentro de mim. Medo? Só da ruindade humana: gente que tem
um estranho e perverso gozo de torturar os outros, pezunhar, pisotear. Bate
fundo na indignação! Afora isso, o momento que
apronte das suas preu me arrepiar, suar frio e bater biela, até arranjar um jeito
de passar sebo nos cambitos pra não abrir da vela. Só me dividia entre ter de
levantar e manter-me desfadigado embolando dum lado pra outro na cama,
embatucado com a inação. Pra falar a verdade: estava era cansado de dar murros em ponta
de facas, de pelejar lá e loa e resultado algum por
benesse. É ruim demais acordar sem ter um mínimo de expectação
e ter de
esperar por um milagre que jamais acontecerá. Restava os ossos incomodando e já
prevendo o esqueleto cansado de guerra, querendo mais nada que não fosse um
aconchego qualquer de mão fêmea dengosa. Só de imaginar a correria esganiçada do
povo no trânsito louco, às peitadas e encontrões, mesuras
aleivosas, ofensas escondidas no rangido dos dentes abertos, cada um que se
aguente nas pregas proctais e seja lá o que deus quiser, ora, ora! Inquieto-me
porque a Terra gira desde num sei quando e só cheguei depois no meio do maior
pandemônio. Não
há nada comparável. A minha vida toda de revestrés trouxe-me algumas lições que
desaprendi a cada mudada de vista na direção, porque de quem a gente mais gostava
findava de se envultar só pra ver de mãos abanando navios lá longe, sempre
assim. E só falando sozinho, coisa de doido! Quase uma mitomania braba! Esse o meu
maluco solilóquio quiçá me absolvia porque não adiantaria nada reclamar da
falta de sorte ou culpar quem quer que fosse pela minha desajeitada forma de malograr
sucessivamente. Afinal um rico é só um picareta bem-sucedido. E quem não leva
jeito nem pra enrolar ou levar tudo na lábia ou ponta do dedo, melhor ficar em
casa pra não ser engalobado outra e tantas vezes. Não é só coisa de
oportunidade ou vocação, nem sei o quê, maior rebuceteio, ora: o cu que aguente
o queimor do peido ou inturido rasgando na cagada. Na
ausência de ter o que fazer de aproveitável, comecei a rabiscar meu monólogo numas
anotações agarranchadas só pra ver se decifrava o que se passou pro que virá.
Gastando hora esquadrinhei prós e contras, fiz um risco como se convencionasse
um plano cartesiano pra minha birutice: pra direita e acima, o infinito
positivo; à esquerda e abaixo, infinito negativo. E eu nunca além do provável,
empancado ou caído. Aí tomei pra mim a metáfora do yin e yang, botei
a coisa pra rodar como se invocasse a quadridimensionalidade que nem sei além
de espaço-tempo; além de cumprimento, largura e altura; além sei lá do que se
poderia supor a mais para que tudo girasse veloz e intensamente, a fim de me
dar qualquer que fosse a possibilidade de ventura e a me rir com a ideia de que
um cheirava o cu do outro, como aquela do controvertido evangelho de Padre Bidião: Deus é uma foda em cadeia. Diga-se de passagem, uma esculhambação
boa. Quase risadas, nem tanto. Mas, afrouxava a chatura. Todavia, quando tudo parecia
ter mesmo dado o créu, sobrou um epitáfio: aqui jaz. Queria mesmo era estar vivo com
todo entusiasmo para novos erros. Até exigindo inclusive o manual de instrução com
as especificações técnicas e cósmicas para saber o melhor modo de usar essa
minha geringonça de vida. Inesperadamente elevei o astral e mais me ri com uma
advertência: você só será feliz de mesmo enquanto não se apaixonar. Na vera. Senão,
já era. E que tudo dê no escambau, se quiser. Ôpa! É isso aí. Veja mais aqui,
aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Se um sofrimento tinha alguma
utilidade, raciocinava, não era para quem sofre. A
única maneira pela qual a dor de um indivíduo ganhava significado era através
da sua comunicação aos outros. O casamento abre uma conta conjunta no
banco de línguas, com 'nós' como moeda, e esse pronome une duas identidades
individuais com interesses diferentes no casamento. Pensamento da escritora,
biógrafa e professora estadunidense Diane Helen Middlebrook (1939- 2007).
ALGUÉM FALOU: - Finalmente
compreendi seu “sistema”! -. E o escritor, diretor, pedagogo e ator russo Constantin
Stanislavski (1863-1938) respondeu: “Sorte sua, eu ainda não o
compreendi inteiramente”. Entre as máximas do mestre do teatro tem outra: “Amar
a arte em si, e não a si mesmo na arte”. No seu Sobránie sotchinénii
(1954-1961), ele relata seu encontro, em 1934, com a atriz Stella Adler: “Chegou
em Paris para falar comigo uma mulher completamente enlouquecida. Eu já a
conhecia da América. Era uma atriz muito dotada. Tinha trabalhado no teatro,
depois saiu e entrou na escola... para aprender o meu sistema. Não sei o que
Boleslávski e Uspenskaia lhe ensinaram na escola, mas quando ela terminou o
curso e voltou para o teatro... interpretava pior do que antes. Tomada de
pavor, atirou-se contra mim... e gritou: “O senhor acabou comigo! E agora o
senhor tem que me salvar! O que é que o senhor fez comigo?” Dizia que o meu
método tinha se espalhado pela América e de repente, ela, uma atriz talentosa,
tendo estudado segundo o meu sistema, perdera o seu talento. Tive que trabalhar
com ela pelo menos para recuperar a reputação do meu sistema”. Ele negava ser
um método o seu sistema: “o sistema não é um “livro de culinária”; quando se
quer fazer algum prato, basta olhar o índice, abrir a página – e pronto. Não, o
sistema é toda uma cultura, dentro da qual é preciso crescer e se educar
durante anos e anos. É impossível decorar o sistema, ele deve ser assimilado e
digerido de maneira que entre no sangue e na carne do artista. Deve se tornar
sua segunda natureza e nele confluir orgânico de uma vez por todas, fazendo-o
renascer para o palco.” Veja mais aqui e aqui.
DOS TRABALHOS
ESTÉTICOS - [...] Um pai perdeu o filho num combate singular: é noite.
Um criado, testemunha do combate, vem dar-lhe a notícia. Entra nos aposentos do
pai infeliz, que dormia. Anda de lá para cá. O ruído do homem a caminhar o
desperta. Ele pergunta quem é. – Sou eu, senhor, responde-lhe o criado com a
voz alterada. – E então, o que há? – Nada. – Como, nada? – Não é nada não,
senhor. – Não é possível. Estás tremendo, desvias a cabeça, evitas meu olhar.
Ainda uma vez, o que há? Quero saber! Fala, eu te ordeno! – Já disse, senhor,
que não é nada, responde-lhe de novo o criado, em lágrimas. – Ah! infeliz,
exclama o pai, arremetendo da cama em que dormia; estás me enganando. Aconteceu
alguma desgraça... Minha mulher morreu? – Não, senhor. – Minha filha? – Não,
senhor. – É meu filho, então?... O criado se cala; o pai compreende o silêncio
dele; lança-se ao chão, enche de gritos e de dor os seus aposentos. Faz e diz
tudo aquilo que o desespero sugere a um pai que perde o filho, única esperança
da família. O mesmo homem corre ao quarto da mãe: ela também dormia. Desperta
com o ruído das cortinas que se abrem com violência. O que há? pergunta ela. –
Senhora, a maior desgraça. É o momento de sermos cristãos. A senhora já não tem
filho. – Ah Deus! exclama a mãe aflita. E tomando um Cristo que estava à
cabeceira, estreita-o nos braços, nele colando os lábios; seus olhos inundam-se
de lágrimas e essas lágrimas inundam seu Deus crucificado. Eis o quadro da
mulher piedosa: logo veremos o da esposa terna e da mãe desolada. A uma alma em
que a religião domina os movimentos da natureza, é preciso um abalo mais forte
para arrancar-lhe as verdadeiras vozes. Entrementes, haviam levado para os
aposentos do pai o cadáver do filho; e lá se passava uma cena de desespero, enquanto
se fazia uma pantomima de piedade no quarto da mãe. Tu vês como a pantomima e a
declamação mudam alternadamente de lugar. Eis aquilo que deve substituir nossos
apartes. Mas o momento da reunião das cenas se aproxima. A mãe, conduzida pelo
doméstico, avança para os aposentos do marido... Pergunto-me o que aconteceria
com o espectador durante esse movimento!... É um esposo, é um pai estendido
sobre o cadáver do filho, que vai ferir profundamente os olhos da mãe! Mas ela
acaba de atravessar o espaço que separa as duas cenas. Gritos lamentáveis
atingem seus ouvidos. Ela vê. Lança-se para trás. A força a abandona e ela cai
sem sentimento entre os braços daquele que a acompanha. Logo sua boca se
encherá de soluços. Tum verae voces [...]. Trecho extraído da obra Oeuvres
esthétiques (Garnier Frères, 1968), do filósofo, dramaturgo e escritor
francês Denis Diderot (1713-1784). Já nas Cartas sobre os cegos para
uso por aqueles que veem (Abril Cultural, 1979), ele expressa que: [...] Eu
suspeitava muito, senhora, que o cego de nascença, a quem Monsieur de Réaumur
acaba de operar a catarata, não nos ensinasse aquilo que queríeis saber; mas
estava longe de adivinhar que não seria nem culpa dele nem vossa. Solicitei ao
seu benfeitor por mim mesmo, por seus melhores amigos, pelos cumprimentos que
lhe fiz; não conseguimos obter nada, e o primeiro aparelho será levantado sem
vós. Pessoas da mais alta distinção tiveram a honra de partilhar esta recusa
com os filósofos; em uma palavra, ele não quis deixar cair o véu a não ser
diante de alguns olhos sem consequência. Se estais curiosa de saber por que
esse hábil académico fez tão secretamente experiências que não podem ter,
segundo vós, um número demasiado grande de testemunhas esclarecidas,
responder-vos-ei que as observações de um homem tão célebre necessitam menos de
espectadores, quando se fazem, do que de ouvintes, quando estão feitas.
Retornei, pois, senhora, ao meu primeiro desígnio, e, forçado a privar-me de
uma experiência em que não via quase nada a ganhar para a minha instrução, nem
para vossa, mas de que M. de Réaumur tirará sem dúvida melhor proveito, pus-me
a filosofar com os meus amigos sobre a importante matéria que constitui seu
objeto. Como eu seria feliz, se o relato de um de nossos colóquios pudesse
fazer-me as vezes, junto de vós, do espetáculo que eu demasiado levianamente
vos havia prometido. [...] É um homem que não carece de
bom senso, que muitas pessoas conhecem; que sabe um pouco de química, e que
acompanhou, com algum êxito, os cursos de botânica no Jardim do Rei. Nasceu de
um pai que professou com aplauso a filosofia na Universidade de Paris.
Desfrutava de uma fortuna honesta, com a qual teria facilmente satisfeito os
sentidos que lhe restam; mas o gosto pelo prazer arrastou-o na mocidade,
abusaram de seus pendores; seus assuntos domésticos atrapalharam-se, e ele
retirou-se para uma cidadezinha da província, de onde faz todos os anos uma
viagem a Paris. [...] Nosso cego julga muito bem quanto às simetrias. A
simetria, que é talvez um problema de pura convenção entre nós, é certamente
assim, em muitos aspectos, entre um cego e os que vêem. [...] O nosso
cego fala de espelho a todo momento. Acreditais realmente que ele não sabe o
que significa a palavra espelho; entretanto, ele nunca colocará um espelho à
contraluz. Ele se exprime tão sensatamente como nós sobre as qualidades e os
defeitos do órgão que lhe falta; se não liga qualquer ideia aos termos que
emprega, leva, pelo menos sobre a maioria dos outros homens, a vantagem de jamais
pronunciá-los fora de propósito. Discorre tão bem e de maneira tão justa acerca
de tantas coisas que lhe são absolutamente desconhecidas que seu comércio
tiraria muito da força a essa indução que todos nós fazemos, sem saber por quê,
daquilo que se passa em nós para aquilo que se passa dentro dos outros.
[...] Um de nós lembrou-se de indagar do nosso cego se ficaria contente em
ter olhos: "Se a curiosidade não me dominasse disse ele, eu preferiria
muito mais ter longos braços: parece-me que as minhas mãos me instruiriam
melhor do que se passa na lua do que os vossos olhos ou os vossos telescópios;
além disso, os olhos cessam de ver mais do que as mãos de tocar. Valeria pois
muito mais que me fosse aperfeiçoado o órgão que possuo do que me conceder o
que me falta". [...]. Considerado precursor do anarquismo, muitas pérolas
lhes são atribuídas: Não pensais que se possa ter nascido tão
afortunadamente, que se encontre grande prazer em praticar o bem? Ele
criticava o poder absoluto do rei, a improdutividade da nobreza e a tragédia,
apresentando um teatro sério que represente a burguesia, em oposição ao teatro
clássico, no qual a burguesia era exposta a partir de papéis que a retratavam
no patamar do ridículo. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
LONGA CEIA DE
NATAL - [...] Em todo caso, o tempo não passa tão devagar como quando
ficamos esperando que nossos filhos cresçam e abracem uma profissão. Eu não
quero que o tempo passe mais rápido. Não, muito obrigada. Mas, mãe, o tempo
passará tão rápido que mal notarás a minha partida. Eu não posso fazer nada? -
Não, minha criança. Só o tempo, só o passar do tempo pode ajudar em alguma
coisa, Adeus, meu bem! Não cresça muito rápido, fique só assim, como és agora. O
tempo passa realmente muito rápido num país grande e novo como o nosso. Mas na
Europa o tempo deve com certeza passar de maneira muito lenta com essa guerra
horrível. Eu não posso fazer nada? - Não, não, só o tempo, só o passar do tempo
pode ajudar em alguma coisa. O tempo passa tão lento aqui que parece estar
parado, isto sim. Por Deus, eu vou ainda a algum lugar onde o tempo realmente
passe! Como o tempo passa devagar sem as crianças em casa. Não suporto. Não
suporto por mais tempo. [...] São os pensamentos, os pensamentos sobre o
que foi e o que poderia ter sido aqui. E a sensação de que nessa casa os anos
giram sempre da mesma maneira, como um moinho. [...]. Trechos extraídos da
obra The Long Christmas Dinner and Other
Plays in One Act (Avon, 1980), do escritor
estadunidense Thornton Wilder (1897-1975).
UM SONHO - Assim como o amanhecer cinzento começa a brilhar fracamente \ Numa
manhã tranquila de verão tive um belo sonho. \ Eu pensei que meu corpo era
argila sem suporte, \ E os amigos estavam se preparando para deixar isso de
lado, \ Eles ficaram ao lado da minha cama, um deles chorando alto, \ Enquanto
dois com dedos hábeis colocaram sobre mim uma mortalha. \ E alguém que me amou
e conhecia todos os meus cuidados \ Coloquei flores sobre mim e trançei meu
cabelo, \ E murmurou: "Pobre criatura, seus problemas acabaram, \ E aqueles
que a irritaram não podem mais irritá-la." \ Então cruzando ternamente as
mãos no peito \ Ela me beijou e me abençoou e me deixou descansar. \ As
palavras mais gentis apenas sobre mim foram ditas \ E tranquilamente pensei:
"É bom estar morto." \ Suspirei de contentamento, tão seguro eu
parecia \ - Infelizmente, pelo suspiro! pois baniu meu sonho. Poema da escritora, sufragista e feminista
australiana Louisa Lawson (Louisa Albury – 1848-1920). Veja mais aqui.
OUTRAS TACADAS MAIS...